• Actos administrativos?
Maria Ferreira de Almeida
Aluna nr. 26137
O conceito de acto administrativo resulta, hoje, do 148º CPA, que o define como “as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visam produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e o concreta”, pelo que é de concluir que foi adoptado um conceito amplo, com cariz externo, de acto administrativo. Isto porque, antes da revisão de 2015, equiparavam-se os actos administrativos a actos de matéria administrativa praticados por órgãos como o Presidente da República, a Assembleia da República e os Presidentes do Tribunal Constitucional.
De acordo com o conceito que o CPA agora consagra, estamos perante um acto administrativo quando, independentemente da natureza pública ou privada, um sujeito pratique actos jurídicos específicos que se projectam unilateralmente, ao abrigo de normas de Direito Administrativo.
Um aspecto que não foi alterado após a revisão de 2015 diz respeito ao conteúdo decisório dos actos, enquanto elemento determinante para a definição do acto administrativo que se encontra, actualmente, reflectido no 148º CPA. Quer isto dizer que, para efeitos de qualificação de um acto como acto administrativo, é requisito exigível que esse acto seja uma decisão, “exprimindo uma resolução que determine o rumo de acontecimentos ou o sentido de condutas a adoptar” [1]. Assim, não são actos administrativos, porque não são impugnáveis [2], os pareceres não vinculativos, as informações ou as propostas, uma vez que não contêm, em si, uma decisão.
Com a revisão do CPTA de 2015, o conceito de acto administrativo impugnável tende a coincidir com o conceito de acto administrativo em duas vertentes. Por um lado, o conceito do CPA não exige do autor a qualidade de órgão administrativo, assim como o conceito de acto impugnável, ao incluir decisões tomadas por entidades privadas que exerçam poderes públicos e actos emitidos por entidades públicas não integradas na Administração Pública (148º CPA e 51:/1 CPTA). Por outro lado, ambos abrangem apenas as decisões administrativas que visem produzir efeitos externos [3], devendo entender-se por estes os actos administrativos que visem constituir efeitos nas relações jurídicas administrativas na esfera jurídica dos destinatários, independentemente da respectiva eficácia concreta.
Dignas de referência são as alterações que incidiram sobre o regime da impugnabilidade de actos administrativos confirmativos. Na versão anterior à revisão de 2015, o CPTA construía a regra geral a partir da excepção. Hoje, o CPTA inverte a fórmula, enunciando na primeira parte do 53:/1 que os actos confirmativos não são impugnáveis. Mas no que consistem estes actos?
Actos confirmativos são aqueles que se se limitam a “reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em actos administrativos anteriores” (53:/1 2ª parte CPTA) ou, dito de outro modo mas querendo dizer exactamente o mesmo, são os actos jurídicos através dos quais a Administração se limita a confirmar as definições jurídicas já produzidas por actos administrativos anteriores [4]. São actos que, não originando efeitos jurídicos novos, não possuem carácter regulador nem gozam de “definitividade material [5]"– pelo que são insusceptíveis de ser considerados como definidores do direito aplicável.
Ora, o princípio-regra da não impugnabilidade dos actos confirmativos vale, em primeiro lugar, para os actos que não envolvam o re-exercício do poder de decidir – limitando-se a reconhecer uma decisão que já fora tomada sobre determinada situação, nada acrescentar ou retirar ao conteúdo de um acto anterior. Face ao conceito do 148º CPA, não estamos perante decisões, pelo que não estamos igualmente perante actos administrativos.
Neste sentido, não é confirmativo o acto de legalização de uma construção ilegal na medida em que se pressupõe uma nova avaliação jurídica sobre a validade da obra realizada que carecia de um acto de licenciamento. Este acto é inovatório, porquanto impugnável. De igual forma, também não é confirmativo o acto proferido na sequência de uma reclamação facultativa, embora com fundamentação diferente, que decide no mesmo sentido do acto reclamado[6].
Cabe referir que este conceito de acto confirmativo foi elaborado com vista a evitar que se pudessem reabrir litígios através de requerimentos sucessivos, relativos ao prazo de impugnação dos actos administrativos, pelo que se estabeleceu que, não tendo conteúdo decisório, não podiam sequer ser qualificados como actos administrativos e, consequentemente, não podiam ser impugnáveis nem susceptíveis de “defraudar a estabilidade inerente a [esses] prazos”[7].
No entanto, importa fazer a ressalva de que, embora não considere que um acto confirmativo seja um acto administrativo, certo é que o acto confirmativo acaba por ter um papel próprio, prosseguindo uma função distinta do acto confirmado, pois confere estabilidade e manutenção ao acto anterior[8].
