João
Rocha*
O decretamento provisório das
providências cautelares
Breve
noção
Cumpre, antes de
mais, fazer uma breve referência e enquadramento daquilo que são as
providências cautelares.
Tal como a
designação indica, as providências cautelares, são meios processuais
provisórios que se dirigem à obtenção de providências adequadas a assegurar a
utilidade da sentença a proferir nesse processo, afirmação decorrente do artigo
112º nº1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos doravante
designado por CPTA.
As providências
cautelares são caracterizadas pela instrumentalidade
(o processo só pode ser desencadeado por quem tenha legitimidade para intentar
um processo principal e o processo cautelar apesar de ser tramitado
autonomamente como processo urgente, ele depende da causa que tem por objecto a
decisão sobre o mérito, decorrente do artigo 113º nº1 CPTA), pela provisoriedade (de um modo geral, ela é
intentada antes da acção principal, daí o seu carácter provisório) e pela sumariedade (ligada à urgência seguem
uma tramitação célere).
Cumpre destacar,
que o decretamento das providências cautelares é um direito consagrado e
inscrito na Constituição da República Portuguesa (doravante designada por CRP),
presente no artigo 268º nº4, pois a tutela jurisdicional que a CRP garante
(garantia de acesso aos Tribunais) revela uma maior segurança aos
administrados, tendo assim um meio de escape para a morosidade dos processos.
As providências
cautelares têm pressupostos legais que têm de ser preenchidos, sendo eles:
- a existência
de um direito, traduzido na acção proposta ou a propor que tenha por fundamento
o direito a tutelar.
- o justo e
fundado receio de que outrem cause lesão grave e de difícil reparação a esse
direito.
- a providência
cautelar não deve exceder o prejuízo resultante da providência perante o dano
que com ela se quer evitar.
Alterações
importantes aquando da revisão do CPTA em 2015
É de salientar
que os processos cautelares estão presentes nos artigos 112º a 134º do CPTA
respeitantes ao Título IV.
A partir de 2002
a tutela cautelar passou a adoptar providências cautelares antecipatórias ou conservatórias
como decorre do artigo 112º nº1 do CPTA. Foram contempladas no artigo 112º nº2
CPTA, várias medidas cautelares, já não com a sigla “especificadas” como se dispunha anteriormente e passaram a incluir-se
procedimentos cautelares como o arresto (artigo 112º nº2 alínea f)), o embargo de obra nova (artigo 112º
nº2 alínea g)) e o arrolamento
(artigo 112º nº2 alínea h)).
Passou
igualmente a incluir-se o poder de o requerente proceder à substituição ou
ampliação do pedido oferecendo novos meios de prova “com fundamento em
alteração superveniente dos pressupostos de facto ou de direito1”,
evitando “decisões desajustadas temporalmente”.
Outra alteração
importante é a que consta do artigo 113º nº5 do CPTA que reconhece ao
Ministério Público “o poder de requerer o prosseguimento do processo cautelar
já intentado pelo primitivo autor na acção”.
__________
*João
Rocha Nº 26482
1 Artigo
113º nº4 CPTA.
Igualmente
importante foi a alteração que ocorreu a nível do requerimento cautelar
presente no artigo 114º CPTA, com a adição da alínea j) correspondente ao valor da causa, tendo o legislador igualmente
modificado o nº4 do mesmo artigo onde o interessado pode pedir que a citação
seja urgente segundo a lei processual civil, para desta forma evitar a mora da
citação que por vezes contrariava a urgência do processo.
Outra inovação é
decorrente do artigo 131º do CPTA dizendo “respeito
à possibilidade de o interessado poder pedir, no requerimento inicial, que o
juiz proceda, “no despacho liminar”, ao decretamento provisório da providência2”.
Relativamente ao
artigo 116º do CPTA, houve um encurtar do prazo para ser emitido o despacho
liminar estabelecendo como prazo máximo 48 horas sendo o requerimento admitido.
Para efeitos do
artigo 116º do CPTA, foram consagrados novos fundamentos de rejeição do
requerimento, para além dos já existentes e que foram consagrados no nº2 do
preceito nas alíneas d), e) e f).
Esta formulação
é, no entanto, passível de algumas críticas pela sua própria redacção, embora
não cumprindo aqui o dever de desenvolver as mesmas.
Outra novidade
presente no CPTA de 2015 está no artigo 116º nº5 e que é de relevante
importância, pois confere ao juiz o poder de decretar a providência requerida
ou aquela que no entender do mesmo, se julgue mais adequada, quando reconheça
uma situação de especial urgência tal como consta do artigo 131º nº1 do CPTA.
Relativamente à
produção de prova3 são introduzidos novos limites (número de
testemunhas, no máximo cinco) o que faz todo o sentido dado o carácter urgente
do processo.
