quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Recursos Jurisdicionais em especial recursos ordinários - João Rocha


João Rocha (*)

Recursos jurisdicionais em especial recursos ordinários

Introdução

Este trabalho tem como finalidade analisar os recursos jurisdicionais, mais concretamente os recursos ordinários, e quais os procedimentos adotados pelo Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e a título subsidiário pelo Código de Processo Civil (CPC). 

Irão ser analisados os pressupostos conexos a estes recursos, tais como a legitimidade, os efeitos dos recursos, alegações, entre os demais que se encontram referidos no CPTA.



Recursos jurisdicionais: noção geral

Recurso é a possibilidade de as partes recorrerem a um tribunal de hierarquia superior por não concordarem com a decisão proferida por um tribunal hierarquicamente inferior.

Os recursos jurisdicionais estão previstos nos artigos 140º a 156º do CPTA, sem prejuízo do disposto no nº3 do artigo 140º do CPTA que enuncia que “os recursos das decisões proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo disposto na lei processual civil, salvo o disposto no presente título”, título esse respeitante aos recursos jurisdicionais presente nos artigos 140º a 156º do CPTA. Com isto, quer dizer que se a matéria estiver regulada no CPTA, este prevalece em relação à lei processual civil.

A Constituição da República Portuguesa (CRP) não garante o direito à interposição de um recurso relativamente a todos os processos e a todas as decisões jurisdicionais, contemplando o recurso apenas para garantia de processo criminal, tal como decorre do seu artigo 32º nº1. Isto advoga, que o legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade de conformação. A ideia de que são admitidos recursos jurisdicionais, não se consegue extrair do nº1 do artigo 20º da CRP, que assegura “o acesso ao Direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos” e nem do nº4 do artigo 268º da CRP que nos refere expressamente que os atos administrativos que lesem direitos e interesses legalmente protegidos podem ser alvo de impugnação ou até mesmo alvo de medidas cautelares, não invocando a possibilidade de recurso.

Pelo facto de a CRP não lhe aludir expressa e diretamente, o entendimento do Tribunal Constitucional (TC) tem sido o de que a previsão, a admissibilidade e a tramitação dos recursos jurisdicionais não é possível nos casos de duplo grau de jurisdição, pois o entendimento do TC é de que não se consegue extrair do artigo 20º nº1 da CRP e nem do artigo 268º nº4 da CRP.

Seguindo este entendimento do TC, basta verificar a epígrafe do CPTA dos “recursos jurisdicionais”, sendo, portanto, admitido o recurso, o que contraria um pouco essa posição.

Como espécies de recursos, temos os recursos ordinários que são a apelação e a revista, e os recursos extraordinários que são o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão, sendo que os recursos extraordinários não serão objeto de análise neste trabalho. 

Cumpre ainda referir, que as espécies de recursos são idênticas às enunciadas em processo civil (artigo 627º nº2 do CPC).

Temos como tribunais administrativos os tribunais de 1ª instância (Tribunais Administrativos de Círculo), de 2ª instância (Tribunais Centrais Administrativos) e o Supremo Tribunal Administrativo.

São tribunais de recurso jurisdicional os Tribunais Centrais Administrativos (TCA) e o Supremo Tribunal Administrativo (STA).

Cumpre, portanto, passar à análise da matéria relativa aos recursos ordinários.

__________

(*) João Rocha Nº 26482 


Legitimidade, prazos e efeitos da interposição de recursos  

A legitimidade encontra consagração legal no artigo 141º do CPTA. Segundo este artigo, pode interpor recurso quem na decisão jurisdicional tenha ficado vencido e para além do vencido por ainda interpor recurso o Ministério Público se a decisão violar “disposições ou princípios constitucionais ou legais”, pois o Ministério Público é o guardião da legalidade.

Este preceito merece considerações: em primeiro lugar a expressão “quem nela tenha ficado vencido” subentende a parte principal no processo.

São consideradas partes no processo os autores, os réus, os contrainteressados e ainda os que tenham intervindo na defesa do seu interesse sendo igual ao do autor ou do réu.

A parte vencida é aquela a quem a decisão não foi favorável.

A questão relativa à legitimidade tem sido entendida no sentido de que as decisões dos tribunais administrativos podem ser objeto de recurso por quem “não seja parte na causa ou seja apenas parte acessória”, desde que as decisões lhe causem direto e efetivo prejuízo1. Tem sido este o entendimento do STA desde 2011.

Ainda relativo à legitimidade há que realçar o disposto nos nº2 e nº3 do artigo 141º do CPTA, que consagram regras específicas que dizem respeito à legitimidade do autor, considerando-se o autor parte vencida em relação à parte dispositiva da sentença que tenha julgado improcedentes causas de invalidade alegadas pelo autor.

Estes dois números do artigo 141º do CPTA têm o efeito de qualificar o interesse em agir, podendo o autor ser parte vencida se todas as suas pretensões não tiverem procedência, parte vencida saliente-se, nas partes em que a sua procedência não vingou, podendo interpor recurso apenas quanto a essas partes que improcederam.

Relativamente aos efeitos do recurso, tal como decorre do artigo 143º do CPTA no seu nº1 refere que “os recursos ordinários têm efeito suspensivo da decisão recorrida”.

Segundo este nº1 infere-se pelo referido expressamente no artigo que, o efeito suspensivo é aplicável apenas aos recursos ordinários (recurso de apelação e recurso de revista), não se aplicando aos recursos extraordinários, no entanto, tem de se ter em consideração a 1ª parte desse número, salvo se lei especial estabelecer em sentido diverso.

A lei reconhece efeito devolutivo aos recursos que estejam abrangidos pelo nº2 do artigo 143º do CPTA, constando de uma enumeração não taxativa, pois refere “para além de outros a que a lei reconheça tal efeito”.

A regra do nº1 sendo uma regra rígida, é atenuada pelos restantes números do artigo 143º do CPTA sendo possível, que a pedido da parte o tribunal altere o efeito regra dos recursos presente no nº1.

Mas o efeito meramente devolutivo depende da ponderação dos interesses em presença e deve ser recusada quando “os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição2”.

Relativamente ao regime de interposição de recurso, o prazo geral é de 30 dias contados a partir de notificada a decisão recorrida segundo o disposto no nº1 do artigo 144º do CPTA.

