domingo, 4 de novembro de 2018

Ação Popular no Contencioso Administrativo: a rebelião das massas?


 Ação Popular no Contencioso Administrativo: a rebelião das massas?





Márcia Tomás Pires, nº 25863

Subturma 8, 4º Ano (Dia)

2018-2019


SUMÁRIO: I. Introdução; II. Acção Popular: 1. Contextualização 2. Acção Popular no CPTA 2015; III. Legitimidade ativa na ação popular: 1. Alargamento da legitimidade ativa; 1.1. Delimitação subjectiva; IV. Situações Jurídicas tuteladas pela Acção Popular: 1. Direitos subjectivos e outras questões fundamentais; 2. Que interesses se encontram em jogo? V. Considerações Finais; VI. Bibliografia


I.                    Introdução

A ação popular, na minha perspectiva é passível de ser a concretização da célebre frase de JOSÉ ORTEGA Y GASSET[1]: “Não é tão fácil como se crê ser um egoísta puro, e ninguém, sendo-o, alguma vez triunfou”[2]. Ou seja, a ação popular é, o altruísmo no seu estado mais cristalino no ordenamento jurídico português.

Sendo um tema tão abrangente, irei preterir o tratamento de algumas questões liminares face a questões que suscitam alguma controvérsia. Em primeiro lugar, irei proceder à concetualização da mesma, em segundo lugar à delimitação da legitimidade na vertente ativa, e por último, ao tratamento das situações jurídicas e interesses que se encontram abarcados na mesma.

II.                 Ação Popular


1.   Contextualização

Em outros tempos, a denominada actio popularis surgiu no Direito Romano, permitindo a tutela dos interesses públicos das comunidades por via judicial, a partir da iniciativa a qualquer membro da civitas romana. Contudo ao longo da história foi perdendo a importância, devido à ignorância de um espírito crítico assim como de uma consciência cívica e alguns dos seus momentos (caso da Idade Média).

No entanto, a Revolução Francesa revitalizou a ação popular, levando à consagração da mesma nos vários ordenamentos jurídicos europeus da ação popular supletiva que visava a defesa dos interesses públicas contra o comportamento omisso ou até mesmo a inércia da Administração Pública, e posteriormente a ação popular corretiva que tinha como função fiscalizar a legalidade dos atos práticos ao abrigo dos poderes administrativos.

Actualmente, estamos perante um verdadeiro direito fundamental de intervenção política dos cidadãos, considerado o nº3 do artigo 52º da Constituição da República Portuguesa de 1976 (doravante CRP) sendo um corolário de uma democracia participativa ao permitir, segundo os professores GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA a defesa de interesses difusos assim como a fiscalização da legalidade[3]A sua importância não pode ser ignorada, uma vez que tem vindo a existir um aumento jurisprudencial da “litigiosidade de massas” conforme refere o professor TEIXEIRA DE SOUSA[4].

 Logo, em concordância com o professor PAULO OTERO[5] podemos definir a ação popular como “a forma de tutela jurisdicional de posições jurídicas materiais que, sendo pertença de todos os membros de uma certa comunidade, não são, todavia, apropriáveis por nenhum deles em termos individuais”.


2.      Ação Popular no Código do Processo dos Tribunais Administrativo 2015

No Código de Processo dos Tribunais Administrativos de 2015 (doravante CPTA), a ação popular é prevista nas seguintes modalidades: (1) a ação popular genérica que resulta do nº2 do artigo 9º, CPTA; (2) a ação popular corretiva nos termos do nº2 do artigo 55º, CPTA.

