domingo, 4 de novembro de 2018

Decretamento Provisório da Providência Cautelar


Decretamento Provisório da Providência Cautelar
Antes da revisão constitucional de 1977, “os meios cautelares apareciam embrulhados e confundidos numa categoria genérica de “meios processuais acessórios”[1], de tal forma que o único processo cautelar se restringia à suspensão da eficácia do acto. Há que fazer a ressalva que este instituto nunca se aplica nas situações de suspensão da eficácia de um acto administrativo ou de uma norma regulamentar, aquando da existência de um regime especial, que não iremos aprofundar, previsto no artigo 128º CPTA.
A Constituição no artigo 212º/3 com a referência “(…) que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”, visa o alargamento do âmbito de competência e jurisdição dos tribunais administrativos, servindo-se de todos os meios cautelares à disposição adequados a garantir e preservar os direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos dos administrados.
Para este efeito, existe “uma cláusula aberta das providências cautelares inominadas ou não especificadas”[2], traduzindo-se na situação em que os particulares possam “accionar, a titulo principal, perante os tribunais administrativos, a obtenção de providências cautelares de conteúdo diversificado, em função das necessidades de cada caso”[3]. No entanto, admite-se um elenco exemplificativo das providências cautelares, constantes no artigo 112º/2 do CPTA.
Trilhando pelo Código, o novo artigo 112º do CPTA introduz algumas inovações normativas na subsunção e tratamento a um regime unitário das providências cautelares, sejam antecipatórias ou conservatórias (n.º 1), demonstrando uma manifestação clara da juricidade material.
As providências cautelares conservatórias caracterizam-se pela manutenção, conservação e inalteração da situação jurídica ou direito existente aquando do surgimento do litígio a dirimir. As providências cautelares antecipatórias, como o próprio nome indica, antecipam a realização do direito que, provavelmente, será reconhecido na acção principal
Os processos cautelares contrapõem-se aos processos urgentes autónomos, na medida em que os últimos consistem em processos principais, tendo como finalidade decidir definitivamente o mérito da causa. Os processos cautelares, por sua vez, não podem influenciar ou pré-julgar a decisão de fundo da causa em litígio.
            A instrumentalidade da providência cautelar que consiste na dependência, vinculação e subordinação desta face à acção principal, visando assegurar a sua utilidade e nunca excedendo o seu âmbito. Outro traço elucidativo da relação de dependência é demonstrado pelo facto de “o processo cautelar só poder ser desencadeado por quem tenha legitimidade para intentar um processo principal”. Não tendo um fim em si mesmas, visam apenas o afastamento de situações de perigo para normalização do processo principal. As providências cautelares não revestem carácter definitivo (provisoriedade), já que a sua existência depende única e exclusivamente da acção principal (acessoriedade).
O instituto do decretamento provisório da providência cautelar não se trata de um processo cautelar especial, consiste antes num incidente autónomo da acção declarativa e tem um enquadramento normativo previsto no artigo 131º do CPTA.
Segundo o preceito, o âmbito de aplicação incidirá sobre a tutela de direitos, liberdades e garantias, justificado por uma situação de especial urgência, sob pena para o requerente, de ver a impraticabilidade, inviabilização e esvaziamento do conteúdo dos seus direitos subjectivos. O ratio do artigo reside na prevenção e neutralização de ocorrência de determinados danos iminentes e irreversíveis, resultantes da demora prolongada do processo (periculum in mora), devido à necessidade de uma cognição plena da situação de facto e de direito.
A finalidade principal que o instituto jurídico pretende alcançar é a defesa antecipada da utilidade da acção principal do processo, porque “de nada vale obter uma sentença materialmente justa, se esta não for temporalmente exequível”[4].
Antes da revisão de 2015, a formulação do preceito privilegiava uma interpretação restritiva, considerando as situações de especial urgência como “situações de gravidade análoga às de risco da lesão iminente e irreversível de direitos, liberdades e garantias”. Actualmente, não existe um elenco normativo que nos permita deduzir as situações de especial urgência valendo, deste modo, a flexibilização produzida pelo legislador com a revisão de 2015 do regime do decretamento provisório da providência cautelar, afastando a sua referência expressa.
Devido ao alargamento do âmbito do decretamento provisório das providências cautelares, aplicar-se-á o regime a um leque variadíssimo de situações em que se basta o reconhecimento por parte do juiz, baseado numa ponderação de interesses e numa formulação de um juízo de probabilidade (juízo de prognose), relativamente à existência de uma situação especial de urgência para que a providência cautelar seja decretada sem ser sujeita a contraditório por parte do contra-intressado, e não sendo passível de impugnação.
O decretamento da providência cautelar funda-se no fumus boni iuris em que a análise sumária dos factos apresentados ao juiz fundamenta a probabilidade séria da existência do direito invocado pelo requerente que poderá vir a ser violado ou lesado (368º/1 CPC).

