domingo, 9 de dezembro de 2018

Do Interesse Direto e Pessoal na Ação de Impugnação Administrativa


Do Interesse Direto e Pessoal na Ação de Impugnação Administrativa
Afonso de Freitas Dantas

O presente texto intenta versar sobre a questão de “interesse pessoal e direto” na impugnação de um acto administrativo. Contudo, atendendo àquilo que desejamos analisar, cabe realizar alguma notas introdutórias sobre o regime geral da legitimidade no Processo Administrativo.

A legitimidade das partes, enquadrada nos artigos 9.º e 10.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), é o pressuposto processual que atende à admissibilidade dos sujeitos de direito, enquanto parte da relação materialmente controvertida, que visem participar ou intervir em cada processo submetido a tribunal.

A legitimidade activa, elencada no art. 9.º, importa que o autor “alegue ser parte na relação jurídica (material ou substancial) controvertida, isto é, em função da titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido”. Tratou-se de uma solução imposta pela revisão do Código de Processo Civil (CPC) de Dezembro de 1995, pondo fim à divergência doutrinária entre um entendimento objetivista ou subjetivista sobre o art. 30.º, no qual se estabeleceu que a titularidade do direito seria aquela invocada pelos sujeitos nas suas alegações.[1] Contudo, o regime do artigo 9.º é de natureza supletiva, sendo afastado por regimes de natureza especial como o dos artigos 55.º, 57.º, 68.º, 73.º e 77.º-A, estando delimitado a acções que se aproximem do modelo de processo civil, os quais têm pouca expressividade estatística em sede de contencioso administrativo.[2]

Contrariamente ao artigo previamente mencionado, o art. 10.º desdobra-se em duas partes, sendo que a primeira parte mantém a mesma natureza da relação material controvertida já previamente abordada,[3] enquanto que a segunda parte possibilita, em alternativa que acção seja interposta aos contrainteressados[4], dispensando assim o “critério da pré-existência de uma relação jurídica entre as partes na acção”.[5]

Apesar da nossa abordagem inicial referente à legitimidade no âmbito geral, o propósito desta análise intenta restringir-se ao conceito de “interesse direto e pessoal”, presente no art. 55.º/n.º 1/al. a) do CPTA, sobre a legitimidade para a impugnação do acto administrativo.

Sendo um regime de natureza especial, como referimos anteriormente, apropria-se a pormenorização sobre o que é um “acto impugnável”. Articulando com o conceito de acto administrativo (art. 148.º do CPA), ou seja, de “uma decisão reguladora de autoridade, própria de poder administrativo”[6], o acto impugnável será uma decisão que vise a produção de efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, isto no exercício de poderes jurídico-administrativos (art. 51.º/n.º 1). VASCO PEREIRA DA SILVA acrescenta um entendimento, constatando que serão igualmente impugnáveis «todos os actos administrativos que, em razão da sua “situação”, sejam susceptíveis (…) de afectar imediatamente posições subjectivas de particulares», consagrando-o enquanto direito fundamental ao abrigo do artigo 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP).[7]

Exposto isto, abordaremos agora o conceito de “interesse pessoal e direto” consagrado no artigo 55.º/n.º 1/ al. a), consoante posições doutrinárias e jurisprudenciais disponíveis.

MÁRIO AROSO DE ALMEIDA considera que a utilização desta fórmula “aponta no sentido de que a legitimidade individual para impugnar actos administrativos não tem de basear-se na ofensa de um direito ou interesse legalmente protegido, mas se basta com a circunstância de o acto estar a provocar, no momento em que é impugnado, consequências desfavoráveis na esfera jurídica do autor”.[8]

Contudo, faz a devida ressalva na análise do conceito, considerando que apenas o carácter “pessoal” se trata de um verdadeiro pressuposto processual, isto devido à consideração pessoal  por parte do Sr. Professor de que a utilidade que se retirará da eventual anulação, diga apenas respeito à sua esfera jurídica. O carácter “direto”, contrariamente, dirá apenas respeito ao interesse em agir, na altura concreta, por parte do agente, isto é, se a parte precisa de uma tutela judiciária para o caso que invoca.[9]

JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE partilha de um entendimento diferente, consagrando ambos os caracteres enquanto pressupostos processuais. Neste sentido, o “interesse direto” que o autor pretende obter terá de ser, obrigatoriamente, um benefício imediato[10] dos efeitos da impugnação. O espetro “pessoal” do interesse é igual àquele que previamente mencionámos face à posição de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, ainda que acrescente que não é necessário invocar a titularidade de uma posição jurídica subjetiva lesada, ou seja, “que a norma pretensamente violada pela Administração não vise a proteção, em primeira ou sequer em segunda linha, de um bem jurídico do autor”, mas que baste ser um mero interesse, devidamente comprovado, em agir.[11]

VASCO PEREIRA DA SILVA entende que se adopta, através da invocação de um “interesse direto e pessoal”, uma “noção ampla de direito subjectivo, de acordo com a doutrina da norma de proteção lida à luz dos direitos fundamentais”, ou seja, que todos os indivíduos que os indivíduos poderão alegar interesse com base em matérias difusas ou diretas, desde que comprovem em sede de contencioso administrativo que preenchem ambos os pressupostos, tal como já viemos a elencar previamente.[12]

MARIANA GERALDO, numa análise ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (1.ª Secção) de 01 de Junho de 2017, P. 1336/16, aborda se um fiador poderá impugnar com fundamento no “interesse directo e pessoal”. Na sua análise, configura que o “interesse pessoal” se baseia na capacidade de um indivíduo provar que a utilidade concreta da impugnação irá ter efeitos na sua esfera jurídica, independentemente de se encontrarem outras pessoas igualmente interessadas. O critério definitivo, uma vez mais, é que os efeitos do acto impugnatório o atinjam pessoalmente. Ao se pronunciar sobre a decisão final, menciona que o fator determinante para a invalidade da posição invocada pela parte foi a consideração por parte do «STA que “[o]s efeitos e vantagens ou benefícios decorrentes dessa invalidação do ato para o demandante devem repercutir-se de forma direta e imediata na respetiva esfera jurídica, não sendo suficiente o benefício que se mostre meramente eventual ou hipotético ou de natureza teórica”, ou seja, o Tribunal reforçou, uma vez mais, o seu entendimento sobre a natureza do “interesse directo”, o qual MARIANA GERALDO concorda.[13]

Concluída a nossa análise, verificamos maior segurança jurídica no requerimento de ambos os interesses serem considerados como pressupostos processuais, afirmando que a legitimidade para impugnar um ato administrativo nos termos do artigo 55.º, n.º 1, alínea a) se consubstancia na dupla verificação da (I) repercussão imediata de efeitos na esfera jurídica da parte interessa (interesse direto) e (II) na verificação de efetivos benefícios para a sua pessoa com a possível decisão favorável do ato impugnatório.


[3] “Cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida”
[4] “e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor”
[5] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 3.ª Edição, Almedina, 2017, (p. 246-247)
[6] JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa: Lições, 16.ª Edição, Almedina, 2017, (p. 175)
[8] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 3.ª Edição, Almedina, 2017, (p. 224)
[9] Idem, (p. 225-226)
[10] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA utiliza, no manual previamente mencionado, os Acórdãos do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Junho de 1999, Rec. N.º 44568 e de 18 de Maio de 2000, Rec. N.º 45894 como exemplos deste entendimento jurisprudencial
[11] JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa: Lições, 16.ª Edição, Almedina, 2017, (p. 185)
[12] VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise: Ensaio Sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, 2.ª Edição (Reimpressão), Almedina, 2013, (p. 369-370)
[13] MARIANA GERALDO, “Legitimidade do fiador para impugnar acto administrativo dirigido ao afiançado” in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 127, Centro de Estudos Jurídicos do Minho, Janeiro-Fevereiro 2018, pp. 37-51 (p. 43-50)

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