TUTELA CAUTELAR
A par dos processos principais – urgentes e não urgentes
–, encontramos os processos cautelares, cujo regime se encontra regulado nos
artigos 112.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos,
doravante CPTA.
Nos termos do artigo 112.º do CPTA, “quem possua
legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode
solicitar a adoção da providência ou das providências cautelares,
antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a
utilidade da sentença a proferir nesse processo.”. Para compreender este
preceito, é necessário explicitar e aprofundar a noção, finalidade e tipologia da
tutela cautelar.
Em primeiro lugar, cabe afirmar que a tutela cautelar
traduz o conjunto de medidas com caráter processual que visam assegurar a
utilidade de um processo declarativo. Segundo o professor Mário Aroso de
Almeida, “num processo cautelar, o autor num processo declarativo, já intentado
ou ainda a intentar, pede ao tribunal a adoção de uma ou mais providências,
destinadas a impedir que, durante a pendência do processo declarativo, se
constitua uma situação irreversível ou se produzam danos de tal modo gravosos
que ponham em perigo, no todo ou pelo menos em parte, a utilidade da decisão
que ele pretende obter naquele processo”[1]. Por
outras palavras, o processo principal é, por norma, mais moroso e pode dar
lugar a situações mais complexas que põem a causa os interesses das partes. É
imperativo que, face a esta caraterística inerente ao processo declarativo, se
continue a assegurar a satisfação provisória dos interesses que resultam da
relação material controvertida.
Em segundo lugar, é importante referir que o processo
cautelar tem de assegurar o respeito pelos seguintes princípios: o princípio da
tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 2.º do CPTA; o princípio da
prossecução do interesse público e, ainda, o princípio da separação de poderes.
Estamos, agora, em condições para apresentar e explicitar
as caraterísticas do processo cautelar.
A tutela cautelar assenta em três caraterísticas:
1.
Instrumentalidade: A providência cautelar não é autónoma
face à ação principal, uma vez que “depende, na função e não apenas na
estrutura, de uma ação principal, cuja utilidade visa assegurar”[2].
Por outras palavras, a primeira encontra-se ao serviço da segunda, que tem como
principal objetivo a decisão sobre o mérito da causa. É importante não
confundir as duas. É possível que a parte consiga a título provisório aquilo
que depois pretende adquirir a título definitivo[3],
mas é crucial que o conteúdo da decisão cautelar não esgote o conteúdo da
decisão definitiva[4].
Esta caraterística é evidenciada pelos artigos 112.º/1 e 113.º/1 do CPTA.
2.
Provisoriedade: A tutela cautelar pressupõe apenas uma decisão
transitória, que caducará com a decisão definitiva, isto é, que perderá o seu
efeito aquando da solução definitiva. Por outras palavras, não está em causa a
resolução definitiva de um litígio. Segundo o professor Mário Aroso de Almeida,
“a provisoriedade transparece da possibilidade de o tribunal revogar, alterar
ou substituir, na pendência do processo principal, a sua decisão de adotar ou
recusar a adoção de providências cautelares se tiver ocorrido uma alteração
relevante das circunstâncias inicialmente existentes (artigo 124.º/1) (…)”.[5]
Esta caraterística é evidenciada pelo artigo 124.º/1 do CPTA.
3.
Sumariedade: A tutela cautelar concretiza-se numa
compreensão sumária dos factos apresentados, exigindo-se apenas um juízo de
mera possibilidade sobre a existência do direito que se pretende salvaguardar.
Segundo o professor José Vieira de Andrade, a providência cautelar manifesta-se
numa “cognição sumária da situação de facto e de direito, própria de um
processo provisório e urgente (…)”[6].
Chegados a este ponto importa referir que o artigo 112.º
do CPTA constitui uma cláusula aberta em matéria cautelar, uma vez que atribui
ao particular a possibilidade de utilização de todos os meios úteis e
necessários para a satisfação dos interesses em causa. Na verdade, estamos perante
um conjunto de regras que permite que todos os meios processuais possam ser
criados, de acordo com o número 2 do artigo 112.º, que apresenta um elenco
meramente exemplificativo. Segundo o professor Mário Aroso de Almeida, “a
efetividade do amplo leque de pretensões substantivas que os particulares podem
accionar, a título principal, perante os tribunais administrativos passa pela
possibilidade de obter providências cautelares de conteúdo diversificado, em
função das necessidades de cada caso”[7]. Ainda
de acordo com o pensamento deste professor, interessa afirmar que o artigo
112.º do CPTA apenas “quer dar cumprimento”[8] ao
artigo 268.º/4 da Constituição da República Portuguesa.
Em suma, com a Reforma do Contencioso Administrativo de
2015, transitámos de um mecanismo limitado e inacessível para um mecanismo
plenamente vasto.