Resulta da consagração do 53:/2 CPTA que o acto meramente confirmativo não pode ser impugnado se o interessado tiver sido notificado do acto anterior ou se o acto anterior tiver sido publicado (caso não fosse necessário que o interessado fosse notificado) bastando essa publicação para que se tornasse oponível. Nestes casos, o acto confirmado não adquiriu eficácia por “não ter ocorrido o facto que, nos termos gerais, desencadearia a contagem do correspondente prazo de impugnação”[9] .
No entanto, o 59:/2 CPTA faz uma ressalva e permite a impugnação dos actos confirmativos nos casos em que o interessado se vê confrontado com o ónus de reagir contra uma decisão que, até então, constava de um acto que não tinha o dever de impugnar.
Retomando a ideia, embora pareça pressupor a utilidade e subsistência do acto confirmativo, o 53º CPTA limita a invocação do carácter confirmativo do acto impugnado para efeitos de rejeição da impugnação, que não será possível quando o autor não tenha sido notificado ou, não tendo de o ser, o acto não fora publicado. Ou seja, a oponibilidade dos actos administrativos depende, quanto ao destinatário, da notificação, ainda que o acto tenha depois sido publicado, pelo que não é oponível enquanto não se tiver verificado essa formalidade (59:/2 CPTA). Em relação a outros particulares ou entidades públicas que possam ser afectadas pelo acto mas que não sejam, para efeitos da lei, consideradas como destinatárias[10], exige-se, para que sejam oponíveis, a publicação, quando obrigatória, para que o acto produza efeitos (59:/1 e 59:/3:/a) CPTA). Quanto aos actos que não tenham obrigatoriamente de ser publicados, a oponibilidade de actos administrativos depende de uma das formas de conhecimento da prática do acto (notificação ou publicação) ou o conhecimento do começo da sua execução, nos termos do 59:/3:/b) CPTA.
Nestes termos, embora não tenha conteúdo inovatório, o acto confirmativo é susceptível de impugnação contenciosa quando o interessado não tenha tido o ónus de impugnar.
São também inimpugnáveis os actos jurídicos praticados em execução ou aplicação de actos administrativos “por não conterem outros efeitos jurídicos que não sejam a mera concretização ou desenvolvimento da estatuição contida no acto executado”[11] .
Os actos de execução de determinações contidas em actos administrativos podem consistir em meras operações materiais, que concretizam no plano dos factos a definição da situação jurídica contida no acto executado, e em actos jurídicos de execução. O 53º só de aplica a estes últimos, dado que os primeiros apenas são passíveis de formas de tutela inibitória, reconstitutiva ou ressarcitória.
Nestes casos, pretende-se que não seja possível reabrir litígios em torno de definições introduzidas pelos actos administrativos que estes limitam a aplicar. A inimpugnabilidade destes actos justifica-se porque, tal como os actos confirmativos, reiteram o que já tinha sido decidido, sem fazerem alguma inovação [12] (53:/3 CPTA).
No entanto, pode-se dizer que estes actos, ao contribuírem para complementar a definição jurídica que tinha sido introduzida pelos actos que os precederam, baseando-se neles, têm um conteúdo misto, pelo que são passíveis de serem divididos em dois “conteúdos”: a componente confirmativa e a componente inovadora. Explicando.
Por um lado, um acto de execução é meramente confirmativo na medida em que reafirma uma decisão anterior, de forma a que, tal como os actos confirmativos [13] não pode ser impugnável.
Por outro lado, se acrescentarem novos efeitos jurídicos aos que resultaram do acto anterior, se ultrapassarem o conteúdo do acto executado, estes actos contribuem de uma forma nova para o ordenamento jurídico, pois fazem uma concretização inovadora face ao acto que procedem. Assim, respeitando o requisito do conteúdo decisório supra explicado, os actos de execução legitimam a sua qualificação como actos administrativos, sendo passíveis de ser impugnados – em caso, por exemplo, de conterem vícios próprios desconformes à lei ou mesmo se forem “desconformes com o acto a que alegadamente visam dar execução, por ultrapassar os limites traçados por esse acto” [14] . É esta a consagração do 53:/3 CPTA.
Por exemplo, na sequência de uma deliberação que tenha determinado a realização de obras de conservação, um acto que ordena o despejo dos inquilinos para que as obras possam prosseguir confirma a deliberação que determina a realização dessas obras mas o seu efeito útil resulta das determinações que ele introduziu e que não constavam da deliberação que está a ser executada (ordem de despejo).