Mas há uma exceção a esta regra e consta do prazo para interpor recurso para os processos urgentes, sendo que aí o prazo é de 15 dias3.

Este prazo mais curto justifica-se por ser um recurso com andamento prioritário.

O recurso tem de ser interposto mediante requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão, tendo de ser enunciados os vícios da decisão e respetivas conclusões segundo 
__________

1 Artigo 141º nº4 do CPTA.

2 Artigo 143º nº5 do CPTA.

3 Artigo 147º nº1 do CPTA.


o artigo 144º nº2 do CPTA. Assim que a secretaria receber o requerimento, ela notifica o recorrido para alegar dentro de 30 dias (artigo 144º nº 3 do CPTA).

No entanto, há um alargamento de prazos quando estiver em discussão a decisão de matéria de facto por via da reapreciação da prova gravada, acrescendo 10 dias ao prazo de recurso segundo o disposto no artigo 144º nº4 do CPTA.

Bem se percebe este alargamento do prazo, permitindo ao mandatário do recorrente que avalie a possibilidade de impugnação da decisão que foi tomada sobre a matéria de facto e que cumpra o ónus de alegação que compete ao recorrente.

Questão complexa é a de saber se este alargamento de prazo faz sentido nos processos urgentes. Esta é uma questão muito debatida, mas a meu ver, independentemente do prazo de interpor recurso nos processos urgentes seja apenas de metade dado o caráter urgente, penso que o alargamento do prazo dos 10 dias não deve ser reduzido, se deve manter ainda assim nos processo urgentes, embora o legislador dá a ideia de ter pretendido a redução dos prazos, ideia essa expressa no artigo 147º nº2 do CPTA, mas embora essa ideia, o legislador ao não fixar um prazo concreto como fez para o recurso nos processos urgentes, deixa margem de arbítrio para interpretação do intérprete. Há que ressalvar, em minha opinião, que o prazo de 10 dias deve manter-se, não só porque não existe nenhuma norma legal que convencione o contrário e por maioria de razão, um prazo ainda mais reduzido para os processos urgentes poderia causar inconveniente, porque o regime está feito para ajudar nos processos urgentes e não para prejudicar.

Se se disser que se viola o que dispõe expressamente o artigo 147º nº2 do CPTA, pode dizer-se que pode haver uma lei especial que refira precisamente o inverso e portanto, o argumento desse artigo para reduzir os prazos a metade acabaria por não se aplicar, dando como exemplo a 1ª parte do nº1 do artigo 143º do CPTA que dispõe “salvo disposto em lei especial”.

Há que atender a situações em que não é admitido recurso, constando do artigo 145º nº2 alíneas a) e b) do CPTA, tendo como consequência o indeferimento do requerimento.

A alínea b) desse artigo tem a particularidade de remeter para o nº4 do artigo 146º do CPTA, o que significa que se o juiz entender que as conclusões do recurso não existem ou são mal formuladas, convidará o recorrente a aperfeiçoá-las. Esta remissão tem como objetivo a admissão da correção ao recurso nos idênticos termos que se admite a sua correção na 2ª instância.

Posto isto, o recurso não pode ser rejeitado ainda que por qualquer motivo não contenha conclusões, tendo de ser dada oportunidade ao recorrente para completar a sua alegação.

Este é o regime que consta igualmente do CPC e inclusive a jurisprudência foi alterando a sua posição, pois inicialmente não era possível, mas com essas sucessivas alterações que foram efetuadas, os recorrentes podem corrigir alguma insuficiência da alegação.      



Recurso de apelação

É um recurso que pretende a reapreciação de uma decisão que ainda não transitou, pretensão essa dirigida a um tribunal de hierarquia superior, com o intuito de revogar ou substituir a decisão tomada em instância inferior, por uma decisão que seja mais favorável a quem recorre (recorrente).

O recurso de apelação é um recurso substantivo, que visa não só a correção do que foi julgado anteriormente, mas também uma pronúncia definitiva sobre a questão de fundo.

O recurso de apelação é um recurso sobre matéria de facto e matéria de direito (artigo 149º nº1 do CPTA). Em regra, o tribunal do recurso deve conhecer do mérito da causa, ainda que declare nula a sentença, evitando baixar o processo à 1ª instância e com isso aplicando o princípio da economia processual. Este recurso é interposto para o Tribunal Central Administrativo para que este julgue de novo o mérito da causa e se este o julgar procedente substitui a decisão recorrida por uma nova decisão, podendo existir novos meios de prova (artigo 149º nº1 do CPTA).

Decorre do disposto no nº2 do artigo 149º do CPTA em que se o tribunal recorrido (1ª instância) tiver “deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio”, o tribunal de recurso conhece delas (e não se diz pode conhecer, tem o poder-dever), desde que “nada obsta à apreciação daquelas questões”, o que significa que o tribunal de recurso tem alguma limitação para poder apreciar a questão que veremos seguidamente, embora seja entendimento do STA que “um acórdão do TCA incorria em omissão de pronúncia por ter deixado de se pronunciar sobre questão que o tribunal de primeira instância não tinha chegado a apreciar, quando a análise dessa questão se tornou necessária por efeito da decisão revogatória operada no recurso de apelação (acórdãos de 22 de março de 2011, Processo n.º 916/10, e de 29 de maio de 2014, Processo n.º 502/12)4”.

As razões que podem levar a que o tribunal de 2ª instância não possa conhecer dessas questões, são casos muito particulares, tais como, nos casos da instância ter sido incorretamente constituída e nesse caso o processo terá de ser remetido à 1ª instância, e o caso de que o conhecimento do mérito da causa em 2ª instância está dependente da aplicabilidade do regime “quanto à instrução, discussão, alegações e julgamento em primeira instância5”.

Tudo isto condiciona a ação do tribunal de recurso, podendo remeter-se para o artigo 90º e seguintes do CPTA.

Se todas estas disposições não forem suficientes para a pronúncia, então não haverá conhecimento do mérito da causa em 2ª instância.

Embora estas especificidades, tudo isto não obsta a que se algumas questões não forem conhecidas em 1ª instância, que o tribunal de 2ª instância não as possa conhecer realizando para isso a produção de prova. 

