A
Anti forma em “actione” no Contencioso Administrativo
A expressão “Contencioso Administrativo” designa
um instituto de Direito Público que se projeta na consolidação do Estado
Constitucional no pós-Revolução Francesa.
O contencioso administrativo nasceu com a
revolução francesa e no quadro revolucionário com os liberais a querer
instaurar um modelo de estado constitucional que introduziria o liberalismo
político. Este modelo assentava em duas realidades essenciais:
- A
separação de poderes;
- E
a garantia dos direitos individuais.
Este no decorrer dos anos que se têm
passado sofreu muitas alterações, mas o que vem caracterizando o Contencioso
Administrativo mantém-se no essencial idêntico: a conjugação da tutela jurisdicional
das posições individuais em face da Administração Pública com o respeito das
competências administrativas pelo juiz.
O artº 2º CPTA (Código do Processo Tribunais
Administrativos) ocupa-se da tutela jurisdicional efetiva, o qual compreende o
direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com
força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo bem como a
possibilidade de a fazer executar e de obter, caso seja necessário as
providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a
assegurar o efeito útil da decisão.
Um dos princípios fundamentais que a
Constituição da República Portuguesa postula é a proteção pelo estado da
dignidade da pessoa humana e da inviolabilidade e inalienabilidade dos direitos
do homem, princípio basilar dos estados de direito modernos.
A partir do momento em que encontramos
positivado no direito uma tutela jurisdicional efetiva - art. 20 e artº 268º/4
CRP da lei fundamental - aos cidadãos é garantida a existência de um direito de
ação judicial contra toda e qualquer atuações administrativas que coloque em
risco o seu bem estar e que sejam suscetíveis de lesar a sua propriedade, entendendo
aqui o termo “propriedade” no seu sentido amplo - não pode e não deve, de forma
alguma, existir uma limitação de meios processuais que exclua o recurso ao
sistema judicial, quando está em causa a legalidade, de qualquer acto ou operação
material da Administração.
É assim que a todo o direito ou interesse
legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais
administrativos – art 12 CPA (Código do Procedimento Administrativo) e artº
2º/1 CPTA (o mesmo princípio está presente para o sistema judicial civil – art
2/ 1 e 2 do CPC).
Nos termos do artº 2º/1 CPTA:
“O
princípio da tutela jurisdicional efetiva compreende o direito de obter, em
prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada
pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer
executar e de obter providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias,
destinadas a assegurar o efeito útil da decisão”.
Este principio corresponde a uma das bases
que encontramos em praticamente todos os sistemas jurisdicionais modernos e
como sendo um direito fundamental é necessário que um estado que se auto
proclame um estado de direito e juste, que respeite e faça valer a força e
vigor dos seus princípios, e preveja que no caso de um tal desrespeito por
valores singulares, poderá ele próprio ter que se responsabilizar com as
consequências de tal acto - artigo 17º e 18º da CRP.
O artigo 20º da Constituição da República
Portuguesa, referido anteriormente, irá servir como inspiração inicial para a
discussão que nos propomos fazer neste pequeno artigo – ao cidadão deve ser
assegurado a existência de meios processuais aptos a defender os seus direitos
e interesses legalmente protegidos. Esta violação e desrespeito à lei
fundamental irá incorrer no sancionamento do faltoso, no nosso caso, o poder
jurisdicional nos processos que envolvem a Administração.
Com a estipulação de uma proteção efetiva
dos administrados, era de magna importância a necessidade de transposição desse
instituto para o ramo do direito administrativo sob a forma de uma norma
positivada. É assim que surge o atual art. 7 do CPTA o princípio do
favorecimento do processo (também denominado por pro actione) na reforma do CPTA de 2002 (Lei n.º 15/2002, de
22/02).
Artigo 7.º do CPTA:
“Para
efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser
interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das
pretensões formuladas.”