O artigo 119º nº
2 do CPTA contém uma disposição não muito feliz, pois faz com que em primeira
instância seja eliminado o funcionamento do colectivo de juízes, sendo que o
colectivo terá vantagens que se podem pautar pela imparcialidade e
independência contribuindo para a qualidade das decisões, pelo debate que o
mesmo convoca4.
Decretamento
provisório das providências cautelares
Depois do
aludido anteriormente, referente a algumas alterações que o CPTA sofreu após a
revisão de 2015, e do enquadramento de alguns pontos da matéria, cumpre abordar
o tema principal deste trabalho.
Dado que o decretamento provisório da providência
se encontra previsto no artigo 131º CPTA, irão ser abordadas de forma mais
aprofundada todas as alterações que ocorreram e todos os preceitos ínsitos no
mesmo.
O decretamento
provisório da providência cautelar constitui um aspecto suplementar do regime
cautelar e vale para qualquer providência em situações de especial urgência.
Em primeiro
lugar, e antes da revisão de 2015, o artigo 131º nº1 CPTA “estabelecia que o
decretamento provisório podia ser pedido quando a providência requerida no
processo cautelar se destinasse a tutelar direitos, liberdades e garantias que
de outro modo não pudessem ser exercidos em tempo útil ou quando o requerente
entendesse haver especial urgência5”.
__________
2 Fernanda
Maçãs, Comentários à revisão do ETAF e do
CPTA, 2ª ed., AAFDL, 2016, p. 732.
3 Artigo
118 CPTA.
4 Jean
Gourdon/Antoine Bourrel, Les référés
d’urgence devant le juge administratif, L’Harmattan, Paris, 2002, p. 11.
5 Mário
Aroso de Almeida, Manual de Processo
Administrativo, 2ª ed., Almedina, 2016, p.429.
O que quer dizer
que a “especial urgência” era encarada nas situações de risco de lesão
irreversível de direitos, liberdades e garantias.
Com a revisão de
2015, isso alterou-se, pois refere que basta “a existência de uma situação de
especial urgência,” para que seja possível o decretamento provisório de uma
providência cautelar, e já não necessariamente a lesão de um direito, liberdade
ou garantia. Esta densificação do conceito especial de urgência serve para
acautelar situações de perigo de lesão iminente e irreversível. Como refere
Vieira de Andrade, tratando-se de uma decisão cautelar provisória percebe-se o
porquê de poder ser decretada sem contraditório, e Vieira de Andrade acrescenta
ainda que se pode prescindir da aplicação dos critérios do artigo 120º do CPTA,
pois para o decretamento provisório basta para além do interesse em agir, ter
ainda de se verificar a especial perigosidade para direitos, liberdades e
garantias ou para outros bens jurídicos em situação de especial urgência. Mário
Aroso de Almeida apelida este instituto de “tutela
cautelar de segundo grau” que se destina a evitar o periculum in mora.
“O periculum
in mora constitui verdadeiro leitmotiv da tutela cautelar, pois é o fundado receio de que a demora,
na obtenção de decisão no processo principal, cause uma situação de facto consumado ou
prejuízos de difícil ou impossível reparação aos interesses perseguidos nesse
processo que justifica este tipo de tutela urgente6;”.
Outra novidade
com a revisão de 2015 diz respeito ao facto de o decretamento provisório não
ter de ser pedido logo no próprio requerimento, mas poder ter lugar no despacho
liminar ou durante a pendência do processo cautelar, tendo de se invocar o
fundamento da alteração superveniente dos pressupostos de facto ou de direito,
por iniciativa do juiz a título oficioso ou do próprio interessado, tal como
decorre do nº1 e nº2 do artigo 131º do CPTA.
O prazo de
decisão é no máximo de 48 horas, tendo essa decisão de ser fundada numa
situação perfunctória da situação fática, prescindindo do princípio do
contraditório e de diligências instrutórias, que bem se entende que assim seja,
porque caso contrário, haveria perigo de alguma lesão irreversível ser causada
sem ser possível a sua reparação.
O decretamento
reduz-se a um único momento não sendo passível de impugnação (artigo 131º nº4
do CPTA).
Acresce ainda
que “o decretamento provisório é notificado
de imediato às pessoas e entidades que o devam cumprir, sendo aplicável, em
caso de incumprimento, o disposto nos n.ºs 4 a 6 do artigo 128.º, com as
adaptações que se mostrem necessárias.”.
Se após a
notificação à entidade requerida, a mesma continuar a ter comportamentos que
possam comprometer o objecto do litígio, o particular pode pedir ao tribunal
que esses comportamentos do requerido não produzam efeitos (artigo 128º nº4
CPTA).
Anteriormente a
esta revisão, existiam dois momentos: no primeiro momento era tomada a decisão
de urgência em 48 horas, podendo ser confirmada ou não em momento posterior,
tendo em conta o princípio do contraditório (contraditório das partes) e a
realização de diligências instrutórias. Só após a realização destas diligências
e contraditório é que o tribunal tomava a decisão definitiva podendo alterar ou
confirmar o que antes tinha decidido. Isto gerava muita insegurança.
