quinta-feira, 1 de novembro de 2018


A Anti forma em “actione” no Contencioso Administrativo

A expressão “Contencioso Administrativo” designa um instituto de Direito Público que se projeta na consolidação do Estado Constitucional no pós-Revolução Francesa.
O contencioso administrativo nasceu com a revolução francesa e no quadro revolucionário com os liberais a querer instaurar um modelo de estado constitucional que introduziria o liberalismo político. Este modelo assentava em duas realidades essenciais:
 - A separação de poderes;
 - E a garantia dos direitos individuais.
Este no decorrer dos anos que se têm passado sofreu muitas alterações, mas o que vem caracterizando o Contencioso Administrativo mantém-se no essencial idêntico: a conjugação da tutela jurisdicional das posições individuais em face da Administração Pública com o respeito das competências administrativas pelo juiz.
O artº 2º CPTA (Código do Processo Tribunais Administrativos) ocupa-se da tutela jurisdicional efetiva, o qual compreende o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter, caso seja necessário as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão.
Um dos princípios fundamentais que a Constituição da República Portuguesa postula é a proteção pelo estado da dignidade da pessoa humana e da inviolabilidade e inalienabilidade dos direitos do homem, princípio basilar dos estados de direito modernos.
A partir do momento em que encontramos positivado no direito uma tutela jurisdicional efetiva - art. 20 e artº 268º/4 CRP da lei fundamental - aos cidadãos é garantida a existência de um direito de ação judicial contra toda e qualquer atuações administrativas que coloque em risco o seu bem estar e que sejam suscetíveis de lesar a sua propriedade, entendendo aqui o termo “propriedade” no seu sentido amplo - não pode e não deve, de forma alguma, existir uma limitação de meios processuais que exclua o recurso ao sistema judicial, quando está em causa a legalidade, de qualquer acto ou operação material da Administração.


É assim que a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos – art 12 CPA (Código do Procedimento Administrativo) e artº 2º/1 CPTA (o mesmo princípio está presente para o sistema judicial civil – art 2/ 1 e 2 do CPC).
Nos termos do artº 2º/1 CPTA:
O princípio da tutela jurisdicional efetiva compreende o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão”.
Este principio corresponde a uma das bases que encontramos em praticamente todos os sistemas jurisdicionais modernos e como sendo um direito fundamental é necessário que um estado que se auto proclame um estado de direito e juste, que respeite e faça valer a força e vigor dos seus princípios, e preveja que no caso de um tal desrespeito por valores singulares, poderá ele próprio ter que se responsabilizar com as consequências de tal acto - artigo 17º e 18º da CRP.
O artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, referido anteriormente, irá servir como inspiração inicial para a discussão que nos propomos fazer neste pequeno artigo – ao cidadão deve ser assegurado a existência de meios processuais aptos a defender os seus direitos e interesses legalmente protegidos. Esta violação e desrespeito à lei fundamental irá incorrer no sancionamento do faltoso, no nosso caso, o poder jurisdicional nos processos que envolvem a Administração.
Com a estipulação de uma proteção efetiva dos administrados, era de magna importância a necessidade de transposição desse instituto para o ramo do direito administrativo sob a forma de uma norma positivada. É assim que surge o atual art. 7 do CPTA o princípio do favorecimento do processo (também denominado por pro actione) na reforma do CPTA de 2002 (Lei n.º 15/2002, de 22/02).
Artigo 7.º do CPTA:
“Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.”