Trata-se de uma norma que tem como “alvo”
o juiz ou aquele a quem é esperado a boa gestão do processo e destina-se a
assegurar que, em caso de dúvida, a quem incumbe o poder de decisão efetue / privilegie
uma interpretação das normas processuais de forma a tornar mais favorável o
acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva.
É assim um critério de interpretação, ou
quiçá mesmo uma obrigação imposta àquele a quem incumbe o poder de decisão -
este deverá ter em atenção que, quando tenha de aplicar disposições que exigem
ónus e pressupostos processuais que possam pôr em causa a boa e salutar marcha
do processo.
Além do preceito base referido no art. 7º
do CPTA, ao longo de todo o diploma encontramos outras referencias que nos
mostram a vontade expressiva do Legislador de 2002 na celeridade e justiça do
sistema judicial. Voltamos a encontrar esta imagem no art. 142.º, n.º 3, al.
d), do CPTA, no art. 149.º quanto ao recurso de apelação e noutros preceitos do
mesmo diploma tais como nos artigos 87.º, n.º 2, 88.º e 146.º, n.º 4 do CPTA.
O princípio pro actione ou do favorecimento do processo administrativo constitui
assim corolário normativo e a concretização do princípio constitucional do
acesso à justiça e da tutela jurisdicional efetiva, indicando que a
interpretação e aplicação das normas processuais devem promover a emissão de
pronúncias sobre o mérito das pretensões das partes, evitando assim que pelo formalismo
excessivo, se criem situações que sejam de deneguem a boa justiça.
E como foi recebida esta nova regra na
justiça?
Bem, antes de mais esta não é uma regra
nova – em Portugal sim com a sua inserção na revisão do CPTA de 2002 mas, por
exemplo no ordenamento jurídico espanhol já em 1963 E. García de Enterría
escrevia “el principio interpretativo pro
actione ha de servir, sobre todo, más que para forzar una interpretación del
artículo 129, 3, en el sentido que la fórmula propugna, para revelar y
justificar cuál es la intención directa y nada oscura del texto legal y nacerlo
de este modo plenamente operante, frente a la tentación de condenarlo a la
inefectividad que algunas veces parece haber alcanzado a las Salas de Justicia”[i]
Por cá a sua receção foi positiva e ocupou
algumas das mais brilhantes mentes, quer jurisprudenciais quer doutrinários, como
verificaremos pelos comentários que se seguem durante estes quase dezanove
anos.
O Supremo Tribunal Administrativo no
acórdão 01233/13 pela relatora Fernanda Maçã diz-nos que “O princípio pro actione é um corolário
normativo ou uma concretização do princípio constitucional do acesso efetivo à
justiça (administrativa), que aponta para uma interpretação e aplicação das
normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as
situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo.”
Também para Mário Aroso de Almeida e
Carlos Cadilha sustentam a mesma ideia e interpretação do preceito “(…) o princípio pro actione, que decorre do
disposto no art. 7º (…) impõe que, em situações duvidosas, a interpretação das
normas seja efectuada no sentido de promover a emissão de uma decisão de mérito”[ii]
A reforma do Contencioso Administrativo
condenou o excesso de formalismos, de modo expresso – não foram usados
artifícios para camuflar nem sequer permitir interpretações dúbias dos
preceitos e como nos ensina O Sr.
Professor Vasco Perira da Silva na sua forma tão única “é de saudar vivamente, no novo Código, a superação do “fetiche” dos
prazos de impugnação, mediante a introdução de mecanismos de flexibilização da
“lógica da irremediabilidade dos prazos”, que é um corolário do princípio da
justiça material ou princípio pro
actione (art.7º do CPTA). Assim, no art.58º, nº4, do CPTA, prevê-se
a possibilidade de alargamento do prazo de impugnação até um ano, se existirem
motivos relevantes, caso «se demonstre, com respeito pelo princípio do
contraditório, que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não
era exigível a um cidadão normalmente diligente».[iii]
Com efeito, o princípio pro actione postula que, ao nível dos
pressupostos processuais, se privilegie a interpretação que se apresente como a
mais favorável ao acesso ao direito nomeadamente por parte dos particulares e a
uma tutela jurisdicional efetiva e que se pode traduzir na fórmula in dubio pro habilitate instantiae.