Quanto à tipologia das providências cautelares, podemos
distinguir as providências cautelares conservatórias das providências
cautelares antecipatórias. No caso das primeiras, o interessado pretende manter
ou conservar o direito em perigo, “evitando que ele seja prejudicado por
medidas que venham a ser adotadas”[9]; ao
passo que nas segundas, o interessado pretende obter uma prestação,
independentemente de envolver ou não a prática de atos administrativos. A
suspensão da eficácia do ato administrativo, referenciada no artigo 112.º/2,
alínea a) do CPTA, constitui o exemplo paradigmático das providências
cautelares conservatórias.
Para terminar, cabe questionar quais são os requisitos,
também designados de critérios gerais de atribuição, das providências
cautelares. Estes critérios estão definidos nos números 1 e 2 do artigo 120.º
do CPTA.
O primeiro requisito de que depende a atribuição de
providências cautelares é o periculum in
mora, que se traduz no “fundado receio da constituição de uma situação de
facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os
interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”, nos termos
do artigo 120.º/1 do CPTA. Para afirmarmos que este requisito se encontra
preenchido temos de efetuar um juízo de prognose, isto é, temos de verificar se
existem razões para recear que a sentença venha a perder a sua utilidade por,
no entretanto, se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela ou
por se terem produzido danos irreparáveis. Neste caso, cabe ao requerente
provar o fundado receio. Note-se que a tutela cautelar deve abster-se de
critérios puramente abstratos, devendo primar-se apenas por critérios concretos
em função da utilidade da sentença.
Importa ter presente o seguinte: nas palavras do
professor José Alberto dos Reis, “um conhecimento completo e profundo sobre a
existência do perigo pode exigir uma demora incompatível com a urgência da
medida cautelar”[10].
O segundo requisito diz respeito à juridicidade material,
também designada de fumus boni iuris. Segundo
o professor Mário Aroso de Almeida, o “critério da aparência de bom direito” [11]pressupõe
que “a atribuição das providências cautelares depende de um juízo, ainda que
perfunctório, por parte do juiz, sobre o bem fundado da pretensão que o
requerente faz valer no processo declarativo”[12].
Por outras palavras, este requisito traduz-se na exigência de que o direito que
se pretende ver tutelado seja tratado como uma simples probabilidade, e não
como um direito efetivamente existente. Cabe ao juiz avaliar o grau de
probabilidade da procedência da ação principal, de forma a confirmar a
existência de uma aparência de procedibilidade da decisão definitiva.
Por fim, referimo-nos ao critério da ponderação de
interesses, segundo o qual, mesmo que se encontre preenchida a previsão do
número 1 do artigo em análise, as providências podem ser recusadas “quando,
devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos
que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem
resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de
outras providências”, nos termos do artigo 120.º/2 do CPTA. Neste preceito
encontramos consagrado o princípio da proporcionalidade, que se encontra
densificado pelos princípios da adequação e da necessidade – é também
indispensável que as providências se limitem ao necessário “para evitar a lesão
dos interesses defendidos pelo requerente” e que estas sejam adequadas ao caso
concreto, isto é, à natureza dos diversos bens em conflito, de acordo com o
artigo 120.º/3 do CPTA.
Em suma, podemos afirmar que a providência cautelar surge
como meio de suprimir as consequências da demora dos processos declarativos.
Importa salientar a natureza provisória da tutela cautelar e a
indispensabilidade da decisão do mérito da causa, uma vez que o decretamento
provisório se revela suficiente apenas durante a pendência da ação. Como futura
reflexão, quais são as diferenças substanciais entre o decretamento provisório
e o processo urgente de intimação? É o processo urgente de intimação o meio
mais eficaz para salvaguardar os direitos dos particulares?
Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de
Processo Administrativo, 3ª edição, Almedina, 2017
ANDRADE, José Carlos Vieira de, A Justiça administrativa (Lições), 13ª
edição, Almedina, 2014
SILVA, Vasco Pereira da, O
Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio Sobre as Acções no
Novo Processo Administrativo», 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2009
Micaela Costa Pinto
Número 28155
4º TA Subturma 8
[1] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual
de Processo Administrativo, 3ª edição, Almedina, 2017, página 423
[2] ANDRADE, José Carlos Vieira de, A
Justiça administrativa (Lições), 13ª edição,
Almedina, 2014, página 307
[5] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 3ª edição, Almedina, 2017,
página 424
[6] ANDRADE, José Carlos
Vieira de, A Justiça administrativa (Lições), 13ª
edição, Almedina, 2014, página 307
[7] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 3ª edição, Almedina, 2017,
página 430
[8]ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 3ª edição, Almedina, 2017, página 430
[9] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 3ª edição, Almedina, 2017,
página 431
[10] REIS, Alberto dos, A
figura do processo cautelar, Boletim do Ministério da Justiça n.º3, página
51
[11] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 3ª edição, Almedina, 2017,
página 459
[12] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 3ª edição, Almedina, 2017,
página 459
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