Com esta
revisão, a Administração pode não ser chamada ao processo para exercer o
contraditório. No entanto, feita a notificação, podem os requeridos solicitar o
levantamento da providência provisoriamente decretada durante a pendência do processo cautelar "sendo o requerimento decidido por aplicação do nº2
__________
6 Acórdão
STA, processo 0435/18 de 14-06-2018.
do artigo 120.º,
depois de ouvido o requerente pelo prazo de cinco dias e de produzida a prova
que o juiz considere necessária”, tal como decorre do artigo 131º nº6 do CPTA.
Posto isto, a adopção
da providência pode ser recusada quando, ponderados os interesses em causa
(públicos e privados), os danos que a mesma causaria forem superiores aos danos
da sua recusa, tal como decorre do artigo 120º nº2 do CPTA.
Este ponto do
artigo 131º nº6 do CPTA, embora as alterações sofridas, é susceptível de
divergência na Doutrina.
Fernanda Maçãs
refere que embora os esforços de simplificação, as alterações efectuadas não
sejam as mais adequadas a introduzir melhorias na interpretação e na aplicação
do mecanismo, “quando atualmente muitas das dúvidas iniciais foram dissipadas,
em resultado do esforço da doutrina e da jurisprudência. Em nossa ótica, melhor
seria que o preceito se mantivesse na versão anterior, podendo, eventualmente,
introduzir-se melhorias quanto aos critérios a usar no segundo momento,
aproveitando-se o teor da redacção proposta para o n.º 67.”
Posição
divergente que versa sobre a mesma matéria tem Mário Aroso de Almeida que nos
refere que “A simplificação da estrutura deste incidente é de saudar, na medida
em que, como vínhamos preconizado, se afigura lógico ter-se optado por limitar
o incidente do decretamento provisório àquela que, antes da revisão de 2015,
correspondia à sua primeira fase, prevista no artigo 131º, nº3, suprimindo-se a
segunda, que, a não admitir produção de prova, se afigurava de utilidade
discutível, e que foi, por isso, a nosso ver, adequadamente substituída pelo
novo incidente autónomo, de utilização eventual, agora previsto no nº6 do
artigo 131º8.”
Para concluir,
na revisão de 2015, o artigo 131º do CPTA passou a prever a possibilidade da
existência de dois incidentes autónomos no processo cautelar:
- O incidente do decretamento provisório que
está previsto no nº1, sendo decidido em 48 horas e por regra não há direito ao
contraditório e sem lugar à produção de prova. O critério que o juiz terá em
consideração será o critério do periculum
in mora que estará relacionado com o disposto no artigo 120º nº1 do CPTA.
Aqui não está em causa a morosidade do processo principal mas sim a morosidade
do processo cautelar. Como bem refere Mário Aroso de Almeida, está em causa “o
perigo da constituição de uma situação irreversível se nada for feito de imediato, durante a pendência do processo
cautelar e, portanto, antes ainda do momento em que virá a ser decidido o
próprio processo cautelar. O periculum
in mora deve ser, pois, preenchido, nesta sede, como um perigo de lesão iminente, e não apenas,
irreversível, do interesse do requerente9.”
- No incidente de levantamento ou alteração da
providência provisoriamente decretada, presente no nº6, há direito ao
contraditório e pode igualmente ser produzida prova que o juiz julgue
necessária, tendo de existir uma ponderação do interesse público face ao
interesse particular, não podendo o dano que resulta da sua concessão ser
superior àquele que pode resultar da sua recusa, tal como o disposto no artigo
120º nº2 do CPTA.
Defende Mário
Aroso de Almeida que o decretamento provisório só deve ser levantado nas
situações de clara evidência desfavorável ao requerente resultante do
contraditório.
__________
7
Fernanda Maçãs, Comentários à revisão do
ETAF e do CPTA, 2ª ed., AAFDL, 2016, p. 756.
8 Mário
Aroso de Almeida, Manual de Processo
Administrativo, 2ª ed., Almedina, 2016, pp. 431-432.
9 Mário
Aroso de Almeida, Manual de Processo
Administrativo, 2ª ed., Almedina, 2016, p. 432
Bibliografia:
Manuais
e obras de divulgação:
- José Carlos
Vieira de Andrade, A Justiça
Administrativa (Lições), 13ª ed.,
Almedina, 2014
- Mário Aroso de
Almeida, Manual de Processo
Administrativo, 2ª ed., Almedina, 2016
- Jean
Gourdon/Antoine Bourrel, Les référés
d’urgence devant le juge administratif, L’Harmattan, Paris, 2002.
Obras
colectivas e colectâneas:
- Carla Amado
Gomes, Ana Fernanda Neves e Tiago Serrão, Comentários
à revisão do ETAF e do CPTA, 2ª ed., AAFDL, 2016
Jurisprudência:
- Acórdão do
STA, Processo 0435/18, data 14-06-2018, Relator José Veloso
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