Decretamento
Provisório da Providência Cautelar
Antes
da revisão constitucional de 1977, “os meios cautelares apareciam embrulhados e
confundidos numa categoria genérica de “meios processuais acessórios”[1],
de tal forma que o único processo cautelar se restringia à suspensão da
eficácia do acto. Há que fazer a ressalva que este instituto nunca se aplica
nas situações de suspensão da eficácia de um acto administrativo ou de uma
norma regulamentar, aquando da existência de um regime especial, que não iremos
aprofundar, previsto no artigo 128º CPTA.
A
Constituição no artigo 212º/3 com a referência “(…) que tenham por objecto
dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e
fiscais”, visa o alargamento do âmbito de competência e jurisdição dos
tribunais administrativos, servindo-se de todos os meios cautelares à
disposição adequados a garantir e preservar os direitos subjectivos e
interesses legalmente protegidos dos administrados.
Para
este efeito, existe “uma cláusula aberta das providências cautelares inominadas
ou não especificadas”[2],
traduzindo-se na situação em que os particulares possam “accionar, a titulo
principal, perante os tribunais administrativos, a obtenção de providências
cautelares de conteúdo diversificado, em função das necessidades de cada caso”[3].
No entanto, admite-se um elenco exemplificativo das providências cautelares,
constantes no artigo 112º/2 do CPTA.
Trilhando
pelo Código, o novo artigo 112º do CPTA introduz algumas inovações normativas
na subsunção e tratamento a um regime unitário das providências cautelares, sejam
antecipatórias ou conservatórias (n.º 1), demonstrando uma manifestação clara
da juricidade material.
As
providências cautelares conservatórias caracterizam-se pela manutenção,
conservação e inalteração da situação jurídica ou direito existente aquando do
surgimento do litígio a dirimir. As providências cautelares antecipatórias,
como o próprio nome indica, antecipam a realização do direito que,
provavelmente, será reconhecido na acção principal
Os
processos cautelares contrapõem-se aos processos urgentes autónomos, na medida
em que os últimos consistem em processos principais, tendo como finalidade decidir
definitivamente o mérito da causa. Os processos cautelares, por sua vez, não podem
influenciar ou pré-julgar a decisão de fundo da causa em litígio.
A instrumentalidade da providência cautelar que consiste na
dependência, vinculação e subordinação desta face à acção principal, visando
assegurar a sua utilidade e nunca excedendo o seu âmbito. Outro traço
elucidativo da relação de dependência é demonstrado pelo facto de “o processo
cautelar só poder ser desencadeado por quem tenha legitimidade para intentar um
processo principal”. Não tendo um fim em si mesmas, visam apenas o afastamento
de situações de perigo para normalização do processo principal. As providências
cautelares não revestem carácter definitivo (provisoriedade), já que a sua
existência depende única e exclusivamente da acção principal (acessoriedade).
O
instituto do decretamento provisório da providência cautelar não se trata de um
processo cautelar especial, consiste antes num incidente autónomo da acção
declarativa e tem um enquadramento normativo previsto no artigo 131º do CPTA.
Segundo
o preceito, o âmbito de aplicação incidirá sobre a tutela de direitos,
liberdades e garantias, justificado por uma situação de especial urgência, sob
pena para o requerente, de ver a impraticabilidade, inviabilização e
esvaziamento do conteúdo dos seus direitos subjectivos. O ratio do artigo reside na prevenção e neutralização de ocorrência
de determinados danos iminentes e irreversíveis, resultantes da demora
prolongada do processo (periculum in mora), devido à necessidade de uma
cognição plena da situação de facto e de direito.
A
finalidade principal que o instituto jurídico pretende alcançar é a defesa
antecipada da utilidade da acção principal do processo, porque “de nada vale
obter uma sentença materialmente justa, se esta não for temporalmente
exequível”[4].
Antes
da revisão de 2015, a formulação do preceito privilegiava uma interpretação
restritiva, considerando as situações de especial urgência como “situações de
gravidade análoga às de risco da lesão iminente e irreversível de direitos,
liberdades e garantias”. Actualmente, não existe um elenco normativo que nos
permita deduzir as situações de especial urgência valendo, deste modo, a
flexibilização produzida pelo legislador com a revisão de 2015 do regime do
decretamento provisório da providência cautelar, afastando a sua referência
expressa.