A providência cautelar requerida pelo particular pode e deve ser decretada de imediato pelo juiz, devido à situação especial de urgência, mediante posterior confirmação se irá valer durante a pendência do processo principal ou não. A alteração e “evolução das circunstâncias ao longo do tempo da pendência do processo cautelar podem vir a exigir um decretamento provisório que não se justificava no momento em que o processo foi intentado e que poderia não ser necessário se esse processo tivesse sido decidido mais rapidamente”[5], ou seja, o decretamento provisório da providência cautelar pode ser requerido durante a pendência do processo cautelar.
Funciona como uma “tutela cautelar de segundo grau”, uma vez que tem em conta a perigosidade que pode advir da mora da tutela cautelar. Pode ser decretada mediante requerimento do particular nos termos do artigo 114º do CPTA ou oficiosamente pelo juiz no despacho liminar, mesmo sem dedução de pedido autónomo do decretamento provisório, quando esteja em causa uma situação gravosa e de especial urgência por ser a única solução jurídica adequada a prevenir o risco de lesão de direitos fundamentais e interesses legalmente protegidos.
 Via de regra, o decretamento provisório é concedido mediante um pedido autónomo deduzido no requerimento cautelar em momento preliminar ao da decisão do respectivo processo. Preza-se, essencialmente, pela celeridade deste regime que consubstancia prazos curtos para efectivar a tutela jurídica. O juiz terá um prazo de 48 horas para decidir se decreta ou não, provisoriamente, a providência cautelar, por regra, sem contraditório e sem produção de prova.
A revisão de 2015 veio alterar a tramitação do incidente. Hoje, o n.º 1 do artigo 131º do CPTA contém toda a regulação do decretamento provisório, estabelecendo o entendimento de que uma vez concluído o incidente, o processo cautelar segue os termos subsequentes dos artigos 117º e seguintes do CPTA.
 O que está verdadeiramente em causa é o periculum in mora qualificado do próprio processo cautelar, o “perigo de lesão iminente, e não apenas, irreversível, do interesse do requerente”, consubstanciador de uma potencial constituição de uma situação irreversível que, sem o decretamento provisório, irá trazer para o requerente consequências graves e irreparáveis.
            No n.º 6 do artigo 131º do CPTA, está previsto o incidente de levantamento ou alteração da providência provisoriamente decretada, há lugar ao contraditório e à produção de prova que o juiz determinar, regendo-se pelo critério da ponderação de interesses consagrado no artigo 120º/2 do CPTA.




            Bibliografia

ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Lisboa, 2017, 3ª edição;

ANDRADE, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, Lisboa, 2015, 14º edição;

FILHO, Ruy Alves Henriques de, Providências Especiais (urgentes e cautelares) no Contencioso Administrativo Português, Lisboa, Almedina, 2009;

ALMEIDA, Mário Aroso de, CADILHA, Carlos Esteves. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 3ª edição;

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, 00904/12.8BEBRG;

MAÇÃS, Maria Fernanda, as medidas cautelares, in Reforma do Contencioso Administrativo – O Debate Universitário (Trabalhos Preparatórios), vol. I, Ministério da Justiça, Coimbra Editora, 2003.
           


Hugo de Azevedo Roberto, n.º 24384.


[1] Viera de Andrade, A justiça administrativa, pág. 306.
[2] O Debate Universitário, pág. 222.
[3] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, pág. 430.
[4] Viera de Andrade, A Justiça Administrativa.
[5] Mário Aroso de Almeida – Manual de contencioso administrativo, 2017, 3ª edição.

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