 Sucintamente, a (1) ação popular genérica confere o direito de ação a particulares, determinadas pessoas colectivas (exemplo: Associações Públicas), autarquias locais e ao Ministério Público, de intervirem na defesa de valores e bens colectivos constitucionalmente protegidos como matéria ambiental, saúde pública, direitos dos consumidores (a título meramente exemplificativo), independentemente de terem algum interesse pessoal na demanda[6] [7]; (2) a ação correctiva “visa conferir legitimidade ativa aos eleitores, que estando no gozo dos seus direitos civis e políticos, pretendam impugnar as decisões e deliberações adoptadas por órgãos das autarquias locais sediadas na circunscrição onde se encontrem recenseados”[8].

 Tal contraposição supra mencionada é criticada pelo professor VASCO PEREIRA DA SILVA, considerando que a ação popular genérica “incorporou” a ação popular correctiva quanto ao contencioso autárquico, devido à sua maior amplitude subjectiva, bens tutelados e âmbito de aplicação[9].  Contudo, se tivermos em conta as respectivas funções/finalidades, penso que tal posição pode ser frágil no sentido em que o nº2 do artigo 55º, CPTA estamos perante a defesa do interesse geral da legalidade, e embora seja um âmbito restrito, é especial face aos termos do nº2 do artigo 9º, CPTA que defende interesses difusos – ponto que retomaremos e analisamos na sua devida sede.


III.              A LEGITIMIDADE ACTIVA NA ACÇÃO POPULAR

1.      O alargamento da legitimidade ativa na ação popular

A legitimidade é definida como pressuposto processual, uma vez que a apreciação do mérito da causa assim como a decisão dependerá de as partes serem legítimas, conforme o professor VASCO PEREIRA DA SILVA, tem como finalidade averiguar em juízo os titulares da relação material controvertida[10]. No entanto, no âmbito da temática em apreço o que releva é a legitimidade ativa, que segundo o professor VIEIRA DE ANDRADE, «(…) implica a titularidade do direito potestativo da ação»[11].

Nos termos do nº1 do artigo 9º, CPTA – que é um critério geral – o autor será parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida, por outras palavras, quando afirme ser titular de um direito ou interesse legalmente protegido, ou seja, podemos falar de uma legitimidade ativa directa. Porém, o nº2 do artigo 9º CPTA amplia o conceito de legitimidade quanto à ação popular, em que independentemente do interesse pessoal na demanda, alguns sujeitos podem intervir processualmente quando o assunto consista na defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos[12] - é possível que um sujeito seja parte legítima sem qualquer titularidade das posições substantivas que visa tutelar no processo, ou seja, a ideia base consiste no seguinte o interesse processual é independente face ao interesse substancial.

Uma das especificidades da ação popular é a extensão da legitimidade processual não tendo de ser aferida em função da titularidade de um interesse direto, pessoal e imediato na ação. Na linha de pensamento do professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA[13] «a extensão da legitimidade processual a quem não alegue ser parte numa relação material que se proponha submeter à apreciação do tribunal»[14], tendo como finalidade a consagração do direito de ação popular no Contencioso Administrativo assim como a atribuição da legitimidade ativa a determinados sujeitos.

Neste sentido, o nº2 do artigo 9º, CPTA estabelece uma legitimidade ativa, que contrariamente à estabelecida no nº1 do artigo 9º, CPTA, é difusa, indireta ou impessoal[15]. A explicação para tal enunciação de caraterísticas da legitimidade ativa na ação popular é no sentido de não ser estabelecida em termos casuísticos e concretos, mas de modo geral e abstrato, conforme escreve o professor JOSÉ ROBIN DE ANDRADE[16].

O alargamento do âmbito da legitimidade ativa na ação popular consagra maior garantia da tutela jurisdicional plena e efetiva, permitindo assegurar as posições jurídicas subjetivas dos particulares. Há efetivamente um direito de agir sob direitos e interesses legalmente protegidos.

.1. Delimitação subjectiva

A dimensão subjectiva em apreço é concretizada através dos titulares que detêm um interesse adjacente – que poderá ser difuso, ou supra individual [17]- o nº2 do artigo 9º, CPTA é assim densificado nos artigos 2º e 3º da Lei nº 83/95, Lei de Ação Popular (devorante LAP).

