domingo, 4 de novembro de 2018

A Nova Ação Administrativa – Considerações sobre a revisão de 2015 - RUI TOMAZ


Rui Soares Tomaz

4º Ano, Subturma 8

2018-2019

Contexto Funcional
O objeto deste trabalho é a análise sistemática da refroma de 2015 do CPTA, nomeadamente na abordagem à destrinça entre as formas de processo anteriores à à mesma – ação administrativa comum e especial – e uma das principais novidades da sua materialização – a unificação das formas de processos não urgentes na designada Ação Administrativa.


A Tramitação Processual
A tramitação processual é definida por lei e é esta que determina os modelos a seguir para cada um dos diferentes processos. Materialmente, esses modelos de tramitação constituem-se com a propositura da ação pelo autor[1].
Esta metodologia é influênciada pelas designadas formas de processo, que se consubstanciam num conjunto ordenado de actos e formalidades que devem ser observados na propositura e desenvolvimento da ação em tribunal[2]
Cada forma de processo está vinculada aos diferente tipos de pretensões que podem ser deduzidos pelo Autor da propositura, e, ao contrário do que era praticado antes de 2015, onde o apuramento da forma de processo assentava nas pretensões dos interessados, o novo entendimento do CPTA estabelece um critério de apuramento que versa sobre se o que é pretendido é correlativo do exercício de poderes de autoridade por parte da Administração ou não.[3]
Com a reforma do CPTA podemos dizer que a unificação das ações comum e especial veio substituir, a matriz dualista subjacente à reforma de 2012. Ou seja, olhando para novo o artigo 37.º, verificamos que a divisão anteriormente estabelecida entre ação administrativa comum e ação administrativa especial deixa de existir, pelo menos em termos literais. 
Passarei a analisar.


O regime processual antes da Reforma de 2015
Anterior a 2015 os regimes das formas de processo administrativo concretizavam-se e dividiam-se em duas formas de processo, urgentes e não-urgentes. Nas segundas podíamos encontrar a ação administrativa comum (35º e 37ºss) e ação administrativa especial ( 35º/2  e 46ºss).
A ação administrativa especial, plasmada no art. 46º ss do antigo CPTA, nas palavras de VASCO PEREIRA DA SILVA, era o meio processual “de banda larga”, uma vez que abarcava uma grande variedade de pedidos[4], e seguia um modelo de tramitação próprio que se encontrava especificamente regulado no CPTA[5] .
Esta variedade de pretensões reportavam-se à impugnação de atos e normas, à condenação à prática de atos devidos e à declaração de ilegalidade por omissão de normas[6] , por se entender que “as especificidades das relações jurídico-administrativas requerem um quadro processual específico quando aquelas comportam o exercício de poderes da Administração[7].
Por sua vez a ação administrativa comum seguia o modelo da ação comum do CPC[8], e a delimitação do seu âmbito de aplicação assentava na exclusão de partes, segundo a qual pertenciam à ação administrativa comum todos os processos que não eram regulados pela ação administrativa especial.[9]
A ação administrativa comum era o reflexo do princípio plasmado no art. 460ª/2 do CPC, atribuindo um cariz subsidiário no caso de não ser formulada nenhuma das pretensões para as quais o CPTA estabelecia um modelo especial de tramitação.[10]
Esta ação abarcava ao típico contencioso das ações em matéria de responsabilidade civil extracontratual e em matéria contratual[11] e passou a acolher no seu seio “todos os litígios jurídico-administrativos excluídos pela incidência típica dos restantes meios processuais[12]
A antiga dicotomia fez desencadear algumas dúvidas quanto à sua praticabilidade, nomeadamente por se entender ser imperfeita ou mitigada (tanto pela aproximação ao processo civil, como pela questão da cumulação de pedidos, onde a ação especial acabava por se integrar na ação comum) e por ser fonte de diversos equívocos sobre a forma de processo a adotar (muitas vezes por não ser clara a distinção se uma determinada atuação administrativa se tratava de um ato ou uma declaração negocial, entre outros).[13]
Adicionalmente a estas disfunções, a ideia que se propagou durante a valia do antigo CPTA foi a de que a dicotomia as formas de processo comum e especial “veio transmitir um elemento de rigidez e de complexidade ao sistema que não parece ter sido compensado por vantagens relevantes”[14]
Desta feita estavam reunidos todos os elementos necessários à elaboração de uma nova versão do CPTA, versão essa que atenuasse ou suprimisse as dificuldades acima expostas.


