domingo, 4 de novembro de 2018



O contencioso pré-contratual

O contencioso pré-contratual consiste no “conjunto de garantias jurisdicionais de tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, face a atos administrativos e normas conformadoras dos procedimentos de formação dos contratos públicos, que lesem esses mesmos direitos ou interesses.”[1]
Através do DL n.º 214-G/2015, de 02 de Outubro, o legislador procedeu a uma revisão do regime aprovado no Código de Procedimento Administrativo aprovado pela Lei 13/2002 de 19 de Fevereiro.
Em primeiro lugar, procedeu a uma transposição tardia da Diretiva 2007/66/CE e que já há muito era reclamada pela Doutrina, visto que o DL 131/2010 de 14 de Dezembro mostrava-se insuficiente para regular sobre esta matéria. De forma, “procurar dar cumprimento à exigência europeia da existência, nas ordens jurídicas nacionais, de “meios de recurso” “eficazes” e céleres para a resolução de litígios relativos à formação dos contratos públicos cuja disciplina jurídica está harmonizada pelo DUE. “[2]
O contencioso pré-contratual consiste num mecanismo judicial que permite corrigir uma alegada violação ou impedir que sejam causados novos danos aos interesses em causa através de medidas provisórias.
 Segundo o prof. Vieira de Andrade[3], este mecanismo resulta da necessidade de assegurar os interesses públicos e privados.

Algumas das alterações com a entrada em vigor do novo Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos
Uma das primeiras alterações do regime consistiu num alargamento do âmbito objetivo, nos termos do artigo 100º nº1 do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos. Até à reforma de 2015, só os contratos de concessão de obras públicas estavam abrangidos por este mecanismo, deixando de fora a concessão de obras públicas. Desta forma, acabou assim com as dúvidas sobre a aplicação deste contencioso em relação a estas. Todos os contratos previstos neste artigo estão mencionados na Diretiva de 2007/66/CE.
Como refere o ponto 5.2. do Decreto Preambular do DL 214-G/2015 de 2 de Outubro o âmbito de aplicação foi alargado “de modo a abranger o contencioso relativo à formação de todos os tipos contratuais compreendidos pelo âmbito de aplicação das diretivas da União Europeia em matéria de contratação pública”. 
Apesar deste alargamento, o mesmo não coincide totalmente com o Código de Contratos Públicos, como é o caso do contrato de sociedade e contratos relevantes da atividade da Administração Pública, tais como a alienação e aquisição de outros bens.
Por outro lado, antes da reforma de 2015 este mecanismo parecia vocacionado para a impugnação de atos administrativos. Com a revisão, compreende também a sua condenação. Além disso, não se limita aos atos administrativos, os contratos administrativos e os documentos conformadores do procedimento também se encontram abrangidos, como referem os artigos 102º nº4 e art. 103º  do CPTA respetivamente.
O professor Mário Aroso de Almeida[4] defende que não cabem no âmbito da ação do contencioso pré-contratual quer o pedido de condenação da abstenção da prática do ato administrativo pré-contratual quer o pedido de declaração de ilegalidade por omissão das normas administrativas.
Quanto à cumulação dos pedidos, sem prejuízo da natureza urgente, são admitidos mesmo nos casos em que nem todos os pedidos se encontrem preenchidos no artigo 100º nº1 CPTA, tendo sempre a preocupação em assegurar a maior celeridade possível. Desde logo, admitido no artigo 5º Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos, com as devidas adaptações. A Lei 13/2002 era omissa, apesar de a jurisprudência admitir esta cumulação.
Os prazos também sofreram algumas alterações. Apesar de continuar a prever o prazo de um mês. o professor Marco Caldeira [5] refere duas diferenças neste novo regime, este prazo não se aplica à impugnação das peças procedimentais, podendo “ser deduzido durante a pendência do procedimento” (artigo 103º nº3), como também a alteração dos prazos previsto no artigo 58º nº 3, que é remetido do artigo 101º.
Paralelamente, as decisões das entidades adjudicantes podem ser “objeto de recursos eficazes e rápidos quanto possível”, “numa fase em que as violações ainda podem ser corrigidas” o que constitui o objeto primeiro e essencial das Diretivas Recursos.[6]
Salienta-se uma das grandes novidades da revisão presente no artigo 103º-A, o efeito suspensivo automático. Contudo, não decorre em todas as ações de contencioso pré-contratual, tal como refere no artigo, só atua na impugnação dos atos de adjudicação quer do ato impugnado quer do contrato “que já tiver sido celebrado”.
O juiz pode levantar o efeito suspensivo a qualquer momento a pedido da entidade demandada ou a pedido dos contrainteressados, invocando o interesse público ou consequências lesivas desproporcionadas alegando outros interesses. [7]
Além disso, como refere o artigo não é necessário que o autor tenha de pedir a suspensão, mas sim automaticamente, sem que seja necessário invocar quaisquer prejuízos.
Segundo o professor Mário Aroso de Almeida, o levantamento do efeito suspensivo desempenha a mesma função de cautelar.
Quanto à adoção das medidas provisórias previsto no artigo 103-B, o escopo desta norma é a correção de alegados danos ou interesses em causa ou de modo evitá-los. O juiz com base na ponderação dos efeitos negativos para os interesses quer sejam públicos ou privados decide se decreta estas medidas, bem como tem sempre de justificar o decretamento destas medidas.
As medidas provisórias podem ter como objeto qualquer processo pré-contratual e compreender a possibilidade de suspensão de atos, do procedimento e do próprio contrato e, bem assim a correção de ilegalidades.  
Em suma, o decretamento de medidas provisórias, deve ter em conta, dois pressupostos: a verificação do periculum in mora com a alcance previsto no artigo 103-B/1/2ª parte e a ponderação de interesses.
Estes dois mecanismos inovadores da revisão têm como consequência o afastamento do regime do artigo 132º do Código do Procedimento dos Tribunais Administrativos.
Quanto à legitimidade, encontra-se consagrado no disposto do artigo 101º que remete para a aplicação das regras gerais previsto nos artigos 55º a 57º e no artigo 68º para a condenação à prática do ato devido. Desta forma, assegura uma ampla acessibilidade. Segundo o professor Marco Caldeira a grande novidade da legitimidade será o artigo 103º nº2.
Já no caso de se tratar da legitimidade para a impugnação dos documentos conformadores dos procedimentos de contratação tornou-se mais limitada do que era anteriormente, abrange apenas os interessados e algumas entidades com fim estatutário.
Por fim, quanto à marcha do processo, o artigo 102º nº1 remete o capítulo III do Título II, isto é para os artigos 78º a 96º. A grande invocação deste número é a consagração de um sistema monista, isto é, deixou de existir uma ação administrativa comum e outra especial, passando agora a tramitarem sob uma única forma de ação. Os números seguintes consagram algumas regras especiais atendentes a esta forma do processo. O que se verifica não é um mero encurtamento do prazo da propositura da ação, como também um encurtamento das fases processuais.
Por fim, o artigo 102º nºs 6 e 7 consagra o regime da modificação do objeto do processo, no caso de a sentença ter perdido o seu efeito útil.