 O nº1 do artigo 2º, LAP estabelece quem são os titulares do direito de ação popular, que numa primeira leitura leva à consideração que qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, independentemente de terem interesse directo na demanda poderá ser titular. Não há uma apropriação individual do interesse lesado, ou seja, exemplificando: um cidadão português que resida a sua vida toda no Estoril, sem qualquer ponto de contacto com a realidade de Abrantes, pode na qualidade de ator popular propor uma ação que tenha como objecto um atentado ambiental nessa região.

Contudo, não são apenas os cidadãos que podem ser considerados titulares deste direito de ação popular, sendo de enumerar os seguintes possíveis actores[18]:

Autarquias locais: em relação aos interesses de que sejam titulares na área da respetiva circunscrição nos termos do nº2, artigo 2º, LAP, sendo que a sua legitimidade é orientada pelo princípio da territorialidade que consiste na prossecução da satisfação das necessidades da população que se encontre circunscrita na sua área. Podem exercer o direito de ação popular sempre que a violação de algum bem constitucionalmente protegido ocorra no seu espaço geográfico independentemente de a matéria estar dentro ou fora das suas atribuições[19]

Associações e fundações que tenham como finalidade a protecção da saúde pública, ambiente, qualidade de vida, protecção do consumo de bens e serviços, património cultural e domínio público nos termos do nº2 do artigo 1º assim como o nº1 do artigo 2º, LAP. Para as mesmas serem titulares de direito de ação popular coletiva é necessário o cumprimento de alguns requisitos: (i) ter personalidade jurídica conforme a alínea a), do artigo 3º, LAP; (ii) a defesa dos interesses que estejam em jogo na ação popular tem de constar de forma expressa e inequívoca nas suas atribuições ou estatutos nos termos da alínea b), do artigo 3º LAP; (iii) é expressamente proibido quer as associações como as fundações exercerem qualquer tipo de actividade profissional concorrente com empresas ou profissionais liberais nos termos da alínea c), artigo 3º, LAP. Em suma, obedecem ao princípio da especialidade, circunscrevendo-se à sua área principal de intervenção[20] - exemplo: Associação que tem como finalidade a protecção do património cultural de Sintra, não poderá intervir na defesa do património cultural de Viseu. Contudo, é de salientar que no âmbito de agregação de titulares é de distinguir três interesses: os do ente colectivo (enquanto pessoa jurídica), interesses dos membros da pessoa colectiva, e os interesses estatuários (tidos como instrumentais face aos interesses difusos). É importante sublinhar o seguinte ponto: uma associação de moradores do centro histórico de Lisboa prossegue como finalidade estatuária a defesa dos interesses do centro histórico de Lisboa, o que por si não é pressuposto que haja uma titularidade de um interesse difuso defendido quanto a essa associação, porque ainda que fosse possível (e não o é) a transferência da parte dos associados do seu interesse para a associação, não podem excluir os demais titulares do gozo desse bem colectivo, ou seja, a prossecução do fim estatuário da entidade não implica a apropriação de um interesse difusos.

Ministério Público – defende a legalidade e o interesse público a título institucional, competindo-lhe a defesa dos interesses colectivos e difusos nos termos da alínea e), nº1 do artigo 3º do Estatuto do Ministério Público, o mesmo não se trata de um ator popular nos termos da lei de ação popular, contudo a sua legitimidade decorre nos termos do nº2 do artigo 9º , CPTA assim como nos termos do 51º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, tal como o nº1 do artigo 3º, Estatuto do Ministério Público.

IV – SITUAÇÕES JURÍDICAS ACTIVAS TUTELADAS NA ACÇÃO POPULAR:

1.         Direitos Subjectivos e outras questões fundamentais

As situações jurídicas que a ação popular visa tutelar são variadas. Primeiramente, urge classificar as posições jurídicas que os particulares são titulares face à Administração Pública: (i) direitos subjectivos; (ii) interesses legítimos e (iii) interesses difusos.

