1. Introdução
A arbitragem no âmbito do Direito Administrativo tem sido um tema que tem vindo a gerar diversas controvérsias. Neste caso, a controvérsia mantém-se. Assim, de forma a entender melhor o disposto no artigo 180º, nº2 do Código de Processo Administrativo será feita daqui em diante uma análise que contará com uma breve distinção das modalidades da convenção arbitral, uma curta análise acerca do conceito de "contrainteressados" e por fim uma tentativa de resposta à questão: qual a razão da imposição da aceitação do compromisso arbitral e não da cláusula compromissória, no âmbito do artigo 180º, nº2 CPTA?
2. Qual a razão da imposição da aceitação do compromisso arbitral e não da cláusula compromissória, no âmbito do artigo 180º, nº2 CPTA?
O art.
180º/2 CPTA dispõe :
« 2- Quando existam contrainteressados, a
regularidade da constituição de tribunal arbitral depende da sua aceitação do
compromisso arbitral.»
Em
primeiro lugar, uma convenção arbitral caracteriza-se por ser um contrato
bilateral em que as partes se vinculam a submeter a um tribunal arbitral litígios
existentes ou futuros[1]. Assim, segundo o artigo 1º,
nº 3 da Lei da Arbitragem Voluntária, há várias modalidades de convenções de
arbitragem, sendo estas a cláusula compromissória e o compromisso arbitral. Deste
modo, a cláusula compromissória caracteriza-se por ser uma disposição que demonstra
o acordo entre as partes, inserida num contrato principal onde existam outras cláusulas
de direito material, cujo objetivo é estabelecer a arbitragem como meio de
resolução de eventuais litígios futuros. Por outro lado, o compromisso arbitral
é um acordo mais extenso em que as partes sujeitam um litígio já existente à
arbitragem. Nesta situação, as partes acordam mais pormenores acerca do modo de
resolução ao qual pretendem submeter o litigo, sendo que nesta fase já são conhecidos
mais elementos acerca do desacordo que levou ao início do litígio.
Em
segundo lugar, é necessário expor brevemente o que se entende por “contrainteressados”,
no âmbito do artigo acima referido. Desta forma, toma-se como ponto de partida
o art. 10º em que é referida expressamente a legitimidade passiva[2], passando assim
diretamente para o art 57º CPTA em que é feita referência expressa àqueles « (..)
a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou
que tenham legitimo interesse na manutenção doa to impugnado e que possam ser
identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos
no processo administrativo.». Contudo, no caso do artigo que se pretende aqui
analisar questiona-se se quaisquer terceiros que possam ver os seus interesses lesados
pelo autor podem ou não ser incluídos no conceito de contrainteressado. Resumidamente,
uma parte da doutrina em que se inclui ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA argui que o conceito
que aqui tem vindo a ser discutido abrange todos os sujeitos que « (…) tenham interesse em contradizer (…)» o
autor[3], pois não admitir a tutela
destes seria entrar em desacordo com o disposto no art. 10º CPTA onde é
concedida tutela a estas situações. Contudo, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS
FERNANDES CADILHA defendem que a expressão “contrainteressados” deve ser interpretada
com base no que consta nos artigos 57º e 68º/2 - que compreendem somente
processos cujas causas se prendam com
atos administrativos[4] - e que « (…) os
contrainteressados sejam identificáveis em função da relação material em causa
ou dos documentos contidos em processo administrativo, de modo a que possam
manifestar a sua concordância relativamente à submissão do litígio (…) a um
tribunal arbitral.»[5].
Desta forma, considera-se que na expressão “contrainteressados” não estão abrangidos
terceiros que possam ver os seus direitos preteridos. Se se considera-se que
estes estariam abrangidos pelo artigo, estaria a pôr em causa a segurança das
partes que celebraram a convenção assim como a origem consensual da convenção de
arbitragem. Além disso, os possíveis terceiros
que poderiam ter interesse na ação poderiam defender os seus interesses através
do artigo 36º LAV, através da figura da intervenção de terceiros aí explicitada,
não ficando assim sem qualquer tutela, no âmbito da ação arbitral[6].
