sábado, 8 de dezembro de 2018


Silêncio administrativo - o Indeferimento Tácito

Patrícia Infante, aluna nº 26041, 4º ano, Turma Dia, subturma 8


De acordo com o artigo 67º do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos (adiante CPTA), a condenação à prática do ato devido pode ser pedida em 4 situações. Neste trabalho analisaremos uma em especial, a exposta no artigo 67º/1, a).
Começando por comparar o antigo e o novo regime de contencioso administrativo quanto aos atos administrativos, reparamos que o paradigma se alterou. A ação administrativa observa uma dicotomia entre os pedidos relativos a atos que é diferente do antigo regime. O novo regime contencioso divide a ação em dois pedidos: um relativo ao pedido de impugnação dos atos administrativos e pedido de condenação à prática do ato devido.  No antigo contencioso só se poderia recorrer de atos administrativos, ou seja, era pressuposto processual a existência de um ato administrativo, fosse ele de deferimento ou indeferimento. Depois da reforma do contencioso administrativo e das claras mudanças efetuadas, uma grande parte da doutrina, nomeadamente os Professores Vasco Pereira da Silva e o Professor Mário Aroso de Almeida consideram que o indeferimento tácito deixou de existir porque passou a existir previsto um pedido que tem como objeto as pretensões que emergem de omissão de atos administrativos.
Na alínea a) do artigo 67º/1 expressa-se que foi constituído dever de agir através do requerimento e a entidade competente não se pronunciou, tendo permanecido omissa até expirar o prazo. Esta previsão tem por objeto situações de incumprimento, por parte da Administração da decisão que deveria ter sido proferida perante requerimentos apresentados.
O expresso neste artigo corresponde ao chamado indeferimento tácito nos termos do antigo artigo 109º do Código de Processo Administrativo (adiante CPA). No regime anterior ao CPA de 2015, a lei dava ao interessado a hipótese de presumir indeferida a pretensão deduzida. Se optasse por esta solução, o interessado criava assim, ele próprio o indeferimento tácito para depois o impugnar (109º/1 do antigo CPA) como se se tratasse de um ato de conteúdo negativo. A figura do indeferimento tácito era, uma espécie de ficção legal de um ato administrativo criada porque no anterior modelo administrativo era necessário que existisse um ato administrativo para que o interessado pudesse utilizar a única forma de tutela, o recurso contencioso.
Com a criação da norma do 67º/1, a), a solução passa a ser outra: o incumprimento no prazo legal do dever de decidir passa a ser uma omissão pura e simples, ou seja, um facto constitutivo do interesse em agir para obter uma condenação à prática do ato devido. Por este motivo, segundo o Professor Mário Aroso de Almeida, o CPTA não refere a palavra silêncio e sim inércia (artigo 69º/1 CPTA) e os indeferimentos são sempre expressos e nunca omissões, pois nelas não há lugar a indeferimentos.
A ação de condenação à prática do ato devido teve o efeito de invalidar tacitamente o artigo 109º/1 do antigo CPA na parte em que este reconhecia aos particulares “a faculdade de presumir indeferida a pretensão” por eles apresentada “para poder exercer o respetivo meio legal de impugnação” pois passou a ler-se que o interessado podia, em caso de falta de decisão do órgão competente, usar o meio de tutela adequada, que é, a condenação à prática de ato devido.
A revisão de 2015 revogou o artigo 109º e definiu novos parâmetros nos artigos 128º e 129º. O artigo 128º fixa o prazo em que os órgãos devem decidir os requerimentos apresentados. Tal como expresso no artigo 67º/1, a), existe um prazo legal para a emissão do ato devido e só perante a expiração deste, fica o particular com poder de agir perante omissão da administração pedindo a prática do ato omitido, sendo o prazo-legal fixado de 90 dias. A partir destes, o particular pode considerar que já não tem de aguardar por decisão da Administração.