Podemos dizer que o alcance do princípio da inimpugnabilidade dos actos de execução é limitado à sua componente confirmativa.
No entanto, nos termos do 177º CPA, os procedimentos de execução têm obrigatoriamente início com a emissão de uma decisão autónoma e devidamente fundamentada de proceder à execução administrativa, que, nos termos do nº2, fixa o conteúdo e os termos dessa execução. Esta decisão tem de ser notificada ao interessado com a indicação de um prazo razoável para o cumprimento da obrigação exequenda (177:/3 CPA), embora o possa ser em conjunto com a notificação do acto exequendo (177:/4 CPA). Nos termos do 55:/2:/a), a decisão de proceder à execução, que vai desencadear o procedimento de execução, é inovatória e susceptível de impugnação [15].
Cabe ainda fazer referência à opinião do Professor Vasco Pereira da Silva. O Professor considera que os actos de execução devem compreender os actos reguladores/definidores do direito aplicável, os actos constitutivos de direitos e deveres e ainda todas as actuações administrativas simplesmente produtoras de efeitos jurídicos. Nesta medida, sendo os actos de execução susceptíveis de lesar os direitos dos particulares, podem ser impugnáveis se, de facto, se chegar a verificar a lesão desses direitos [16].
[1]ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, 2012, 2ª edição, Almedina, pág. 262.
[2] Explicado mais à frente.
[3] Ressalva para a impugnabilidade de actos sem eficácia externa, nos termos do 51:/2:/b) – impugnabilidade de actos praticados por órgãos de uma entidade pública em relação a outros órgãos pertencentes à mesma entidade (litígios inter-orgânicos ou intra-administrativos). Decisivo é que contenham conteúdo decisório.
[4] Uma definição da jurisprudência que considero ser interessante diz que “o acto meramente confirmativo é proferido na sequência de acto administrativo contenciosamente impugnável, em idêntico sentido, pela mesma entidade, e subsistindo os sujeitos e as circunstâncias legais e factuais do acto confirmado” (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 8 de Março de 2012, Processo nº 01172/09.4BEPRT).
[5] SILVA, Vasco Pereira da, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2009, pág. 365.
[6] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de Março de 2009, Processo nº 1084/08.
[7] ANDRADE, José Carlos Vieira de, “A Justiça Administrativa”, 2014, 13ª edição, Almedina, pág. 191.
[8] SOUSA, Marcelo Rebelo de Sousa, A.A,V.V “Direito Administrativo Geral – Tomo III”, 2009, pág. 76. Os autores consideram que o acto confirmado não tem vocação para produzir, por si, efeitos permanentes, pelo que o acto confirmativo permitirá a subsistência do acto confirmado na ordem jurídica.
[9] CALDEIRA, Marco, “Comentários à Revisão do ETAF e do CPTA – A impugnação de actos no novo CPTA: âmbito delimitação e pressupostos”, 2016, 2ª edição, AAFDL Editora, pág. 381.
[10] Por exemplo, por não participarem no procedimento administrativo.
[11] OLIVEIRA, Mário Esteves de, “Código do Procedimento Administrativo Comentado”, 1998, 2ª edição, Coimbra, pág. 724.
[12] “Os actos jurídicos de execução são actos parcialmente confirmativos do acto exequendo” – Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 29 de Setembro de 2011, Processo nº 07413/11.
[13] Por não consagrar o conteúdo decisório.
[14] OLIVEIRA, Mário Esteves de, “Código do Procedimento Administrativo Comentado”, 1998, 2ª edição, Coimbra, pág. 723.
[15] É o mesmo regime que decorre do 182:/1 CPA, relativo às garantias dos executados.
[16] SILVA, Vasco Pereira, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2009, pág. 365.
• ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, 2012, 2ª edição, Almedina.
• ALMEIDA, Mário Aroso de, A.A,V.V “Comentários ao Código do Processo nos Tribunais Administrativos”, 2017, 4ª edição, Almedina.
• ANDRADE, José Carlos Vieira de, “A Justiça Administrativa”, 2014, 13ª edição, Almedina.
• CALDEIRA, Marco, “Comentários à Revisão do ETAF e do CPTA – A impugnação de actos no novo CPTA: âmbito delimitação e pressupostos”, 2016, 2ª edição, AAFDL Editora.
• OLIVEIRA, Mário Esteves de, A.A,V.V “Código do Procedimento Administrativo Comentado”, 1998, 2ª edição, Coimbra.
• SILVA, Vasco Pereira da, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2009.
• SOUSA, Marcelo Rebelo de, “Direito Administrativo Geral – Tomo III”, 2009.
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