Após
o esclarecimento do que se entende por “compromisso arbitral” e “contrainteressado”,
é necessário agora perceber a razão da exigência feita pelo legislador quando impõe
a celebração e aceitação do compromisso arbitral, excluindo a cláusula compromissória
quando existam contrainteressados[7]
Segundo
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E CARLOS FERNANDES CADILHA[8], a pretensão foi
exatamente de excluir a cláusula compromissória e submeter à aceitação somente o
compromisso arbitral, tendo em conta a letra da lei.
Contudo,
JOSÉ LUÍS ESQUÍVEL[9]
define primeiramente terceiros como sendo aqueles que «(…) não tendo celebrado
a convenção de arbitragem, estão, de alguma forma ligados à mesma (…)». Seguidamente,
segundo este autor «(…) a celebração de cláusulas compromissórias relativas a litígios
resultantes de contratos administrativos que têm apenas eficácia inter partes (…) não está dependente da aceitação de quaisquer terceiros
(…)». Por outro lado, «(…) a celebração de compromissos arbitrais referentes a litígios
oriundos de contratos administrativos está
depende (…) da aceitação de contrainteressados». O autor entende que quando
as partes celebram a cláusula compromissória submetendo algum litígio que possa
surgir entre as mesmas, as partes não terão ainda dados suficientes para
determinar quem poderão ser os terceiros que verão os seus direitos lesados nem
se futuramente surgirá algum conflito entre elas. Assim, tendo em conta o duplo
regime que apresenta, ANDRÉ PROENÇA[10] argui que da letra da lei
não seria possível retirar tal intenção por parte do legislador.
Assim,
de acordo com ANDRÉ PROENÇA[11], o momento que se
considera mais adequado para a celebração de uma convenção que remete a resolução
de desacordos que possam ter origem no âmbito da relação entre as partes à
arbitragem será aquele em «(…) ainda não existe antagonismo nem interesses opostos
demasiado acirrados (…)». Desta forma, o autor justifica esta afirmação referindo
que será mais fácil que as partes cheguem a um acordo antes que as suas posições
se tornem de todo incompatíveis do que após tal acontecer. Assim, ANDRÉ PROENÇA
considera que de forma a contra argumentar as razões anteriormente apresentadas
poderia defender-se que aquando da celebração precoce de uma convenção arbitral,
as partes ainda não estão conscientes do que daí poderá advir, porque as partes
ainda não conhecem os elementos essenciais que podem vir dar origem ao litigio
entre estas. Contudo, o autor não considera que o conhecimento do objeto do
processo não seja relevante o suficiente para impedir as partes de celebrar uma
cláusula compromissória, pois seria retirar todo o objetivo que estas prosseguem
e que as partes têm sempre a possibilidade de não aceitar celebrar o acordo. O
autor acrescenta ainda que se os contrainteressados forem conhecidos inicialmente,
não há qualquer razão para que não se celebre a cláusula compromissória.
Efetivamente, a letra da
lei refere somente a possibilidade de os contrainteressados aceitarem um
compromisso arbitral de forma a que o litigo possa ser submetido a um tribunal
arbitral. Ainda assim, as razões que sustentam este argumento prendem-se com a modalidade
que foi escolhida pelo legislador, sendo que aquando da celebração do compromisso
arbitral as partes já conhecem os factos e interesses/direitos preteridos que
levaram ao desacordo entre as mesmas, assim como terão uma maior consciência das
consequências que poderão advir do desacordo, mas ainda poderão mais facilmente
escolher o árbitro mais especializado no assunto em questão e conhecer a sua disponibilidade.