A nova Ação Administrativa
A revisão do CPTA marca o epílogo de um regime dualista entre Ação Administrativa Comum/Especial, consagrando agora no art. 37º do atual CPTA uma única Ação Administrativa, destinada a tramitar os litígios jurídico-administrativos, sem natureza urgente.[15] Ilustra-se assim uma disposição processual administrativa, que se reclama com verdadeira propriedade e autonomia.

Esta desagregação não é perfeita, uma vez que as três modalidades que compunham a ação especial (impugnação de atos administrativos; condenação à prática de ato devido; e impugnação de normas e declaração de ilegalidade por omissão) se mantêm separadas da ação única administrativa, sob o título de exceções ao regime comum.

Autonomamente ás críticas que possam surgir, a existência de uma ação única traz uma vantagem que se sobrepõe a todas as dificuldades que certamente poderão surgir : estabelece um modelo de “fila única” no acesso ao tribunal, que assegura uma maior certeza e prontidão na altura de demandar, evitando que o demandante se dirija para a instância errada e que tenha de aguardar um tempo indeterminado até que seja reencaminhado para a instância competente, onde aguardará ou indeterminado espaço de tempo. Tudo isso agora é prevenido. Esta nova ação pode assim contribuir para o fortalecimento do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva[16], dando primazia à justiça material sobre a justiça formal (artigos 20º e 268º/4 da CRP).

Desta feita podemos afirmar que foi dado um sentido concretizador ao perceito do art. 4º do ETAF, da opção de alargamento da jurisdição administrativa. Essa concretização está tipificada na nova redação do art. 37º do novo CPTA, oferecendo ao Direito Administrativo uma marcha de processo única baseada na matriz do CPC com especificidades próprias.



BIBLIOGRAFIA

AROSO DE ALMEIDA, MÁRIO - Manual de Processo Administrativo

CORREIA, SÉRVULO - Unidade ou pluralidade de meios processuais principais no contencioso administrativo, Reforma do contencioso administrativo – O Debate Universitário, I, 2003

PEREIRA DA SILVA, VASCO - O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise

PEREIRA MEALHA, ESPERANÇA - Comentários à Revisão do CPTA e do ETAF “A nova ação administrativa: uma encruzilhada de acessos a um caminho processual único, 2ª Ed. 2016




[1] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2012, pág. 44
[2] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2012, pág.45
[3] Acordão do Tribunal Central Administrativo Sul 16-03-2017, Prc. 107/14.7 Beja
[4] VASCO PEREIRA DA SILVA , O Contencioso Adminsitrativo no Divã da Psicanálise, pág. 315
[5] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2012, p. 354
[6] ESPERANÇA MEALHA, Comentários à Revisão do CPTA e do ETAF “A nova ação administrativa: uma encruzilhada de acessos a um caminho processual único, 2ª Ed. 2016, p. 216
[7] SÉRVULO CORREIA, Unidade ou pluralidade de meios processuais principais no contencioso administrativo, Reforma do contencioso administrativo – O Debate Universitário, I, 2003, pp- 707-728.
[8] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2012, p. 354
[9] VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divâ da Psicanálise 2ª Ed., 2009, p. 437
[10] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, O Novo Regime do Processo nos Tribunais, 2ª Edição, pp. 87 -88
[11] ESPERANÇA MEALHA, Comentários à Revisão do CPTA e do ETAF “A nova ação administrativa: uma encruzilhada de acessos a um caminho processual único, 2ª Ed. 2016, p. 216
[12] SÉRVULO CORREIA, “Unidade ou pluralidade de meios processuais principais no contencioso administrativo”, in O Debate Universitário, pp 519-520, e Cadernos de Justiça Administrativa n.º 22, p. 27
[13] ESPERANÇA MEALHA, Comentários à Revisão do CPTA e do ETAF “A nova ação administrativa: uma encruzilhada de acessos a um caminho processual único, 2ª Ed. 2016, p. 219)
[14] MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, “Em busca..”, cit., 123.
[15] ESPERANÇA MEALHA, Comentários à Revisão do CPTA e do ETAF “A nova ação administrativa: uma encruzilhada de acessos a um caminho processual único, 2ª Ed. 2016, p. 216); ACORDÃOS do TCA Sul nº 08510/12, de 12/07/2012 e nº 10575/13, de 06/02/2014).
[16] Esperança Mealha, Comentários à Revisão do CPTA e do ETAF “A nova ação administrativa: uma encruzilhada de acessos a um caminho processual único, 2ª Ed. 2016, p. 219

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