Se em 1ª instância não existir pronúncia de mérito e se conclua que não há fundamento para o não conhecimento, o tribunal de recurso deve conhecer esses pedidos, tal como decorre do disposto no nº3 do artigo 149º do CPTA. A intervenção da 2ª instância tem de contemplar a pronúncia dos interessados para que seja exercido o contraditório, existindo dois momentos relevantes para a audição; são eles o descrito no nº4 do artigo 149º do CPTA, tendo as partes 5 dias para se pronunciarem sobre os meios de prova a produzir; e o disposto no nº5 do artigo 149º do CPTA tendo as partes 10 dias para exercer o contraditório sobre as questões de fundo.

O tribunal de 2ª instância não está inibido de determinar nova produção de prova se tiver dúvidas sobre a prova que foi produzida em 1ª instância, enquadrando-se no artigo 149º nº1 do CPTA, quanto à matéria de facto, pelos poderes que lhe são conferidos.

Quanto à questão de novos vícios, coloca-se a questão se os vícios podem ser invocados em sede de recurso. Cumpre estabelecer que se a 1ª instância conheceu do mérito da causa e se pronunciou há uma limitação na 2ª instância.

Se por outro lado, em 1ª instância não houve pronúncia sobre o mérito da causa e o tribunal de recurso possa conhecer esse mérito ( artigo 149º nº 3 do CPTA), esta questão é remetida para o regime descrito no nº4 do artigo 149º do CPTA relativo “à instrução, discussão, alegações e julgamento em primeira instância”, não havendo entrave a que haja lugar à apreciação de novos vícios que decorram, embora tenha de ser preenchido o requisito de que o conhecimento dos factos advenha da superveniência dos mesmos.  

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4 Mário Aroso de Almeida/Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao código de processo nos tribunais administrativos, 2ª edição, 2016, p. 1136. 

5 Artigo 149º nº 4 in fine do CPTA.


No entanto, para que seja admissível recurso para um tribunal hierarquicamente superior é necessário que o valor da causa seja superior à alçada do tribunal do qual se recorre (artigo 142º nº1 do CPTA). Esta é igualmente a ideia expressa na lei processual civil (artigo 629º nº1 do CPC).

À semelhança de processo civil, o CPTA consagra “uma regra que associa a admissibilidade de recurso de apelação das decisões proferidas em primeiro grau de jurisdição ao valor da causa, que deve ser reportado ao valor da alçada do tribunal que proferiu a decisão6”.

Esta ideia está presente no artigo 6º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), que prevê a existência de alçadas, o que reveste uma grande importância e leva a que seja obrigatória a indicação do valor da causa na petição inicial tal como dispõe o artigo 31º nº1 do CPTA e o artigo 78º nº2 alínea h) do CPTA, podendo assim determinar se admite recurso da sentença proferida em 1ª instância.

Cabe referir que há casos em que o STA e o TCA têm alçada correspondente ao dos TAC, sendo coincidente com os tribunais de 1ª instância judiciais, em que o valor é de 5000 euros. Portanto, há sempre lugar a recurso independentemente do tribunal que tiver proferido a decisão de mérito, se ao valor da causa corresponder o valor de 5000 euros ou valor superior, atendendo ao valor da causa e ao valor da sucumbência, sendo o valor da sucumbência o “montante do prejuízo que a decisão recorrida importa para o recorrente, aferido pelo teor da alegação do recurso e pela pretensão nele formulada, equivalendo, pois, ao valor do recurso, traduzido na utilidade económica que, através dele, se pretende obter7”.

Posto isto, em regra não pode haver recurso das decisões que sejam proferidas em 1ª instância em processos cujo valor seja inferior aos 5000 euros.

A causa deve ter um valor certo (artigo 31º nº1 do CPTA), mas pode igualmente ter um valor indeterminável e nesse caso considera-se que sendo o valor indeterminável ele é superior ao valor da alçada do tribunal de 2ª instância (superior ao valor da alçada do TCA), o que releva, pois, sendo superior ao valor da alçada do TCA é uma causa que admite recurso para o STA.

Mas há casos em que, independentemente do valor da causa e do valor da sucumbência, é sempre possível haver recurso, consubstanciando uma exceção ao referido anteriormente e que constam do disposto no nº3 do artigo 142º do CPTA.



Recursos de revista

Os recursos de revista estão presentes nos artigos 150º e 151º do CPTA e são constituídos por duas modalidades: um recurso de revista de decisões proferidas em 2ª instância que se encontra no artigo 150º do CPTA possibilitando um duplo grau de recurso e um recurso de revista per saltum de decisões proferidas por tribunais de 1ª instância segundo o disposto no artigo 151º do CPTA.

É de salientar que contrariamente aos recursos de apelação que versam sobre matéria de facto e de direito, os recursos de revista versam somente sobre matéria de direito permitindo ao STA analisar de forma discricionária, não estando condicionado pela decisão proferida na instância inferior, sendo que todos os recursos que lhe sejam solicitados são analisados por 3 juízes.

O recurso de revista é um recurso excecional dentro dos recursos ordinários, sendo o

recurso de apelação o recurso regra, pois de um modo geral os recursos seguem a tramitação de recurso de apelação.

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6 Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2ª ed., Almedina, 2016, p.406.

7 http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_Direito_Processo_Administrativo.pdf


Recurso de revista

Presente no artigo 150º do CPTA e prevê a possibilidade de recurso de revista das decisões proferidas pelos tribunais de 2ª instância (TCA) admitindo um duplo grau de recurso, que se concretiza no recurso efetuado da 1ª instância para a 2ª instância e igualmente recurso da 2ª instância para o STA. Em princípio os recursos que a 2ª instância profere em sede de recurso de apelação não cabe recurso de revista para o STA, no entanto, o artigo 150º nº1 do CPTA admite que a título excecional esse recurso de revista seja admitido. Este recurso é admitido segundo uma valoração qualitativa pois estão em causa questões de “relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”. Todo este procedimento, serve em regra de orientação para os tribunais inferiores.

Por maioria de razão, para poder haver recurso para o STA, deverá o valor da causa exceder a alçada dos tribunais de 2ª instância.