Como um dos
corolários do princípio da tutela jurisdicional efetiva, o princípio pro
actione aponta para uma “interpretação
e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal
ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso
de formalismo.”[iv]
Assim, importa reter que o princípio pro actione não se inclui juridicamente
como um princípio de direito Administrativo, pois que não se releva no plano
material – opera antes no âmbito do direito processual administrativo,
limitando-se ao mero direito de ação jurisdicional.
Podemos rematar em modo
conclusivo que o Princípio pro
actione tem um duplo objetivo:
- Permitir o acesso aos tribunais
(concretizando o princípio de tutela jurisdicional efetiva) e evitar situações
de “denegação de justiça”.
- Evitar situações de excessivo formalismo e
multiplicar as situações em que o juiz chega a uma decisão de mérito sobre a
causa que o interessado pretende ver tutelada, contrariando o excessivo relevo
que possam apresentar as questões de outra índole e não foca a sua atenção nas
questões matéria.
Nestes termos
é possível de concluir, que sempre que possível todo deve-se consubstanciar, na
adoção de um prisma vocacionado, para o conhecimento do mérito das pretensões
deduzidas pelos particulares, desde que, não sejam afetados outros valores e
princípios dignos de tutela jurídica
É de opinião
generalizada que a introdução deste princípio,
foi um grande passo para se deixar o objetivismo do contencioso para
trás e ultrapassar alguns dos seus “traumas”, nas palavras do Professor Vasco
Pereira da Silva, promovendo um contencioso subjetivista e preocupado com os
particulares e os seus interesses… mas creio que como em tudo na vida, essa
aplicação deverá ser moderada e por um lado, deverá haver um controlo da
aplicação do mesmo não vá uma possível excecionalidade no que se refere ao
aproveitamento material de uma causa tornar-se um verdadeiro pesadelo in continuum.
Bibliografia:
- Acórdão do Tribunal Central Administrativo
do Sul – Secção Contencioso Administrativo, 2.ºJuízo de 2 de Junho de 2005,
Processo n.º 00673/05 (Relator: António Coelho da Cunha)
- A
Revisão Do Código De Processo Nos Tribunais Administrativos – I, Coleção de
Formação Contínua, Centro de estudos Judiciários, 03/2017
- Manual
de Processo Administrativo, Mário Aroso de Almeida, 3º edição, Almedina,
Coimbra, 2017
- O
Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Vasco Pereira da Silva, 2ª
edição, Almedina, 2009
-
El Principio de la Interpretación mas Favorable al Derecho del Administrado al
Eenjuciamiento Jurisdicional de los Actos Administrativos , E. García de
Enterría, Revista de administración pública, Madrid, 1963
-
Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed.,
Almedina, Coimbra, 2010
- Temas
E Problemas de Processo Administrativo, 2.ª Edição Revista e Atualizada, Vasco
Pereira da Silva (coordenação), Instituto de Ciências Jurídico-políticas,
Setembro de 2011
- A
Justiça Administrativa (Lições), VIEIRA DE ANDRADE, 12ª Edição, Almedina, 2012
[i] El
Principio de la Interpretación mas Favorable al Derecho del Administrado al
Eenjuciamiento Jurisdicional de los Actos Administrativos , E. García de
Enterría, Revista de administración pública, Madrid, 1963, p.283
[ii] Comentário
ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Almedina, Coimbra,
2010, p. 393 e, em especial sobre o referido princípio, pp. 63/64.
[iii] Temas
e Problemas de Processo Administrativo, 2.ª Edição Revista e Atualizada , Vasco
Pereira da Silva (coordenação), Instituto de Ciências Jurídico-políticas,
Setembro de 2011, p.96
[iv] A
Justiça Administrativa (Lições), VIEIRA DE ANDRADE, 12ª Edição, Almedina, 2012,
p.440
Pedro Ferreira
Aluno 28387
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