A Institucionalização da Arbitragem
no Direito Administrativo
A arbitragem no Direito Administrativo funda-se na faculdade expressa pelo artigo 209.º/2, da Constituição da República Portuguesa e constitui uma alternativa aos tribunais estaduais, para a resolução de litígios.
A arbitragem resulta de um acordo que exprime a vontade das partes em resolver determinado litígio pela via dos tribunais arbitrais, os quais podem ter, ou não, natureza permanente. Assim, distingue-se a arbitragem institucionalizada da não institucionalizada.
Atualmente, assiste-se a uma maior especialização dos litígios emergentes nas relações dos particulares com a Administração, as quais abarcam maior complexidade e dificuldade para os juízes administrativos do Estado. Neste sentido, os tribunais arbitrais, com juízes especializados nas matérias, podem responder melhor às necessidades da Justiça.
As novas correntes de cidadania e de democracia participativa requerem a construção de uma nova relação do Estado com os cidadãos e com as empresas. Ao Estado, é pedido que no âmbito da reforma da justiça administrativa, promova e aceite a resolução dos seus litígios fora dos tribunais, quer admitindo o auxílio de um mediador desprovido de poder potestativo, quer confiando a decisão a um terceiro neutral.
No início do Século XXI, indo ao encontro das novas tendências de recurso à arbitragem para a resolução dos conflitos entre a Administração e os particulares, foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros nº 175, de 5 de dezembro de 2001. Esta Resolução reafirma "o firme propósito de promover e incentivar a resolução de litígios por meios alternativos, como a mediação ou a arbitragem, enquanto formas céleres, informais, económicas e justas de administração e realização da justiça".
A Lei nº 15/2002, de 22 de fevereiro, que aprovou o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), no seu artigo 187.º já previa instalação de centros de arbitragem institucionalizada destinados à composição de litígios em algumas matérias.
A natureza inovadora desta medida explica a muita cautela que levou a que a sua aplicação tenha sido singularmente cautelosa. Assim se justifica que tenha sido longo o período de tempo entre a consagração legal do artigo 187.º, CPTA, em 2002 e a sua concretização na prática, promovida pelo Ministério da Justiça, no ano de 2009.
A Intervenção do CAAD
e a Articulação com os Tribunais Arbitrais
Em resultado das novas tendências político-administrativas foi criado o Cento de Arbitragem Administrativa (CAAD), através do Despacho nº 5097/2009, de 27 de janeiro, o qual reúne um conjunto de associados vinculados à prossecução de interesse público e que funciona nos termos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais sob a égide do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Para além da vantagem do CAAD ter juízes especializados, a sua arbitragem incorpora três fatores fundamentais para o bom funcionamento da Justiça, a saber: celeridade e poupança processual e também uma tramitação processual mais simplificada. Atualmente, o CAAD tem competência para dirimir conflitos em matéria de relações jurídicas de emprego público, sistemas públicos de proteção social e urbanismo, (artigo 187.º/1, CPTA). No entanto, tal como notou o Professor Vieira de Andrade, julgamos que a sua ação pode ser alargada:
Os centros de arbitragem permanente previstos no artigo 187.°, CPTA, apesar
do seu nome, destinam-se também e porventura até primacialmente a
"composição" de litígios em algumas matérias de direito
administrativo - além de contratos e da responsabilidade civil, relações
jurídicas de emprego publico, sistemas públicos de proteção social e urbanismo
-, podendo exercer funções de conciliação, mediação ou consulta no âmbito de
procedimentos de impugnação administrativa (Andrade, 2009: 86).
- Por Portaria ministerial que aceite previamente os litígios que lhe possam ser submetidos assim constituindo os particulares num direito potestativo, (artigo 187.º/2, CPTA);
- Por via de compromisso arbitral celebrado pelo Ministro competente pelas entidades públicas que tutela ou pelo presidente do órgão dirigente de uma pessoa coletiva pública, (artigo 184.º/1 e 2, CPTA);
- Por texto dos contratos que sejam celebrados com particulares, nos quais seja possível acordar previamente a submissão obrigatória de futuros litígios ao CAAD, nos termos de compromisso arbitral, assim obrigando, não apenas as entidades públicas, mas também as partes privadas.
Importa referir, que apesar das políticas governamentais de reforma administrativa apontarem no sentido de uma maior intervenção e importância da arbitragem, concretamente da arbitragem institucionalizada, a versão atual do CPTA, com as alterações do Decreto-Lei 214-G/2015, atribuí ao CAAD menos competências, relativamente à versão inicial, aprovada pela Lei 15/2002. Assim, em 2002, no artigo 187.º/1, lemos:
"O Estado pode, nos termos da lei, autorizar a instalação de centros de arbitragem permanente destinados à composição de litígios no âmbito das seguintes matérias:
a) Contratos;
b) Responsabilidade civil da Administração;
c) Funcionalismo público;
d) Sistemas públicos de protecção social;
e) Urbanismo".
e na versão de 2015, lemos:
"O Estado pode, nos termos da lei, autorizar a instalação de centros de arbitragem institucionalizada destinados à composição de litígios passíveis de arbitragem nos termos do artigo 180.º, designadamente no âmbito das seguintes matérias:
...
c) Relações jurídicas de emprego público;
d) Sistemas públicos de proteção social;
e) Urbanismo".
c) Relações jurídicas de emprego público;
d) Sistemas públicos de proteção social;
e) Urbanismo".