A revista é admitida tendo como fundamento a violação de lei substantiva ou processual (artigo 150º nº2 do CPTA).

O recurso de revista tem algumas especificidades, podendo o ordenar a baixa do processo quando seja necessário ampliar a matéria de facto aplicando as regras do CPC presentes nos artigos 682º nº3, 683º nº1 e 684º nº2 do CPC, pois o CPTA não contém referências específicas nesse campo.

Dado que o STA não julga matéria de facto, limitando-se a aplicar o direito aos factos fixados pelo tribunal recorrido, daí a necessidade de remeter o processo à instância inferior para alterar a matéria de facto.

O STA aplica de forma definitiva o regime jurídico que considere adequado perante os factos fixados pelo tribunal recorrido, pois o STA trata somente sobre matéria de direito.

A ideia expressa no nº4 do artigo 150º do CPTA é de que mais uma vez o STA não tem poderes para modificar a matéria de facto, podendo, no entanto, intervir com vista ao apuramento dos factos que sejam relevantes quando haja um erro na apreciação das provas ou na fixação dos factos materiais. Decorre do artigo 150º nº4 do CPTA que a validade da decisão sobre a matéria de facto pode ser questionada e se isso acontecer o processo baixa à 2ª instância para alteração da matéria de facto.

Cabe ao STA avaliar se deve ou não admitir o recurso, tendo de preencher requisitos, tais como, questões fundamentais ou que sejam necessárias para uma melhor aplicação do direito como decorre do nº1 do artigo 150º do CPTA.

A atribuição dessa avaliação cabe a 3 juízes dos mais antigos da secção de contencioso administrativo, pois estes é que vão determinar se é admitido o recurso ou não e da decisão dos 3 juízes não cabe recurso, cabendo apenas a impugnação perante o Pleno da secção. Sendo assim, “a decisão de admissão ou não admissão do recurso é definitiva8”.

O papel do STA serve de regulador do sistema julgando as causas mais importantes, sendo a última instância e a mais competente para analisar as questões, dado que nenhuma outra instância é constituída por 3 juízes, que funcionam como que um coletivo nos tribunais judiciais quando os processos são complexos, servindo de uma maior segurança para que sejam evitados erros.

No entanto, a necessidade de intervenção do STA tem de ser marcada por um interesse que seja mais do que o interesse individual das partes, tendo de ser marcada por uma utilidade que releve socialmente para que haja uma melhor aplicação do direito.

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8 Mário Aroso de Almeida/Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao código de processo nos tribunais administrativos, 2ª edição, 2016, p. 1156. 


O recurso de revista deve funcionar como um recurso de segurança do sistema e as questões ao STA remetidas devem revestir relevância prática.



Revista per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo

O recurso de revista per saltum estão presentes no artigo 151º do CPTA e consistem em recorrer da 1ª instância para o STA e daí a qualificação de “per saltum” porque não passa pela 2ª instância, decorre diretamente da 1ª instância para o STA e tal como o recurso de revista versa igual e unicamente sobre questões de direito.

Para que se possa recorrer ao STA terão de estar preenchidos alguns requisitos, a saber:

- Tratam de questões de mérito (artigo 151º nº1 do CPTA).

- As partes apenas podem suscitar questões de direito (artigo 151º nº1 do CPTA).

- O valor da causa tem de ser superior a 500.000 euros ou ser indeterminável (artigo 151º nº1 do CPTA).

- O processo não pode respeitar a atos administrativos sobre questões de emprego público ou de segurança social (artigo 151º nº2 CPTA).



Preenchidos estes requisitos pode haver recurso de revista per saltum, quando a matéria de facto não suscita controvérsia entre as partes. Se a matéria de facto suscitar controvérsia entre as partes, o processo baixa ao TCA para que o recurso aí seja julgado como apelação (artigo 151º nº4 do CPTA), discutindo-se matéria de facto e de direito tal como consta do artigo 149º nº1 do CPTA.

Nestes casos o recurso é interposto por meio de requerimento que é a regra para os recursos, presente no artigo 144º nº2 do CPTA.       

Mesmo que o recorrente não indique a espécie de recurso no seu requerimento o juiz tem o dever de o fazer seguir como recurso per saltum.

A decisão do relator que não admita recurso é definitiva não podendo ser objeto de impugnação (artigo 151º nº4 do CPTA).

No entanto, no nº5, pelo contrário “se o relator admitir o recurso poderá haver reclamação para a conferência”.

Como se percebe esta decisão, pois se as questões ultrapassarem o âmbito da revista, como por exemplo, tendo de ser analisadas questões de facto, entende-se o porquê de o STA não admita o recurso, porque os recursos de revista só versam sobre matéria de direito e não matéria de facto.



Conclusão

Para concluir perante o exposto anteriormente, verifica-se que a matéria de recursos é complexa, para cada tipo de recursos há especificidades únicas, embora haja a parte geral que se aplique a todos os tipos de recursos. Constata-se igualmente que se aplicam muitas disposições do CPC, embora a título subsidiário, pois o CPTA não contempla todas as questões sobre a matéria.

Serve este trabalho para refletir sobre as questões de recursos, embora muito mais haveria a referir e a refletir, pois é uma matéria que está desenvolvida mas, talvez, não o suficiente, carecendo de uma maior e mais vasta abordagem, com pontos de vista diferenciados.

No entanto, há que referir que esta abordagem serve para ilustrar a complexidade da matéria e que muito mais haverá a desenvolver.