Arbitragens pré-contratuais no direito administrativo português
No Anteprojeto do Código do Procedimento Administrativo previa a possibilidade de recurso à arbitragem, contudo esta norma acabou por não ser consagrada. O artigo 180º nº3 do CPTA estabelece uma dualidade de regimes, consoante o contrato integre o âmbito do procedimento pré-contratual.
Assim através do artigo 180° número 3º CPTA, caso esteja preenchido o âmbito do artigo 100º do mesmo Código será possível recorrer aos tribunais arbitrais.
Relativamente à natureza da arbitragem, segundo o professor Mário Caldeira o preceito refere o programa do procedimento, as partes podem livremente vincular-se a este programa de procedimento, contudo segundo o professor trata-se apenas de mera proposta de compromisso arbitral, não sendo obrigatório a sua vinculação caso a entidade adjudicante tenha adotado este programa de procedimento.
A nível constitucional, não há nenhum preceito que impeça os tribunais arbitrais não sejam competentes nesta matéria, desde que as partes possam escolher livremente, visto que violaria o princípio da igualdade (artigo 13° da Constituição da República Portuguesa) desde que seja admitido recurso para um Tribunal estatual. Já o Direito da União Europeia também não refere qualquer proibição ao recurso deste mecanismo, referindo até nas Diretivas “instâncias responsáveis pelo recurso” “não sejam de natureza jurisdicional”.
O Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos são omissos quanto ao procedimento, desta forma aplica-se o artigo 10 da Lei da Arbitragem Voluntária. Nos termos do artigo 46° nº 1 da LAV apenas é admitido recurso ao tribunal judicial o pedido de anulação, caso as partes nada estipularem.

Finalidades da ação de contencioso pré-contratual
O regime previsto no CPTA tem como objetivo a harmonia com a Diretiva2007/66/CE se constituir como um mecanismo de otimização da tutela jurisdicional dos direitos do impugnante no âmbito da relação jurídica procedimental pré-contratual.
Por outro lado, a promoção de uma forma mais rápida na estabilização das relações jurídicas envolvidas na contratação pública, no interesse da entidade adjudicante e contrainteressados que assumem interesses contrapostos aos do impugnante.
Concluindo, as alterações ao regime do contencioso pré-contratual resultantes da revisão do Código do Procedimento do Tribunal Administrativo de 2015 aproximaram-no às exigências processuais europeias.
 Joana Lima 
Nº 25977


Bibliografia:
·         ALMEIDA, Mário Aroso de Almeida, Manual de Procedimento Administrativo, 3ª edição, 2017
·         ANDRADE, José Carlos Viera de, A Justiça Administrativa, 15ª edição, 2016
·         CALDEIRA, Marco, Estudos sobre o contencioso pré-contratual, AAFDL, 2017
·         CORDEIRO, Maria Ataíde, o regime jurídico do contencioso pré-contratual urgente, 2016
·         NEVES, Ana Fernandes, Estudos de comemorativos dos 20 anos da FDUP, volume I, 2017
·         SILVA, Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina, 2009



[1]  https://portal.oa.pt/comunicacao/publicacoes/revista/ano-2007/ano-67-vol-ii-set-2007/doutrina/paulo-linhares-dias-o-contencioso-pre-contratual-no-codigo-de-processo-nos-tribunais-administrativos/
[3] ANDRADE, José Carlos Viera de, A Justiça Administrativa, 15ª edição, 2016
[4] Comentário do CPTA, 2017, 4ª edição página 801-802
[6] Ac. Do TJ de 28.10.1998 C-81/88, Alcatel Austria AG in NEVES, Ana Fernandes, Estudos de comemorativos dos 20 anos da FDUP, volume I, 2017

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