Silêncio administrativo - o Indeferimento Tácito
Patrícia Infante, aluna nº 26041, 4º ano, Turma Dia,
subturma 8
De acordo com o artigo
67º do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos (adiante CPTA), a
condenação à prática do ato devido pode ser pedida em 4 situações. Neste
trabalho analisaremos uma em especial, a exposta no artigo 67º/1, a).
Começando por comparar
o antigo e o novo regime de contencioso administrativo quanto aos atos
administrativos, reparamos que o paradigma se alterou. A ação administrativa
observa uma dicotomia entre os pedidos relativos a atos que é diferente do
antigo regime. O novo regime contencioso divide a ação em dois pedidos: um
relativo ao pedido de impugnação dos atos administrativos e pedido de
condenação à prática do ato devido. No antigo contencioso só se poderia recorrer de atos
administrativos, ou seja, era pressuposto processual a existência de um ato
administrativo, fosse ele de deferimento ou indeferimento. Depois da
reforma do contencioso administrativo e das claras mudanças efetuadas, uma
grande parte da doutrina, nomeadamente os Professores Vasco Pereira da Silva e
o Professor Mário Aroso de Almeida consideram que o indeferimento tácito deixou
de existir porque passou a existir previsto um pedido que tem como objeto as
pretensões que emergem de omissão de atos administrativos.
Na alínea a) do artigo
67º/1 expressa-se que foi constituído dever de agir através do requerimento e a
entidade competente não se pronunciou, tendo permanecido omissa até expirar o
prazo. Esta previsão tem por objeto situações de incumprimento, por parte da
Administração da decisão que deveria ter sido proferida perante requerimentos
apresentados.
O expresso neste artigo
corresponde ao chamado indeferimento tácito nos termos do antigo artigo 109º do
Código de Processo Administrativo (adiante CPA). No regime anterior ao CPA de
2015, a lei dava ao interessado a hipótese de presumir indeferida a pretensão
deduzida. Se optasse por esta solução, o interessado criava assim, ele próprio
o indeferimento tácito para depois o impugnar (109º/1 do antigo CPA) como se se
tratasse de um ato de conteúdo negativo. A figura do indeferimento tácito era,
uma espécie de ficção legal de um ato administrativo criada porque no anterior
modelo administrativo era necessário que existisse um ato administrativo para
que o interessado pudesse utilizar a única forma de tutela, o recurso
contencioso.
Com a criação da norma
do 67º/1, a), a solução passa a ser outra: o incumprimento no prazo legal do
dever de decidir passa a ser uma omissão pura e simples, ou seja, um facto
constitutivo do interesse em agir para obter uma condenação à prática do ato
devido. Por este motivo, segundo o Professor Mário Aroso de Almeida, o CPTA não
refere a palavra silêncio e sim inércia (artigo 69º/1 CPTA) e os indeferimentos
são sempre expressos e nunca omissões, pois nelas não há lugar a
indeferimentos.
A ação de condenação à
prática do ato devido teve o efeito de invalidar tacitamente o artigo 109º/1 do
antigo CPA na parte em que este reconhecia aos particulares “a faculdade de
presumir indeferida a pretensão” por eles apresentada “para poder exercer o
respetivo meio legal de impugnação” pois passou a ler-se que o interessado
podia, em caso de falta de decisão do órgão competente, usar o meio de tutela
adequada, que é, a condenação à prática de ato devido.
A revisão de 2015
revogou o artigo 109º e definiu novos parâmetros nos artigos 128º e 129º. O
artigo 128º fixa o prazo em que os órgãos devem decidir os requerimentos
apresentados. Tal como expresso no artigo 67º/1, a), existe um prazo legal para
a emissão do ato devido e só perante a expiração deste, fica o particular com
poder de agir perante omissão da administração pedindo a prática do ato omitido,
sendo o prazo-legal fixado de 90 dias. A partir destes, o particular pode
considerar que já não tem de aguardar por decisão da Administração.