Bibliografia: 



Livros:

José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 14ªedição, Almedina, 2015



Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2ª ed., Almedina, 2016



Mário Aroso de Almeida/Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao código de processo nos tribunais administrativos, 2ª edição, 2016





Sites consultados: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_Direito_Processo_Administrativo.pdf

 http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fiscal/eb_RevisaoCPTA_I.pdf






sábado, 24 de novembro de 2018

Petição Inicial


Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa

Campus de Justiça

Av. D. João II, nº. 1.08.01- Edifico G – 6º. Piso,

Parque das Nações



Ex.mo Senhor Juiz de Direito do Tribunal
Administrativo de Lisboa


LISBOA É UM ESTALEIRO, S.A, pessoa coletiva, com o NPC 500500500, registada na Conservatória de Lisboa com o número 500500500, sita na rua Duque de Palmela, nº26, 1250-098, Lisboa, representado judicialmente por Beatriz Teixeira, Diogo Fonseca, Joana Gonçalves, Joana Lima, Micaela Costa Pinto e Rita Calado, todos advogados da Sociedade Bem Para Todos, com sede na Alameda da Cidade Universitária, n.º666, vem pela presente petição inicial propor:



AÇÃO ADMINISTRATIVA, nos termos do artigo 37.º/1. alínea a) e b) e 72.º e seguintes do CPTA,




Contra,



MUNÍCIPIO DE LISBOA, com sede em Praça do Município, 1100-038, Lisboa, o que faz nos termos do artigo 10.º/2. do CPTA e ASSOCIAÇÃO DE MORADORES, com sede na Avenida das Forças

Armadas, número 87, 3.ºB, Lisboa, demandada como contra-interessada, nos termos do artigo 10.º/1. do CPTA.



O que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:



I- DOS FACTOS




A 10 de junho de 1943, numa iniciativa de João Pereira da Rosa, diretor do jornal “O Século” à data dos factos, e com o intuito de financiar colónias de férias para crianças carenciadas, foi inaugurada a Feira Popular, em Palhavã – Lisboa.




Por motivos de liquidez financeira, João Pereira da Rosa viu-se obrigado a criar um financiador empresarial para a obra e, após autorização municipal, houve a necessidade de alterar a localização da Feira Popular, passando a sua instalação para Entrecampos, onde permaneceu até à data do seu encerramento.



A 24 de Fevereiro de 1984, a Sociedade Lisboa é um Estaleiro, S.A, celebra um contrato de compra e venda de um prédio urbano, sito em Campo Grande, 1 -A, 1700-086 Campo Grande, com José Manuel           Campos Sousa e Mello.



O terreno possuía uma construção inacabada de um edifício cuja planta inicial projetava um prédio de 13 andares, destinado a habitação. Por incapacidade financeira, José Sousa e Mello viu-se obrigado a vender o seu ambicionado projeto à sociedade de construção civil que viu no contrato de compra e venda uma possibilidade de investimento.



A sociedade deu continuidade à construção do edifício, seguindo a planta desenhada para o projeto de

José Sousa e Mello, com o objetivo de, depois de construídos, os apartamentos serem objeto de contratos de arrendamento.


Sendo que,


O prédio urbano é contíguo ao terreno onde se encontrava instalada a Feira Popular de Lisboa, mais concretamente ao Lote B2 (ANEXO 1,2), que agora se pretende alienar.


A 28 de março de 2003 procedeu-se ao fecho da Feira Popular, motivado pelo envelhecimento e degradação das estruturas. Porém, ficara estipulado a posterior criação de um novo parque de diversões, mais moderno e seguro.



Em 2005, os terrenos do Parque Mayer, pertencentes à empresa Bragaparques passaram para a posse da Câmara Municipal de Lisboa e, em contrapartida, à empresa ficou atribuído metade do lote do terreno de Entrecampos.


Contudo,


Esta permuta, entre a Câmara Municipal de Lisboa e a Bragaparques, veio a ser declarada nula, em 2012, pelo Tribunal Central Administrativo.

10º


Em 2015 foi discutida a Proposta de deliberação de Hasta pública para a alienação da parcela de terreno municipal, com a área de 42.550m2, situada no Quarteirão delimitado pelas Avenida das Forças Armadas, Avenida da República e 5 de Outubro. A mesma ficara condicionada à aceitação pela Câmara Municipal da Recomendação n.º 2/77.

 

11º


Ainda que concretizadas as alterações exigidas pela Recomendação n.º2/77 e aprovada a colocação dos terrenos em hasta pública, a Câmara Municipal de Lisboa não recebera nenhuma proposta. Deste modo, a hasta pública ficou adiada para momento posterior.


12º


No dia 17 de maio de 2018, a Câmara Municipal de Lisboa, reuniu, novamente, e aprovou a abertura de um período de discussão pública das Orientações Estratégicas para Operação Integrada de Entrecampos, bem como o início do procedimento de delimitação da Unidade de execução de Entrecampos e a abertura do respetivo período de discussão pública pelo prazo de 20 dias.

Sendo que,


13.º


As Orientações Estratégicas para a Operação Integrada de Entrecampos têm em vista, entre outras coisas, a criação de 700 fogos de habitação, com a renda acessível para classes médias, e 285 em regime de venda livre, criar um centro de serviços de referência internacional em Entrecampos e garantir áreas de espaço público de qualidade.


14.º


As Propostas 419/CM/2018 e 419 –B/CM/2018 sobre aprovação das Orientações Estratégicas para Operação Integrada de Entrecampos e a delimitação da Unidade de Execução de Entrecampos foi aprovada no dia 12 de julho de 2018.


Segundo esta,

15º


Câmara Municipal de Lisboa fica responsável pela realização das obras de urbanização, nomeadamente pela abertura de um novo arruamento, reabilitação dos já existentes e a criação de espaços verdes.



16º


Colocou-se novamente em debate a possibilidade de alienação dos terrenos da antiga Feira Popular. Desta vez, abriu-se a possibilidade de o terreno ser dividido em parcelas, sendo que apenas duas seriam

colocadas em hasta pública e a terceira objeto do desenvolvimento de um projeto urbanístico.



17º


No dia 24 de julho de 2018, a Proposta 469/CM/2018 sobre Alienação em hasta pública de 2 lotes e 2 parcelas de terreno (ANEXO 3,4,5,6) para construção integrante da Operação Integrada de Entrecampos, foi debatida e votada. Tendo a mesma sido aprovada por maioria.



18º


Entre outras questões, ficou decidido nesta proposta a alienação em hasta pública das parcelas A e C e dos lotes B1 e B2 todas destinadas a construção, melhor identificadas nas Plantas.



19.º


O programa urbanístico a ser desenvolvido pela Câmara terá lugar em vários pontos do centro Lisboeta nomeadamente, no vazio urbano da antiga Feira Popular, no terreno da Av. Álvaro Pais e no Loteamento Municipal da Av. das Forças Armadas.