Trata-se de uma norma que tem como “alvo” o juiz ou aquele a quem é esperado a boa gestão do processo e destina-se a assegurar que, em caso de dúvida, a quem incumbe o poder de decisão efetue / privilegie uma interpretação das normas processuais de forma a tornar mais favorável o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva.
É assim um critério de interpretação, ou quiçá mesmo uma obrigação imposta àquele a quem incumbe o poder de decisão - este deverá ter em atenção que, quando tenha de aplicar disposições que exigem ónus e pressupostos processuais que possam pôr em causa a boa e salutar marcha do processo.
Além do preceito base referido no art. 7º do CPTA, ao longo de todo o diploma encontramos outras referencias que nos mostram a vontade expressiva do Legislador de 2002 na celeridade e justiça do sistema judicial. Voltamos a encontrar esta imagem no art. 142.º, n.º 3, al. d), do CPTA, no art. 149.º quanto ao recurso de apelação e noutros preceitos do mesmo diploma tais como nos artigos 87.º, n.º 2, 88.º e 146.º, n.º 4 do CPTA.
O princípio pro actione ou do favorecimento do processo administrativo constitui assim corolário normativo e a concretização do princípio constitucional do acesso à justiça e da tutela jurisdicional efetiva, indicando que a interpretação e aplicação das normas processuais devem promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões das partes, evitando assim que pelo formalismo excessivo, se criem situações que sejam de deneguem a boa justiça.
E como foi recebida esta nova regra na justiça?
Bem, antes de mais esta não é uma regra nova – em Portugal sim com a sua inserção na revisão do CPTA de 2002 mas, por exemplo no ordenamento jurídico espanhol já em 1963 E. García de Enterría escrevia “el principio interpretativo pro actione ha de servir, sobre todo, más que para forzar una interpretación del artículo 129, 3, en el sentido que la fórmula propugna, para revelar y justificar cuál es la intención directa y nada oscura del texto legal y nacerlo de este modo plenamente operante, frente a la tentación de condenarlo a la inefectividad que algunas veces parece haber alcanzado a las Salas de Justicia[i]
Por cá a sua receção foi positiva e ocupou algumas das mais brilhantes mentes, quer jurisprudenciais quer doutrinários, como verificaremos pelos comentários que se seguem durante estes quase dezanove anos.
O Supremo Tribunal Administrativo no acórdão 01233/13 pela relatora Fernanda Maçã diz-nos que “O princípio pro actione é um corolário normativo ou uma concretização do princípio constitucional do acesso efetivo à justiça (administrativa), que aponta para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo.”
Também para Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha sustentam a mesma ideia e interpretação do preceito “(…) o princípio pro actione, que decorre do disposto no art. 7º (…) impõe que, em situações duvidosas, a interpretação das normas seja efectuada no sentido de promover a emissão de uma decisão de mérito[ii]
A reforma do Contencioso Administrativo condenou o excesso de formalismos, de modo expresso – não foram usados artifícios para camuflar nem sequer permitir interpretações dúbias dos preceitos e como  nos ensina O Sr. Professor Vasco Perira da Silva na sua forma tão única “é de saudar vivamente, no novo Código, a superação do “fetiche” dos prazos de impugnação, mediante a introdução de mecanismos de flexibilização da “lógica da irremediabilidade dos prazos”, que é um corolário do princípio da justiça material ou princípio pro actione (art.7º do CPTA). Assim, no art.58º, nº4, do CPTA, prevê-se a possibilidade de alargamento do prazo de impugnação até um ano, se existirem motivos relevantes, caso «se demonstre, com respeito pelo princípio do contraditório, que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente».[iii]
Com efeito, o princípio pro actione postula que, ao nível dos pressupostos processuais, se privilegie a interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito nomeadamente por parte dos particulares e a uma tutela jurisdicional efetiva e que se pode traduzir na fórmula in dubio pro habilitate instantiae.
Como um dos corolários do princípio da tutela jurisdicional efetiva, o princípio pro actione aponta para uma “interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo.[iv]
Assim, importa reter que o princípio pro actione não se inclui juridicamente como um princípio de direito Administrativo, pois que não se releva no plano material – opera antes no âmbito do direito processual administrativo, limitando-se ao mero direito de ação jurisdicional.
Podemos rematar em modo conclusivo que o Princípio pro actione tem um duplo objetivo:
 - Permitir o acesso aos tribunais (concretizando o princípio de tutela jurisdicional efetiva) e evitar situações de “denegação de justiça”.
 - Evitar situações de excessivo formalismo e multiplicar as situações em que o juiz chega a uma decisão de mérito sobre a causa que o interessado pretende ver tutelada, contrariando o excessivo relevo que possam apresentar as questões de outra índole e não foca a sua atenção nas questões matéria.
Nestes termos é possível de concluir, que sempre que possível todo deve-se consubstanciar, na adoção de um prisma vocacionado, para o conhecimento do mérito das pretensões deduzidas pelos particulares, desde que, não sejam afetados outros valores e princípios dignos de tutela jurídica
É de opinião generalizada que a introdução deste princípio,  foi um grande passo para se deixar o objetivismo do contencioso para trás e ultrapassar alguns dos seus “traumas”, nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva, promovendo um contencioso subjetivista e preocupado com os particulares e os seus interesses… mas creio que como em tudo na vida, essa aplicação deverá ser moderada e por um lado, deverá haver um controlo da aplicação do mesmo não vá uma possível excecionalidade no que se refere ao aproveitamento material de uma causa tornar-se um verdadeiro pesadelo in continuum.

Bibliografia:
 - Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul – Secção Contencioso Administrativo, 2.ºJuízo de 2 de Junho de 2005, Processo n.º 00673/05 (Relator: António Coelho da Cunha)
 - A Revisão Do Código De Processo Nos Tribunais Administrativos – I, Coleção de Formação Contínua, Centro de estudos Judiciários, 03/2017
 - Manual de Processo Administrativo, Mário Aroso de Almeida, 3º edição, Almedina, Coimbra, 2017
 - O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Vasco Pereira da Silva, 2ª edição, Almedina, 2009
 - El Principio de la Interpretación mas Favorable al Derecho del Administrado al Eenjuciamiento Jurisdicional de los Actos Administrativos , E. García de Enterría, Revista de administración pública, Madrid, 1963
 - Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2010
 - Temas E Problemas de Processo Administrativo, 2.ª Edição Revista e Atualizada, Vasco Pereira da Silva (coordenação), Instituto de Ciências Jurídico-políticas, Setembro de 2011
 - A Justiça Administrativa (Lições), VIEIRA DE ANDRADE, 12ª Edição, Almedina, 2012



[i] El Principio de la Interpretación mas Favorable al Derecho del Administrado al Eenjuciamiento Jurisdicional de los Actos Administrativos , E. García de Enterría, Revista de administración pública, Madrid, 1963, p.283
[ii] Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, p. 393 e, em especial sobre o referido princípio, pp. 63/64.
[iii] Temas e Problemas de Processo Administrativo, 2.ª Edição Revista e Atualizada , Vasco Pereira da Silva (coordenação), Instituto de Ciências Jurídico-políticas, Setembro de 2011, p.96
[iv] A Justiça Administrativa (Lições), VIEIRA DE ANDRADE, 12ª Edição, Almedina, 2012, p.440

Pedro Ferreira
Aluno 28387

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