Devido
ao alargamento do âmbito do decretamento provisório das providências
cautelares, aplicar-se-á o regime a um leque variadíssimo de situações em que
se basta o reconhecimento por parte do juiz, baseado numa ponderação de
interesses e numa formulação de um juízo de probabilidade (juízo de prognose),
relativamente à existência de uma situação especial de urgência para que a providência
cautelar seja decretada sem ser sujeita a contraditório por parte do
contra-intressado, e não sendo passível de impugnação.
O
decretamento da providência cautelar funda-se no fumus boni iuris em que a
análise sumária dos factos apresentados ao juiz fundamenta a probabilidade
séria da existência do direito invocado pelo requerente que poderá vir a ser
violado ou lesado (368º/1 CPC).
A
providência cautelar requerida pelo particular pode e deve ser decretada de
imediato pelo juiz, devido à situação especial de urgência, mediante posterior
confirmação se irá valer durante a pendência do processo principal ou não. A
alteração e “evolução das circunstâncias ao longo do tempo da pendência do
processo cautelar podem vir a exigir um decretamento provisório que não se
justificava no momento em que o processo foi intentado e que poderia não ser
necessário se esse processo tivesse sido decidido mais rapidamente”[5],
ou seja, o decretamento provisório da providência cautelar pode ser requerido
durante a pendência do processo cautelar.
Funciona
como uma “tutela cautelar de segundo grau”, uma vez que tem em conta a
perigosidade que pode advir da mora da tutela cautelar. Pode ser decretada
mediante requerimento do particular nos termos do artigo 114º do CPTA ou
oficiosamente pelo juiz no despacho liminar, mesmo sem dedução de pedido
autónomo do decretamento provisório, quando esteja em causa uma situação
gravosa e de especial urgência por ser a única solução jurídica adequada a
prevenir o risco de lesão de direitos fundamentais e interesses legalmente
protegidos.
Via de regra, o decretamento provisório é
concedido mediante um pedido autónomo deduzido no requerimento cautelar em
momento preliminar ao da decisão do respectivo processo. Preza-se,
essencialmente, pela celeridade deste regime que consubstancia prazos curtos
para efectivar a tutela jurídica. O juiz terá um prazo de 48 horas para decidir
se decreta ou não, provisoriamente, a providência cautelar, por regra, sem
contraditório e sem produção de prova.
A
revisão de 2015 veio alterar a tramitação do incidente. Hoje, o n.º 1 do artigo
131º do CPTA contém toda a regulação do decretamento provisório, estabelecendo
o entendimento de que uma vez concluído o incidente, o processo cautelar segue os
termos subsequentes dos artigos 117º e seguintes do CPTA.
O que está verdadeiramente em causa é o periculum in mora qualificado do próprio
processo cautelar, o “perigo de lesão iminente, e não apenas, irreversível, do
interesse do requerente”, consubstanciador de uma potencial constituição de uma
situação irreversível que, sem o decretamento provisório, irá trazer para o
requerente consequências graves e irreparáveis.
No n.º 6 do artigo 131º do CPTA, está previsto o
incidente de levantamento ou alteração da providência provisoriamente decretada,
há lugar ao contraditório e à produção de prova que o juiz determinar,
regendo-se pelo critério da ponderação de interesses consagrado no artigo 120º/2
do CPTA.
Bibliografia
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Lisboa, 2017, 3ª edição;
ANDRADE, José Carlos
Vieira de, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, Lisboa,
2015, 14º edição;
FILHO, Ruy Alves Henriques de, Providências Especiais (urgentes e
cautelares) no Contencioso Administrativo Português, Lisboa, Almedina, 2009;
ALMEIDA, Mário Aroso de, CADILHA, Carlos Esteves. Comentário ao Código de Processo
nos Tribunais Administrativos, Almedina, 3ª edição;
Acórdão do Tribunal
Central Administrativo Norte, 00904/12.8BEBRG;
MAÇÃS, Maria
Fernanda, as medidas cautelares, in Reforma do Contencioso Administrativo – O
Debate Universitário (Trabalhos Preparatórios), vol. I, Ministério da Justiça,
Coimbra Editora, 2003.
Hugo
de Azevedo Roberto, n.º 24384.
[1] Viera de
Andrade, A justiça administrativa, pág. 306.
[2] O Debate
Universitário, pág. 222.
[3] Mário
Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, pág. 430.
[4] Viera de
Andrade, A Justiça Administrativa.
[5] Mário
Aroso de Almeida – Manual de contencioso administrativo, 2017, 3ª edição.
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