20º


A sociedade LISBOA É UM ESTALEIRO, S.A, não foi notificada pela Direcção-Geral do Tesouro e Finanças ou pelas direções de finanças ou serviços de finanças competentes sobre o dia, hora e local da realização da hasta pública para exercer o seu direito de preferência.



Sendo que, 

21º


Apenas teve conhecimento da hasta pública dos terrenos de Entrecampos, através da consulta que fizera ao Diário da República, três dias após ser publicada. Imediatamente tentou contactar o presidente da

Câmara, de forma a dar-lhe conhecimento de que era proprietário de um imóvel contíguo aos terrenos da antiga Feira.



Contudo

22º


Até à data a sociedade LISBOA É UM ESTALEIRO, S.A, nunca recebera nenhuma resposta por parte do órgão do Município.



23º


A Sociedade Lisboa é um Estaleiro, S.A, sempre ambicionara a aquisição dos terrenos, para poder dar utilidade a um espaço completamente degradado, melhorando a vista dos inquilinos do prédio de que é proprietário.



Assim,

24º


Tendo perdido alguma da sua capacidade financeira, consequência de um período de crise no sector da construção civil, LISBOA É UM ESTALEIRO, S.A, viu-se obrigada a contrair um empréstimo, junto do Banco EmprestaTudo de forma a poder pagar todas as dívidas que tinha à segurança social e assim apresentar os requisitos necessários à sua participação.

25º


Ao contratar um arquiteto para desenhar o projeto pensado pela sociedade LISBOA É UM ESTALEIRO,

S.A, esta veio ter conhecimento de um parecer do Ministério Público que relata as ilegalidades do projeto que poderão vir a pôr em causa a estrutura da construção pensada pela sociedade.



26º


Este projeto urbanístico esteve em discussão, anteriormente, sendo que algumas das suas medidas mais significativas já teriam ficado estabelecidas, nomeadamente a área a construir destinada a habitação.



27º


Quando votada e aprovada, a Proposta destinava 25% da edificação à habitação e, agora, a Câmara Municipal de Lisboa decide reduzir, sem consulta dos interessados, a área de habitação para 20%.



28º


Tal alteração consagra uma clara violação das decisões autárquicas e põe em causa a confiança depositada no projeto que a Câmara pretende desenvolver, uma vez que fora uma alteração feita, sem que tenha sido votada e dada a conhecer.

29º


Quanto ao Plano Diretor Municipal de Lisboa (PDM)(ANEXO 7) apresenta uma proposta sobre a ocupação do solo, estabelecendo os principais parâmetros urbanísticos: superfície de pavimento, a

volumetria e distribuição de usos dos novos edifícios a erigir, bem como o desenho urbano, realização de todas as obras de urbanização e qualificação de Espaço Público indispensáveis à regeneração da área de intervenção e à realização das futuras operações urbanísticas.



30º


Uma das medidas visadas pelo Megaprojeto consiste na construção de um parque de estacionamento subterrâneo, com capacidade para 1800 carros e consequente eliminação de cerca de 200 lugares já existentes à superfície.



31º


Atendendo ao facto de a Câmara Municipal de Lisboa prever, com a construção do Megaprojeto, a criação de 15 mil novos postos de trabalho, tal capacidade afigurar-se-á insuficiente, o que poderá originar maiores dificuldades de estacionamento e congestionamento do trânsito.



32º


Para além das dificuldades a nível de trânsito, tem um nítido impacto ambiental, com o aumento de gases poluentes na cidade de Lisboa e assim a diminuição de bem estar da população envolvente.

 33º

A Associação de Moradores da Praça de Entrecampos já manifestou o seu descontentamento para com a construção do megaprojecto da Câmara Municipal de Lisboa, quer na reunião de dia 5 de junho de 2018, quer posteriormente na criação de um abaixo-assinado com o intuito de obstar ao prosseguimento da obra (ANEXO 8,9).


34º


O PDM visa a proteção de estrutura ecológica, nomeadamente, da biodiversidade existente no Município de Lisboa.



35º


Faz parte desta biodiversidade a espécie Platalea leucorodia (Colhereiro), sendo que a sua rota migratória passa pela região de Lisboa (ANEXO 10).

36º


De acordo com vários autores (Manville 2009, Klem e Saenger 2013) estas aves não conseguem ver vidro transparente ou refletivo, indo, assim, contra grandes edificações de vidro. São aves que se encontram em vias de extinção, pelo que a sua preservação se afigura como fundamental.



37º


O Megaprojecto prevê a construção de um edifício esférico totalmente coberto por vidro. Estruturas como estas são uma das principais causas de morte de aves migratórias, como a  ave Platalea leucorodia, em meios urbanos. 


 38º

O PDM visa, também, a eficiência energética de todo o novo edificado em Lisboa.



39º


Diversos estudos, entre eles, os dos autores John Straube, Mats Larsson, comprovam a diminuída eficiência energética de edifícios integralmente constituídos por vidro, por ser particularmente difícil a manutenção da temperatura no interior dos mesmo.


Deste modo,

40º

Estas edificações totalmente envidraçadas previstas no projeto são energeticamente ineficientes.



Quanto ao parecer da ANAC,

41º


A Autoridade Nacional de Aviação Civil, ANAC, é a entidade que compete definir os requisitos e pressupostos técnicos subjacentes à emissão dos atos afetos à aviação civil. (ANEXO 11)



42º

Aquando da realização do Megaprojeto, a ANAC não foi consultada.



II- DOS FUNDAMENTOS DE DIREITO


Enquadramento Processual Âmbito de Jurisdição



43º


A presente ação cumpre todos os requisitos de admissibilidade previstos no CPTA e no ETAF.

A situação em causa encontra-se no âmbito da jurisdição administrativa, nos termos dos artigos 212º/3. CRP, artigo 4º/.1 al. b) do ETAF e artigo 148º do CPA.



44º


Já no âmbito da Jurisdição Administrativa cabe determinar a competência do tribunal, em razão da matéria, da hierarquia e do território.