  Segundo BUEHLER o “direito subjectivo público, no sentido que a titularidade do mesmo permitia ao particular a prática de um determinado comportamento ou a exigência de um comportamento da parte do Estado”, ou seja, adoptava uma concepção objectivista, contudo, tal pensamento era obsoleto e concebeu (posteriormente) o particular como titular de um direito subjectivo público, No entanto era necessário aferir se encontravam presentes as condições que levavam à consideração de um direito subjectivo. Tais requisitos consistiam em: (1) Existir uma norma jurídica vinculativa; (2) a norma teria que satisfazer as pretensões do particular; (3) a possibilidade de meios de reação para o particular exercer o seu direito. O professor VASCO PEREIRA DA SILVA considera que as condições em análise tinham um âmbito restritivo para poderem ser considerados como forma de aferir a “presença” de um direito subjectivo, tal posição não levanta grandes questões, uma vez que BUEHLER defendia a existência de direitos subjectivos públicos em função de uma norma vinculativa, em termos básicos.

Posteriormente, OTTO BACHOF posicionou-se no sentido em que os direitos subjectivos decorriam de vinculações jurídicas exteriores à lei, ou seja, para além da lei, resultavam também de actos discricionários e de regulamentos administrativos. A existência de um direito subjectivo não se aferia só a partir de uma norma jurídica vinculativa, bastava a existência de um dever de atuação da Administração Pública, autonomizado face à norma jurídica vinculativa – por outras palavras, a designada teoria da norma de protecção jurídica. Tal teorização consistia no reconhecimento de um direito subjectivo facultada uma vantagem jurídica de forma objectiva e intencional, quando não se prestava apenas ao interesse público, mas conjuntamente aos interesses individuais dos cidadãos. Reformulou, assim, as ditas condições que eram exigidas para aferir se encontrava em causa um direito subjectivo: (i) a norma não tinha que ser apenas vinculada, bastava que tivesse um aspeto vinculado; (ii) a presunção que qualquer norma que crie um dever para Administração Pública, em reverso criará um direito para o particular; (iii) a admissibilidade de impugnação de atos e normas administrativas não se tratava de uma condição para a existência do direito, mas uma consequência.