Por outro lado, a perspetiva que tem em conta o sistema apresentado na Lei da Arbitragem
Voluntária – Lei 63/2011, de 14 de dezembro – analisa, em conjunto com a questão
que se coloca, a possibilidade da utilização de cláusulas compromissórias,
evitando assim que as partes se mantenham na incerteza até ao aparecimento
efetivo de um litígio. Acontece que as partes podem de facto conseguir prever
que certa questão antagónica possa surgir e assim celebrar uma cláusula que à
partida submeta um possível litígio à arbitragem. Contudo, na prática não será
hábito que se celebre um acordo, sabendo que um certo litígio possa vir a
surgir, pois isso pode demonstrar uma certa desconfiança/desconforto na relação
entre as partes e assim prejudicar as suas interações. Ainda assim, não se pode
considerar que este último argumento seja forte o suficiente para levar as
partes a não celebrar uma cláusula compromissória visto que é necessário ter em
conta que há a possibilidade de ocorrer litigio e mesmo assim as partes devem
estar preparadas para tel, assim como o argumento da escolha do árbitro. Segundo
o artigo 4º, nº1 e 2 da LAV a convenção, incluindo a cláusula compromissória,
poderá ser alterada até à aceitação do primeiro arbitro e no caso da revogação até
à prolação da sentença arbitral. Assim sendo, não há razão para que as partes se
mantenham na incerteza, visto que se algo não estiver de acordo com as suas pretensões
há a possibilidade de modificar, revogar ou ainda celebrar uma nova convenção. Pode
considerar-se que a razão pela qual o legislador optou por estabelecer a aceitação
do compromisso arbitral foi pela maior consciência, conhecimento do objeto da causa
e dos elementos que possam vir a ser relevantes para o conflito que estará a acontecer
no momento presente entre as partes, segundo a natureza da modalidade do compromisso
arbitral, visto que é um acordo que requer às partes uma maior ponderação. O
legislador pretendeu sim salvaguardar os maiores interesses das partes.
[1] MANUEL
PEREIRA BARROCAS, “Manual de Arbitragem”, Almedina, 2010, pág. 143
[2] Acórdão
STJ de 28 de fevereiro de 2018 (Processo nº 323/17.0BEBJA).
[3] ANA
PERESTRELO DE OLIVEIRA, “Arbitragem de Litígios com Entes Públicos”, Almedina,
2007, pág, 76.
[4] ANDRÉ
PROENÇA, “Arbitragem e Direito Público”, AAFDL, 2015, pág 203
[5] MARIO
AROSO DE ALMEIDA e CARLOS FERNADES CADILHA, “Comentário ao Código de Processo
nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, Almedina, 2018, págs. 1321 e 1322.
[6] Cfr “Arbitragem
e Direito Público”, págs. 205 e ss.
[7] Cfr. “Arbitragem
e Direito Público”, pag. 213.
[8] Cfr “Comentários
ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, Almedina, 2018,
pág. 1323.
[9] JOSÉ
LUÍS ESQUIVEL, “Os contratos administrativos e a arbitragem”, Lisboa, 2003
[10] Cfr “Arbitragem
e Direito Público”
[11] Cfr, “Arbitragem
e Direito Público”, pág. 214 e ss
3. Bibliografia
- Acórdão
STJ de 28 de fevereiro de 2018 (Processo nº 323/17.0BEBJA).
- ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, “Arbitragem
de Litígios com Entes Públicos”, Almedina, 2007.
- ANDRÉ PROENÇA, “Arbitragem e
Direito Público”, AAFDL, 2015.
- JOSÉ
LUÍS ESQUIVEL, “Os contratos administrativos e a arbitragem”, Lisboa, 2003
- MÁRIO
AROSO DE ALMEIDA e CARLOS FERNADES CADILHA, “Comentário ao Código de Processo nos
Tribunais Administrativos”, 4ª edição, Almedina, 2018.
- MANUEL
PEREIRA BARROCAS, “Manual de Arbitragem”, Almedina, 2010.
Lara Lopes
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