São competentes os Tribunais Administrativos e não os tribunais tributários



45º


Em razão da hierarquia os Tribunais Administrativos de Círculo ou de 1ª instância, nos termos do artigo

44º/1º do ETAF, culminando na não aplicação dos artigos 24º e 25º do ETAF (excluindo a competência do Supremo Tribunal Administrativo) e do Artigo 37º (afastando a competência dos tribunais centrais administrativos);



46º


A competência em razão do território, aferimos do Artigo 20º1 do CPTA (prática de atos administrativos das autarquias locais são intentados no tribunal da área da sede) e Artigo 3º1 do DL 325/2003 de 29 de dezembro

Da Legitimidade das partes 


47º


O Autor da petição inicial tem legitimidade processual por via do art. 9.º, n.º1, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, na medida em que é parte na relação material jurídico-administrativa controvertida.



48º


Entende o Autor, que o Réu tem legitimidade processual passiva nos termos do artigo 10º1 e 2 do CPTA, já que neste caso, a legitimidade passiva corresponde ao Município de Lisboa, sendo este a pessoa coletiva de direito público, nos termos do preceito anterior.



49º


Visto estarmos perante uma entidade pública, nos termos do artigo 10º2 do CPTA, demanda-se a pessoa coletiva e não órgão que praticou o ato administrativo impugnado sendo então sujeito de legitimidade passiva o Município de Lisboa.



50º


Por regra, os particulares, enquanto autores, intentam processos dirigidos contra a Administração. Porém na ação administrativa, a lei obriga a indicação daqueles que tenham pretensão oposta à do Autor, com interesses diretos e pessoais, traduzindo-se na hipótese de poderem participar no processo, nos termos do artigo 10º/1º e artigo 57º do CPTA.



51º


No nosso caso, a Associação de moradores tem um claro interesse na construção dos prédios, criando inclusive o movimento “Recriar a Feira Popular mais o seu Poço da Morte”



52º

Estamos perante um litisconsórcio necessário passivo, por força do artigo 10º1 do CPTA.



53º


Carece este caso da participação do Ministério Público, como Magistrado em defesa da legalidade e do interesse público, que poderá configurar-se como parte acessória especial, segundo o artigo 365º do

Código do Processo Civil que remete para a Lei Orgânica do Ministério Público (Lei Nº. 47/86 de 15 de outubro), no seu artigo 6º.

  

Cumulação de pedidos

 53º


A cumulação de pedidos no procedimento administrativo tem como vantagens a celeridade e economias processuais, facilitando assim o cumprimento do objetivo do autor.



54º


O princípio da livre cumulabilidade encontra a sua consagração legal no artigo 4º do CPTA. Assim, considera o Autor estarem preenchidos os requisitos deste nº. 1 deste preceito, nomeadamente, na alínea

b) onde refere “sendo diferente a causa de pedir, a precedência dos pedidos principais depende essencialmente da apreciação dos mesmos factos”.



55º


O autor visa cumular ao pedido de impugnação da hasta pública, o pedido de impugnação das decisões relativas à realização do megaprojeto, permitida pelo disposto no artigo 4.º/1 b), do CPTA.



56º

Os pedidos a cumular estão previstos no artigo 4.º/2 alínea d) do CPTA.



57º


Cumula-se também subsidiariamente, aos pedidos de impugnação, o pedido de condenação à prática de acto devido.



58º


O pedido subsidiário consagra um pedido que apenas é apreciado no caso de improcedência dos  pedidos de impugnação, pelo que a sua incompatibilidade é uma característica típica da cumulação de pedidos subsidiários.



59º


A cumulação de pedidos subsidiários é conforme aos princípios de contencioso administrativo, nomeadamente ao princípio da livre cumulação de pedidos.



60º


A tutela jurisdicional efetiva consagrada no artigo 2º do CPTA e no artigo 268º da CRP obriga a que sejam disponibilizados aos particulares todos os meios de tutela possíveis para que este obtenha uma decisão justa e eficaz.




Da impugnação da hasta pública


61º


Nos termos do preceituado no artigo 55.º, n.º1, alínea a) do CPTA tem legitimidade ativa para impugnar atos administrativos quem invoque ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos (Mário Aroso de Almeida, in “Manual de Processo Administrativo”, 2010, Almedina, pág.234).


62º


A Sociedade LISBOA É UM ESTALEIRO, S.A possui um interesse pessoal e direto na impugnação da hasta pública, na medida em que é titular de um direito de preferência que não está a ser respeitado pela Câmara Municipal de Lisboa.

Por outro lado, o facto de se ter proposto enquanto participante na hasta pública confere-lhe um interesse direto para propor a ação, na medida em que possui expectativas jurídicas quanto ao correto funcionamento da alienação, merecedor de tutela legal.

63º


O direito de preferência é um direito real que confere ao titular o direito de prevalência e sequela, sobre o objeto preferido. Nos termos do artigo 1380.º do CC é atribuída preferência, no âmbito de uma alienação, aos proprietários de terrenos confinantes ao terreno que será objeto de transmissão.



64º


O site oficial da Câmara de Lisboa confere a informação de que, nas hastas públicas de imóveis não habitacionais devolutos, é reconhecido o direito de preferência aos proprietários dos prédios contíguos,

sendo que a Sociedade Lisboa é um Estaleiro, S.A possui um prédio contíguo ao Lote B2, nos termos do

artigo 83.º, do DL 280/2006, de 07 de agosto competiria às entidades supra mencionadas a notificação do

titular do direito de preferência para a futura alienação dos terrenos, sendo que a Sociedade Lisboa é um

Estaleiro, S.A, apenas teve conhecimento da alienação em virtude de uma consulta ao Diário da República


Da legalidade urbanística do megaprojeto



65º


A sociedade tem também um interesse directo e pessoal na impugnação das anteriores decisões do megaprojeto, na medida em que possui um imóvel em Entrecampos e um direito de preferência sobre um terreno, que poderão vir a ser afetados pelos vícios do Megaprojeto, no qual investiu durante vários anos, que poderá vir a ser desvalorizado pelo desenvolvimento de um projeto urbanístico que padece de vários vícios.


66º


Constam do art. 2º do Plano Director Municipal os objectivos estratégicos para o município de Liboa, entre eles “Recuperar, rejuvenescer e equilibrar socialmente a população de Lisboa” e “Promover uma cidade ambientalmente sustentável e eficiente na forma como utiliza os recursos, incentivando a utilização de recursos renováveis, uma correcta gestão de resíduos, a agricultura urbana e a continuidade dos sistemas naturais e aumentando a resiliência urbana”.



