domingo, 4 de novembro de 2018

Qual a razão da imposição da aceitação do compromisso arbitral e não da cláusula compromissória, no âmbito do artigo 180º, nº2 CPTA?


1. Introdução  
A arbitragem no âmbito do Direito Administrativo tem sido um tema que tem vindo a gerar diversas controvérsias. Neste caso, a controvérsia mantém-se. Assim, de forma a entender melhor o disposto no artigo 180º, nº2 do Código de Processo Administrativo será feita daqui em diante uma análise que contará com uma breve distinção das modalidades da convenção arbitral, uma curta análise acerca do conceito de "contrainteressados" e por fim uma tentativa de resposta à questão: qual a razão da imposição da aceitação do compromisso arbitral e não da cláusula compromissória, no âmbito do artigo 180º, nº2 CPTA? 
2. Qual a razão da imposição da aceitação do compromisso arbitral e não da cláusula compromissória, no âmbito do artigo 180º, nº2 CPTA? 

O art. 180º/2 CPTA dispõe :
« 2- Quando existam contrainteressados, a regularidade da constituição de tribunal arbitral depende da sua aceitação do compromisso arbitral
Em primeiro lugar, uma convenção arbitral caracteriza-se por ser um contrato bilateral em que as partes se vinculam a submeter a um tribunal arbitral litígios existentes ou futuros[1]. Assim, segundo o artigo 1º, nº 3 da Lei da Arbitragem Voluntária, há várias modalidades de convenções de arbitragem, sendo estas a cláusula compromissória e o compromisso arbitral. Deste modo, a cláusula compromissória caracteriza-se por ser uma disposição que demonstra o acordo entre as partes, inserida num contrato principal onde existam outras cláusulas de direito material, cujo objetivo é estabelecer a arbitragem como meio de resolução de eventuais litígios futuros. Por outro lado, o compromisso arbitral é um acordo mais extenso em que as partes sujeitam um litígio já existente à arbitragem. Nesta situação, as partes acordam mais pormenores acerca do modo de resolução ao qual pretendem submeter o litigo, sendo que nesta fase já são conhecidos mais elementos acerca do desacordo que levou ao início do litígio.
Em segundo lugar, é necessário expor brevemente o que se entende por “contrainteressados”, no âmbito do artigo acima referido. Desta forma, toma-se como ponto de partida o art. 10º em que é referida expressamente a legitimidade passiva[2], passando assim diretamente para o art 57º CPTA em que é feita referência expressa àqueles « (..) a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legitimo interesse na manutenção doa to impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo.». Contudo, no caso do artigo que se pretende aqui analisar questiona-se se quaisquer terceiros que possam ver os seus interesses lesados pelo autor podem ou não ser incluídos no conceito de contrainteressado. Resumidamente, uma parte da doutrina em que se inclui ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA argui que o conceito que aqui tem vindo a ser discutido abrange todos os sujeitos que « (…) tenham interesse em contradizer (…)» o autor[3], pois não admitir a tutela destes seria entrar em desacordo com o disposto no art. 10º CPTA onde é concedida tutela a estas situações. Contudo, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS FERNANDES CADILHA defendem que a expressão “contrainteressados” deve ser interpretada com base no que consta nos artigos 57º e 68º/2 - que compreendem somente processos  cujas causas se prendam com atos administrativos[4] - e que « (…) os contrainteressados sejam identificáveis em função da relação material em causa ou dos documentos contidos em processo administrativo, de modo a que possam manifestar a sua concordância relativamente à submissão do litígio (…) a um tribunal arbitral.»[5]. Desta forma, considera-se que na expressão “contrainteressados” não estão abrangidos terceiros que possam ver os seus direitos preteridos. Se se considera-se que estes estariam abrangidos pelo artigo, estaria a pôr em causa a segurança das partes que celebraram a convenção assim como a origem consensual da convenção de arbitragem.  Além disso, os possíveis terceiros que poderiam ter interesse na ação poderiam defender os seus interesses através do artigo 36º LAV, através da figura da intervenção de terceiros aí explicitada, não ficando assim sem qualquer tutela, no âmbito da ação arbitral[6].
Após o esclarecimento do que se entende por “compromisso arbitral” e “contrainteressado”, é necessário agora perceber a razão da exigência feita pelo legislador quando impõe a celebração e aceitação do compromisso arbitral, excluindo a cláusula compromissória quando existam contrainteressados[7]
Segundo MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E CARLOS FERNANDES CADILHA[8], a pretensão foi exatamente de excluir a cláusula compromissória e submeter à aceitação somente o compromisso arbitral, tendo em conta a letra da lei.
Contudo, JOSÉ LUÍS ESQUÍVEL[9] define primeiramente terceiros como sendo aqueles que «(…) não tendo celebrado a convenção de arbitragem, estão, de alguma forma ligados à mesma (…)». Seguidamente, segundo este autor «(…) a celebração de cláusulas compromissórias relativas a litígios resultantes de contratos administrativos que têm apenas eficácia inter partes (…) não está dependente da aceitação de quaisquer terceiros (…)». Por outro lado, «(…) a celebração de compromissos arbitrais referentes a litígios oriundos de contratos administrativos está depende (…) da aceitação de contrainteressados». O autor entende que quando as partes celebram a cláusula compromissória submetendo algum litígio que possa surgir entre as mesmas, as partes não terão ainda dados suficientes para determinar quem poderão ser os terceiros que verão os seus direitos lesados nem se futuramente surgirá algum conflito entre elas. Assim, tendo em conta o duplo regime que apresenta, ANDRÉ PROENÇA[10] argui que da letra da lei não seria possível retirar tal intenção por parte do legislador.
Assim, de acordo com ANDRÉ PROENÇA[11], o momento que se considera mais adequado para a celebração de uma convenção que remete a resolução de desacordos que possam ter origem no âmbito da relação entre as partes à arbitragem será aquele em «(…) ainda não existe antagonismo nem interesses opostos demasiado acirrados (…)». Desta forma, o autor justifica esta afirmação referindo que será mais fácil que as partes cheguem a um acordo antes que as suas posições se tornem de todo incompatíveis do que após tal acontecer. Assim, ANDRÉ PROENÇA considera que de forma a contra argumentar as razões anteriormente apresentadas poderia defender-se que aquando da celebração precoce de uma convenção arbitral, as partes ainda não estão conscientes do que daí poderá advir, porque as partes ainda não conhecem os elementos essenciais que podem vir dar origem ao litigio entre estas. Contudo, o autor não considera que o conhecimento do objeto do processo não seja relevante o suficiente para impedir as partes de celebrar uma cláusula compromissória, pois seria retirar todo o objetivo que estas prosseguem e que as partes têm sempre a possibilidade de não aceitar celebrar o acordo. O autor acrescenta ainda que se os contrainteressados forem conhecidos inicialmente, não há qualquer razão para que não se celebre a cláusula compromissória.
Efetivamente, a letra da lei refere somente a possibilidade de os contrainteressados aceitarem um compromisso arbitral de forma a que o litigo possa ser submetido a um tribunal arbitral. Ainda assim, as razões que sustentam este argumento prendem-se com a modalidade que foi escolhida pelo legislador, sendo que aquando da celebração do compromisso arbitral as partes já conhecem os factos e interesses/direitos preteridos que levaram ao desacordo entre as mesmas, assim como terão uma maior consciência das consequências que poderão advir do desacordo, mas ainda poderão mais facilmente escolher o árbitro mais especializado no assunto em questão e conhecer a sua disponibilidade. Por outro lado, a perspetiva que tem em conta o sistema apresentado na Lei da Arbitragem Voluntária – Lei 63/2011, de 14 de dezembro – analisa, em conjunto com a questão que se coloca, a possibilidade da utilização de cláusulas compromissórias, evitando assim que as partes se mantenham na incerteza até ao aparecimento efetivo de um litígio. Acontece que as partes podem de facto conseguir prever que certa questão antagónica possa surgir e assim celebrar uma cláusula que à partida submeta um possível litígio à arbitragem. Contudo, na prática não será hábito que se celebre um acordo, sabendo que um certo litígio possa vir a surgir, pois isso pode demonstrar uma certa desconfiança/desconforto na relação entre as partes e assim prejudicar as suas interações. Ainda assim, não se pode considerar que este último argumento seja forte o suficiente para levar as partes a não celebrar uma cláusula compromissória visto que é necessário ter em conta que há a possibilidade de ocorrer litigio e mesmo assim as partes devem estar preparadas para tel, assim como o argumento da escolha do árbitro. Segundo o artigo 4º, nº1 e 2 da LAV a convenção, incluindo a cláusula compromissória, poderá ser alterada até à aceitação do primeiro arbitro e no caso da revogação até à prolação da sentença arbitral. Assim sendo, não há razão para que as partes se mantenham na incerteza, visto que se algo não estiver de acordo com as suas pretensões há a possibilidade de modificar, revogar ou ainda celebrar uma nova convenção. Pode considerar-se que a razão pela qual o legislador optou por estabelecer a aceitação do compromisso arbitral foi pela maior consciência, conhecimento do objeto da causa e dos elementos que possam vir a ser relevantes para o conflito que estará a acontecer no momento presente entre as partes, segundo a natureza da modalidade do compromisso arbitral, visto que é um acordo que requer às partes uma maior ponderação. O legislador pretendeu sim salvaguardar os maiores interesses das partes.