Numa primeira leitura, verifica-se a perda de competências do CAAD, relativamente aos contratos e à responsabilidade civil na administração.
Contudo, coloca-se uma discutível questão. Sendo o CAAD um tribunal arbitral e tendo os tribunais arbitrais as competências elencadas no artigo 180.º/1, CPTA, poderá o CAAD dirimir litígios nas questões infra citadas?
a) Questões respeitantes a contratos, incluindo a anulação ou declaração de nulidade de atos administrativos relativos à respetiva execução;
b) Questões respeitantes a responsabilidade civil extracontratual, incluindo a efetivação do direito de regresso, ou indemnizações devidas nos termos da lei, no âmbito das relações jurídicas administrativas;
c) Questões respeitantes à validade de atos administrativos, salvo determinação legal em contrário;
d) Questões respeitantes a relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional.
A letra da lei, nomeadamente no respeitante às relações jurídicas de emprego público, artigo 180.º/1,d) versus artigo 187.º/1,c), faz uma distinção de competências entre tribunais arbitrais, em sentido restrito, e CAAD. Neste caso em particular, o texto da lei restringe expressamente o âmbito de competências dos tribunais arbitrais face ao CAAD. Com a última versão do CPTA, estamos perante uma ambiguidade legislativa. Pois, se por um lado assistimos à retirada de competências do CAAD, face aos tribunais arbitrais, por outro, verificamos que o CAAD, pode intervir em questões que estão vedadas aos outros tribunais arbitrais.
Neste ponto acompanhamos a opinião do Professor João Tiago Silveira "Ora, a regulação da arbitragem institucionalizada de forma especial foi um desses instrumentos. Isto é, o espírito da Reforma aponta para que se efetue uma interpretação ampla (ou pelo menos, declarativa) dos poderes dos centros de arbitragem institucionalizada e não uma interpretação restritiva das suas competências elencadas no artigo 187.º CPTA" (Silveira, 2015: 32). Conclui-se assim, que o CAAD, para além das questões elencadas no artigo 187.º/1, pode intervir nas questões referidas no artigo 180.º/1.
Submissão à Jurisdição do CAAD
Logo em 2009, o Ministério da Justiça foi a primeira entidade da Administração Pública a vincular-se à jurisdição dos tribunais arbitrais administrativos do CAAD. Mais tarde, outras entidades aderiram. De momento, para além do Ministério da Justiça estão vinculados:
- Ministério da Cultura;
- Ministério da Educação e Ciência;
- Instituto Politécnico do Porto;
- Instituto Politécnico de Coimbra;
- Instituto Politécnico de Bragança;
- Instituto Superior de Engenharia do Porto.
Contudo, na mesma linha de pensamento de alguns estudiosos do Direito Administrativo, pode e deve aumentar o número de entidades públicas que aceite a jurisdição do CAAD. Julga-se, que poderá haver um maior investimento das entidades ministeriais e dos municípios, por forma a difundir e garantir a identificação de matérias em que a jurisdição do CAAD é aceite. Desta forma, qualquer cidadão ou empresa, em caso de conflitos de Direito Administrativo, estará mais disponível para recorrer a este tribunal arbitral, promovendo-se assim uma melhor Justiça Administrativa. Partilhamos a opinião de que "A aprovação da portaria através da qual um ministério se submeta à jurisdição de um centro de arbitragem quanto à resolução de certos tipos de litígios constituirá, assim, os eventuais interessados em litígios desse tipo no direito potestativo de se dirigirem, para o efeito, a esse centro" (Aroso e Cadilha, 2007: 1024).
Por fim, numa apreciação crítica da Lei, refira-se a figura dos contrainteressados na arbitragem administrativa, nomeadamente nas questões relativas às relações jurídicas de emprego público, não só na arbitragem institucionalizada, mas também. O artigo 180.º/2, refere que "quando existam contrainteressados, a regularidade da constituição de tribunal arbitral depende da sua aceitação do compromisso arbitral".
Ora, por vezes, que são muitas, por impugnação dos atos administrativos relativos aos concursos públicos, por parte de alguns concorrentes preteridos, existem dezenas ou centenas de contrainteressados. Nestes casos, para ser aceite a arbitragem, de acordo com o texto do artigo 180.º/2, CPTA, teremos que reunir a aceitação de todos. Esta exigência que se tem como muito pouco provável, retira o acesso dos cidadãos interessados a uma Justiça mais célere, económica e simplificada. Julga-se que se a letra da Lei fosse "quando existam contrainteressados, a regularidade da constituição de tribunal arbitral depende da sua não oposição ao compromisso arbitral", poderia haver um maior eficiência da Justiça, permitindo a intervenção da arbitragem, neste caso, da arbitragem institucionalizada, num maior número de litígios.
BIBLIOGRAFIA
Almeida, Mário Aroso de
e Cadilha, Carlos Fernandes (2007) [2.ª ed.], Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra,
Almedina.
Andrade, José Carlos
Vieira de (2009), [10.ª ed.], A justiça
administrativa - Lições, Coimbra, Almedina.
Silveira, João Tiago
(2015), "A revisão do CPTA e a arbitragem institucionalizada no direito
administrativo", Revista Arbitragem
Administrativa, (1), pp. 31-35.
Luís
Marques Pereira, Aluno 26474 - 4º TA
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