67º

Quanto à estrutura ecológica, a preservação desta está prevista nos termos do artigo 11º do PDM.


68º


A eficiência energética das edificações do Município de Lisboa está prevista nos termos do artigo 20º1 b) do PDM.



69º


Cabe à ANAC licenciar, certificar, autorizar, homologar, aprovar, credenciar e reconhecer as atividades e os procedimentos, as entidades, o pessoal, as aeronaves, as infraestruturas, equipamentos, sistemas e demais meios afetos à aviação civil, bem como definir os requisitos e pressupostos técnicos subjacentes à emissão dos respetivos atos (PROVA4).

70º


A constituição das servidões aeronáuticas segue o regime constante do DL n.º 45 987, de 22 de Outubro de 1964 e subsidiariamente o regime das servidões militares, estabelecido na Lei n.º 2078, de 11 de Julho de 1995.


71º


As zonas das servidões aeronáuticas e os limites do espaço aéreo por ela abrangidos são definidos para cada caso, por Decreto do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (artigo 7.º e 11.º do DL 45 987 e artigo 1.º do DL n.º 45 986).

72º


As servidões aeronáuticas classificam-se em servidões gerais ou servidões particulares (artigo 3.º do DL

n.º 45 987). No que toca ao Megaprojeto Para EntreCampos é entendido que se trata de uma servidão geral, que segundo o artigo 4.º do DL n.º 45 987, trata-se da proibição de executar, sem licença da autoridade aeronáutica as atividades e trabalhos que são elencados nas alíneas da norma mencionada.


73º


A ANAC pronuncia-se desfavoravelmente ao Megaprojeto Para EntreCampos, e assim padecendo de impugnação, devido à omissão de consulta obrigatória de que a ANAC deveria ter dado o seu parecer, por violação do art.º 4., alínea a) e i), do Decreto-Lei n.º 45 987/1964, de 22 de outubro, revoga o Decreto-Lei n.º 19 681/1931, de 30 de Abril. 


74º


A ANAC reitera que seja contido no Megaprojeto para EntreCampos, segundo o artigo 13.º do DL n.º

45 987, mediante notificação aos interessados, a sinalização da construção, estrutura ou obstáculo de qualquer natureza que afete a segurança da navegação aérea. A ANAC tem autoridade para instalar balizas e sinais para ajudas visuais à navegação aérea no terreno, paredes ou telhados, notificando previamente os proprietários e ficando aqueles com direito a serem indemnizados dos prejuízos que daí lhes advierem.



Da condenação do ato devido


75º


O artigo 66º e ss do CPTA, concretiza o artigo 268º/4 da CRP que confere aos Tribunais Administrativos o poder de procederem à determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos.



76º


A administração não teve em conta a prática de um ato administrativo que foi legalmente omitido. Neste caso concreto, a sociedade de construção tinha um direito de preferência (artigo 83.º, do DL 280/2006, de 07 de agosto).


77º


Desta forma, a administração devia ter notificado a sociedade “Lisboa é um Estaleiro” antes da comunicação da hasta pública, tendo o Autor apenas tido conhecimento na publicação do Diário da República.



78º


A condenação à prática do ato  devido é um componente essencial do princípio da tutela jurisdicional, plena  e efetiva dos particulares  face à administração.  


79º


Quanto à legitimidade, a sociedade “Lisboa é um Estaleiro”, nos termos do artigo 68º/1 a), tem um interesse legalmente protegido.  


80º


O pedido é a tutela jurisdicional do individuo, neste caso a condenação à prática do ato devido, dado a que a sociedade “tem direito de preferência.  


81º

A causa de pedir são os factos que individualizam o pedido e neste caso é a omissão do ato devido. 


82º

Neste âmbito, não seria necessário à apresentação do requerimento, nos termos do artigo 67º4 a).



Em suma,


Pedidos

 83º


1)  Anulação da decisão de colocar os terrenos em hasta pública sem prévia notificação, nos termos do artigo 163º1 do CPA;

2)  Anulação das decisões do Megaprojeto, nos termos do artigo 163º1 do CPA;

3)  Condenação à prática do ato devido, nos termos do artigo 66º e ss do CPTA;




III-DO VALOR DA CAUSA: o valor da compra dos terrenos (180.000.000€)



IV- DO ARROLAMENTO DE TESTEMUNHAS


i)        Especialista na proteção dos animais e biodiversidade, na pessoa de Tiago Simão, portador do cartão de cidadão n.º 51879924, NIF 882531, com domicílio na Rua das Laranjeiras, n.º 66, Lisboa

ii)      Trabalhadora na Avenida das Forças Armadas, na pessoa de Madalena Lemos, portadora do cartão de cidadão nº. 22236966, NIF 234444455 com domicílio na Avenida 3 de novembro, n.º24, Queluz-Belas

iii)     Especialista em Construção Civil, na pessoa de Raquel Vaz, portadora do cartão de cidadão nº.

793843400, NIF 2349494949, com domicílio na Rua dos Cravos, nº. 76, Lisboa

iv)    Representante dos moradores do prédio contíguo “Moradores De Entrecampos”, na pessoa de Inês Castanheira, cartão de cidadão nº. 33345677, NIF 38737493930, com domicílio na Rua do Campo Grande, 2 B, Lisboa



V – JUNTA:

-​  Procuração forense (ANEXO 12)

-  Comprovativo de pagamento de taxa de justiça (ANEXO 14)

-  Escritura pública (ANEXO 1)

-  Parecer da ANAC (ANEXO 11)

-  Ata da reunião dos Moradores (ANEXO 8)

-  Estatuto dos Moradores (ANEXO 13)

-  PDM (ANEXO 7)

-  6 imagens (5 da Planta do terreno; 1 biodiversidade das aves) 

-  Abaixo Assinado dos Moradores (ANEXO 9)



Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, que V.Ex., doutamente suprirá, deverá a presente ação ser julgada procedente por provada.



Os advogados


Joana Luís Gonçalves – nº 28204

Beatriz Teixeira – nº 28266

Joana Lima – nº 25977

Rita Calado – nº. 25959

Diogo Fonseca – nº28559

Micaela Costa Pinto – nº28155



Ano Letivo 2018/2019