No nosso ordenamento jurídico, segundo VIEIRA DE ANDRADE as posições jurídicas substantivas dos particulares face à Administração Pública englobam direitos e interesses legalmente protegidos ou direitos em sentido amplo, ou seja, “as posições jurídicas substantivas implicam sempre uma intenção normativa da protecção efectiva de um bem jurídico determinado particular, seja em primeira linha (direitos subjectivos), seja em segunda linha (interesses legalmente protegidos)[21]. No meu entendimento, o aceitar desta posição leva a crer na existência de uma continuidade progressiva entre direito subjetivo e interesse legalmente protegido, tanto em termos de protecção como a nível substancial. Para além do mais, VIEIRA DE ANDRADE numa concepção de “efeito espelho” crê que os interesses difusos serão interesses legalmente protegidos, uma vez que se trata de uma vantagem qualificada pela existência de um interesse particular tutelado de forma indirecta pela norma jurídica[22].
 A dita tripartidação[23] em apreço é facilmente criticável, o professor VASCO PEREIRA DA SILVA defende que serão sempre direitos subjectivos, argumentando que a restante doutrina denomina como interesses legítimos ou interesses difusos não deixam (nunca) de ser subjectivos, embora possam ter um conteúdo díspar. Assume que a distinção entre direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos não assenta na sua natureza, somente na forma como a ordem jurídica atribui a tais posições jurídicas e a intensidade da protecção conferida. A sua defesa assenta na construção que os particulares serão titulares de direitos subjectivos quando uma norma jurídica que lhes seja incidente, confira uma vantagem em relação à Administração Pública: “o indivíduo é titular de um direito subjectivo em relação à Administração, sempre que uma norma jurídica não vise apenas a satisfação do interesse público mas também a protecção dos interesses particulares, que resulte uma vantagem objectiva concedida de forma intencional, ou ainda quando dela resulte a concessão de um mero benefício de facto decorrente um direito fundamental”[24] [25]
2.        Que interesses se encontram em jogo?
 A protecção conferida juridicamente aos interesses colectivos e difusos é uma consequência da “sociedade de massas”, em que as relações jurídicas são cada mais complexas devido aos agrupamentos (como associações, a título meramente exemplificativo) ou a indivíduos afectados por danos com relevância colectiva. O problema passa por essa agregação quer de direitos tidos como “individuais” que são exercidos de modo colectivos, ou seja, os interesses individuais homogéneos ou supra individuais, e por outro lado com a terminologia de direitos difusos que levou a que GUTIERREZ DE CABIEDES[26] tenha afirmado que estamos não só perante interesses difusos, como profusos e confusos.
 Um interesse tido como supra individual significa que transcende a esfera do que seja considerado apenas individual, é impessoal e rompe com a concepção clássica dos direitos subjectivos. Ou seja, são interesses que pertencem a todos e a ninguém, que são flexíveis e fluídos, de cariz social. Tal interesse tem sido concebidos em forma de trilogia[27]: (1) interesses difusos – de natureza indivisível sendo os seus titulares indeterminados; (2) interesses colectivos – natureza supra individual e indivisível, contudo os seus titulares têm uma espécie de vinculação jurídica; (3) interesses individuais homogéneos – de cariz individual e de titularidade exclusiva, contudo com uma origem comum.

Quanto às primeiras duas categorias as mesmas têm no seu âmbito os mesmos problemas jurídicos, assim como se referem a bens de carácter indivisível, no entanto há uma diferença crucial: enquanto que os interesses difusos referem-se ao sujeito nem como indivíduo nem como o membro de um agrupamento, indeterminado; os interesses colectivos respeitam a categorias determinados em que os membros encontram-se determinados e fáceis de determinar. Mas quais os critérios para tal distinção?

Quanto aos direitos individuais homogéneos – a sua construção é de origem dos países da Common Law – são direitos individuais que em termos práticos são acidentalmente colectivos[28],  são um conjunto de direitos subjectivos individuais, divisíveis, sendo titulares uma categoria de pessoas indeterminadas, mas determináveis. Distingue-se quer dos difusos e colectivos, na medida que estes são direitos individuais, privados e indisponíveis face a terceiro, mas podem existir em número plural e ter uma origem de facto comum  com conteúdo substantivo homogéneo. O tratamento colectivo que  lhes  é  dado  é  a       sua homogeneidade devido à origem comum e a sua divisibilidade, uma vez que se trata de direitos que podem ser exercidos de forma individual, contudo há uma maior conveniência para o exercício colectivo.

A ação popular é um meio de tutela, por norma, de interesses difusos, enquanto interesses de toda a comunidade, pelo que “deve reconhecer-se aos cidadãos ut civis e não ut single o direito de promover, individual ou associadamente, a defesa de tais interesses.»[29]. Em contrapartida, a Lei de Acção Popular afirma que a ação popular visa a tutela quer interesses difusos como interesses individuais homogéneos. Tal unidade de tratamento consagrada pelo legislador foi alvo de críticas do professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, com o devido respeito discordo. Neste sentido, devemos considerar a distinção entre os interesses supra individuais quanto à sua gradação de invisibilidade: uma vez que os interesses difusos são indivisíveis de forma absoluta tendo presente a indeterminação dos seus titulares, enquanto que os direitos colectivos a sua indivisibilidade é relativa porque os seus titulares dos mesmos são determinados ou no pior dos cenários, determináveis, e por fim os interesses individuais homogéneos apesar do carácter individual, a origem será comum e podem ser exercidos colectivamente. Nesta linha de pensamento, o cariz unitário de tratamento da parte do legislador não altera a natureza dos interesses em jogo, e a crítica do professor MÁRIO AROSO ALMEIDA leva a crer que configura as opções legislativas como se a preto e branco se tratassem, quando na verdade estaremos sempre numa zona cinzenta.