[1] MANUEL PEREIRA BARROCAS, “Manual de Arbitragem”, Almedina, 2010, pág. 143
[2] Acórdão STJ de 28 de fevereiro de 2018 (Processo nº 323/17.0BEBJA).
[3] ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, “Arbitragem de Litígios com Entes Públicos”, Almedina, 2007, pág, 76.  
[4] ANDRÉ PROENÇA, “Arbitragem e Direito Público”, AAFDL, 2015, pág 203
[5] MARIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS FERNADES CADILHA, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, Almedina, 2018, págs. 1321 e 1322.
[6] Cfr “Arbitragem e Direito Público”, págs. 205 e ss.  
[7] Cfr. “Arbitragem e Direito Público”, pag. 213.
[8] Cfr “Comentários ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, Almedina, 2018, pág. 1323.  
[9] JOSÉ LUÍS ESQUIVEL, “Os contratos administrativos e a arbitragem”, Lisboa, 2003
[10] Cfr “Arbitragem e Direito Público”
[11] Cfr, “Arbitragem e Direito Público”, pág. 214 e ss



3. Bibliografia 
- Acórdão STJ de 28 de fevereiro de 2018 (Processo nº 323/17.0BEBJA).
- ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, “Arbitragem de Litígios com Entes Públicos”, Almedina, 2007.
- ANDRÉ PROENÇA, “Arbitragem e Direito Público”, AAFDL, 2015.
- JOSÉ LUÍS ESQUIVEL, “Os contratos administrativos e a arbitragem”, Lisboa, 2003
- MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS FERNADES CADILHA, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, Almedina, 2018.
- MANUEL PEREIRA BARROCAS, “Manual de Arbitragem”, Almedina, 2010.

Lara Lopes

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