Já o artigo 129º do CPA estabelece que, “a
falta de prazo legal, de decisão final sobre pretensão dirigida a órgão
administrativo competente constitui incumprimento do dever de decisão,
conferindo ao interessado a possibilidade de utilizar os meios de tutela
administrativa e jurisdicional adequados.” Significa isto que o incumprimento
do dever de decisão por parte do órgão competente é hoje tratado no ordenamento
jurídico português, como uma omissão pura e simples, respeitando o que em cima
foi referido.
Não seria possível
falar sobre o indeferimento tácito sem fazer referência ao direto oposto, o
deferimento tácito.
A regra do artigo 129º
do CPA só é afastada quando a lei associa o silêncio da Administração dentro do
prazo, à criação de um ato administrativo favorável ao interessado: o
deferimento tácito que ao contrário do indeferimento tácito tem de estar
previsto na lei, como resulta do artigo 130º do CPA.
O deferimento tácito é
uma presunção legal que funciona para que a lei entenda que o silêncio da
Administração é favorável ao interessado e por isso vá substituir o ato
administrativo omitido. Na nossa opinião, que vai de encontro às opiniões dos
professores Vasco Pereira da Silva e Mário Aroso de Almeida, as situações de
deferimento tácito não cabem no artigo 67º/1, a) do CPTA pois nelas não há aso
a que se peça uma condenação à prática de ato devido. O conteúdo pretendido já
existe, e o ato de conteúdo positivo já foi decidido pelo órgão competente.
Seria, nas palavras do Professor Aroso de Almeida, “uma absurda e inaceitável duplicação de efeitos jurídicos(…)” [1]pois
os efeitos jurídicos que o ato devido iriam produzir já tinham sido produzidos
pelo ato tácito.
A previsão do artigo em
análise tem como objetivo responder à situação do interessado que se vê
confrontado com o silêncio da administração perante o requerimento.
Outra questão que a
norma levanta é de saber quando é que um requerimento constitui o órgão
competente no dever decisão. A resposta, segundo o Professor Aroso de Almeida
encontra-se no artigo 13º/2 do CPA.
O artigo exonera o
órgão competente do dever de decisão de um requerimento que lhe seja dirigido
se o mesmo particular tiver apresentado há menos de dois anos um requerimento
em que cria o mesmo pedido, com os mesmo fundamentos de facto e de direito, e
esse requerimento tiver obtido resposta expressa por parte da Administração.
Nesse caso, a Administração pode recusar a apreciação do requerimento sem que o
particular possa criar dessa recusa um processo a pedir decisão.
No entender do
Professor, o particular deve poder reagir através da condenação à prática do
ato devido, contra a recusa de apreciação com fundamento no 13º/2 do CPA, desde
que alegue que não se encontravam preenchidos os requisitos cumulativos de que
o artigo faz depender o afastamento do dever de decisão. São eles: que já
passaram dois anos desde a apresentação do outro requerimento ou que o novo
requerimento não se sustenta nos mesmos factos/direito que o anterior.
Neste caso, a ação procede se o
tribunal reconhecer que esses requisitos não estavam efetivamente preenchidos
e, portanto, nos termos do artigo 67º/1, a), o órgão competente tem o dever de
decidir dentro do prazo de 90 dias nos termos do artigo 128º do CPA, artigo já
analisado em cima.
Em conclusão e seguindo a doutrina
dos Professores já referidos acima, o indeferimento tácito, ao contrário do
deferimento que está expresso no regime contencioso administrativo, deixou de
existir pois o pedido de condenação à prática de ato devido passou a conter
pressupostos que claramente se referem a situações de omissão e de não
pronúncia, ou seja, defendemos que o ato tácito de indeferimento, neste caso,
deixou de existir pois não existe norma que disponha no sentido de que quando a
administração não responde é como se tivesse indeferido tacitamente.
BIBLIOGRAFIA:
- AROSO DE ALMEIDA, MÁRIO, Manual de Processo Administrativo, 2ª
edição, Almedina, Coimbra, 2016
- PEREIRA DA SILVA, VASCO, O Contencioso Administrativo no Divã da
Psicanálise – Ensaios Sobre as Ações no Novo Processo Administrativo, 2ª
edição, Almedina, Coimbra, 2009
[1] Citação
de Mário de Aroso de Almeida, Manual de
Processo Administrativo, 2ª edição, Coimbra: Almedina,2016, p.313
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