V.                Considerações Finais

A ação popular é uma das maiores defesas dos nossos direitos e interesses, como cidadãos de uma comunidade, como seres humanos altruístas, como democratas. Iniciei a minha exposição crítica a citar Ortega y Gasset, e tentei fazer um paralelismo entre a ação popular e a possibilidade de uma rebelião das massas. Após toda a pesquisa, todo o tratamento, a analogia fez sentido. Uma das coisas que o autor em causa – tido por uns como um reaccionário – refere, é que a ideologia liberal foi o apogeu europeu, não me é de estranhar, foi o nascimento de um Estado de Direito Democrático com uma participação efectiva. A ação popular que renasceu com a Revolução Francesa é a prova disso.
No livro “A revolução das massas”, escrito em 1926, há uma crítica constante ao denominado “homem-massa”, que se limita a existir passivamente face aos direitos colectivos, não valorizando toda a construção que levou a esta liberdade, à participação cívica e ativa e a uma consciência política e ética.
 Concluo assim, a importância que a ação popular tem para a defesa dos interesses, em todas as suas acepções, para a vida numa comunidade altruísta, com preocupações intergeracionais e colectivas


VI.      Bibliografia
Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha (2010), Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3rd, Coimbra, Almeida, pp. 73-74


Aroso de Almeida, M. (2016), Manual do Processo Administrativo, 2nd, Coimbra: Almedina


Aroso de Almeida, M. (setembro/outubro 2013), Sobre a legitimidade popular no contencioso administrativo português. Cadernos de Justiça Administrativa, pp. 50-56


Barbosa Moreira, J., (1979), A ação popular do Direito brasileiro como instrumento de tutela jurisdicional dos chamados ‘interesses difusos’”, Studi in onore de Enrico Tullio Liebman, vol. IV, pp. 2673-2692


Duarte Coimbra, J., (2012/2013), A «legitimidade» do Interesse na Legitimidade Ativa de Particulares para  impugnação     de   atos    administrativos,      pp.  13-17        in https://www.icjp.pt/sites/default/files/papers/jose_duarte_coimbra_-_a_legitimidade_do_interesse_na_legitimidade_de_particulares_para_a_impugnacao_de_actos_admnistrativos.pdf

 Esteves de Oliveira, M., R. (2006), Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, p. 162

Gomes Canotilho e Vital Moreira (1997). Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I. 4th ed. Coimbra: Coimbra Editora, pp.697-701.

Gutiérrez de Cabides, P. (1999), La tutela jurisdiccional de los interesses supraindividuales: colectivos y difusos, Navarra, Arazandi

Otero, P. (1999). A Acção Popular: configuração e valor no actual Direito Português. Revista da Ordem dos Advogados, III (59), p.872.

 Pereira da Silva, V. (1998), Em busca do ato administrativo perdido, Coimbra, Almedina, 1998

Pereira da Silva, V. (2009). O contencioso administrativo no divã da psicanálise. 2nd ed. Almedina, pp.368-369.

Robin de Andrade (1967), J., A ação popular no Direito Administrativo português. Coimbra: Coimbra Editora, pp 27-28

 Sérvulo Correia, J. (2005), Direito do contencioso administrativo I, Lisboa, LEX

 Teixeira de Sousa, M. (2003). A Legitimidade Popular na Tutela dos Interesses Difusos. Lisboa: Lex.