 Já o artigo 129º do CPA estabelece que, “a falta de prazo legal, de decisão final sobre pretensão dirigida a órgão administrativo competente constitui incumprimento do dever de decisão, conferindo ao interessado a possibilidade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados.” Significa isto que o incumprimento do dever de decisão por parte do órgão competente é hoje tratado no ordenamento jurídico português, como uma omissão pura e simples, respeitando o que em cima foi referido.
Não seria possível falar sobre o indeferimento tácito sem fazer referência ao direto oposto, o deferimento tácito.
A regra do artigo 129º do CPA só é afastada quando a lei associa o silêncio da Administração dentro do prazo, à criação de um ato administrativo favorável ao interessado: o deferimento tácito que ao contrário do indeferimento tácito tem de estar previsto na lei, como resulta do artigo 130º do CPA.
O deferimento tácito é uma presunção legal que funciona para que a lei entenda que o silêncio da Administração é favorável ao interessado e por isso vá substituir o ato administrativo omitido. Na nossa opinião, que vai de encontro às opiniões dos professores Vasco Pereira da Silva e Mário Aroso de Almeida, as situações de deferimento tácito não cabem no artigo 67º/1, a) do CPTA pois nelas não há aso a que se peça uma condenação à prática de ato devido. O conteúdo pretendido já existe, e o ato de conteúdo positivo já foi decidido pelo órgão competente. Seria, nas palavras do Professor Aroso de Almeida, “uma absurda e inaceitável duplicação de efeitos jurídicos(…)” [1]pois os efeitos jurídicos que o ato devido iriam produzir já tinham sido produzidos pelo ato tácito.
A previsão do artigo em análise tem como objetivo responder à situação do interessado que se vê confrontado com o silêncio da administração perante o requerimento.
Outra questão que a norma levanta é de saber quando é que um requerimento constitui o órgão competente no dever decisão. A resposta, segundo o Professor Aroso de Almeida encontra-se no artigo 13º/2 do CPA.
O artigo exonera o órgão competente do dever de decisão de um requerimento que lhe seja dirigido se o mesmo particular tiver apresentado há menos de dois anos um requerimento em que cria o mesmo pedido, com os mesmo fundamentos de facto e de direito, e esse requerimento tiver obtido resposta expressa por parte da Administração. Nesse caso, a Administração pode recusar a apreciação do requerimento sem que o particular possa criar dessa recusa um processo a pedir decisão.
No entender do Professor, o particular deve poder reagir através da condenação à prática do ato devido, contra a recusa de apreciação com fundamento no 13º/2 do CPA, desde que alegue que não se encontravam preenchidos os requisitos cumulativos de que o artigo faz depender o afastamento do dever de decisão. São eles: que já passaram dois anos desde a apresentação do outro requerimento ou que o novo requerimento não se sustenta nos mesmos factos/direito que o anterior.
Neste caso, a ação procede se o tribunal reconhecer que esses requisitos não estavam efetivamente preenchidos e, portanto, nos termos do artigo 67º/1, a), o órgão competente tem o dever de decidir dentro do prazo de 90 dias nos termos do artigo 128º do CPA, artigo já analisado em cima.

Em conclusão e seguindo a doutrina dos Professores já referidos acima, o indeferimento tácito, ao contrário do deferimento que está expresso no regime contencioso administrativo, deixou de existir pois o pedido de condenação à prática de ato devido passou a conter pressupostos que claramente se referem a situações de omissão e de não pronúncia, ou seja, defendemos que o ato tácito de indeferimento, neste caso, deixou de existir pois não existe norma que disponha no sentido de que quando a administração não responde é como se tivesse indeferido tacitamente.


BIBLIOGRAFIA:
- AROSO DE ALMEIDA, MÁRIO, Manual de Processo Administrativo, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2016
- PEREIRA DA SILVA, VASCO, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaios Sobre as Ações no Novo Processo Administrativo, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2009




[1] Citação de Mário de Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2ª edição, Coimbra: Almedina,2016, p.313

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