[1] José Ortega Y Gasset era entre várias coisas, um filósofo e ativista político espanhol, do século XX
[2] ORTEGA Y GASSET, A Rebelião das Massas, 1989 (reimpressão), Relógio D’Água
[3] GOMES CANOTILHO, VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pp. 696-701.

[4] TEIXEIRA DE SOUSA, MIGUEL, A legitimidade Popular na Tutela dos Interesses Difusos, Lex, Lisboa, 2003
[5] A ação popular: configuração e valor no atual Direito português. OTERO, PAULO, ROA, nº 59 vol. III, 1999, pág. 872.

[6] PEREIRA DA SILVA, VASCO, O contencioso administrativo no divã da psicanálise, 2ª edição, Almedina, 2009, pp. 368-369

[7] Exceção às associações que devem cumprir o princípio da especialidade, sendo como mero exemplo académico: uma associação que vise a proteção do Parque do Gerês, carece de legitimidade caso proponha uma ação de proteção da Serra da Arrábida

[8] Aórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, 19-12-2017, Processo 12174/15 http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/950940472DBDDE158025820B003A675E

[9] PEREIRA DA SILVA, VASCO, O contencioso administrativo no divã da psicanálise, 2ª edição, Almedina, 2009, pp. 368-369

[10] PEREIRA DA SILVA, VASCO, ob. cit., p. 368
[11] VIEIRA DE ANDRADE, JOSÉ, A Justiça Administrativa (lições), 13ª edição, Almedina, Coimbra, 2014, p. 269.

[12] Entenda-se, a título exemplificativo: urbanismo, ordenamento territorial, ambiente, qualidade de vida, património cultural e os bens do Estado, Autarquias Locais e Regiões Autónomas.

[13]AROSO  DE ALMEIDA, MÁRIO, Sobre a legitimidade popular no contencioso administrativo português in Cadernos de Justiça Administrativa, nº101, setembro/outubro 2013, pp. 50-56.
[14] AROSO DE ALMEIDA, MÁRIO, Manual do Processo Administrativo, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2016, p. 215-218

[15] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 20/12/2012, proferido no Recurso nº 03410/09

[16] ROBIN DE ANDRADE, JOSÉ, A ação popular no Direito Administrativo português, Coimbra editora, Coimbra, 1967, pp. 27-28

[17] Embora os interesses difusos detenham uma vertente supraindividual assim como uma dimensão individual, nem todos os interesses supraindividuais serão difusos uma vez que alguns não são possíveis de concretizar individualmente – exemplo: A conservação da paisagem natural das Ilhas Selvagens: relevância em matéria ambiente, mas sendo as ilhas desabitadas, a sua preservação não se concretiza num interesse individual, logo o interesse supraindividual exemplificado não se concretiza num interesse difuso conforme TEIXEIRA DE SOUSA, MIGUEL, ob. Citada,

[18] Elenco taxativo
[19]rio Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição, Almedina, Coimbra, pp. 73-74.

[20] Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, p. 162.

[21] José Carlos Vieira de Andrade, ob. cit., p. 61.
[22] José Carlos Vieira de Andrade, ob. cit., pp. 60-65.

[23] Entenda-se: direitos subjetivos, legítimos e difusos
[24]  Pereira da Silva,  Vasco, Em busca do ato administrativo perdido, Coimbra, Almedina, 1998, p.254.

[25] José Duarte  Coimbra, A  «legitimidade»  do  Interesse  na  Legitimidade  Ativa  de  Particulares  para impugnação de atos administrativos, 2012/2013, pp. 13-17.

[27] Origem de tal classificação advém do sistema anglo-saxónico
[28] BARBOSA MOREIRA, José Carlos (1979): “A ação popular do Direito brasileiro como instrumento de tutela jurisdiccional dos chamados ‘intereses difusos’ , Studi in onore de Enrico Tullio Liebman, vol. IV: pp. 2673-2692.

[29] Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pp. 281-282.


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