Do Interesse Direto e
Pessoal na Ação de Impugnação Administrativa
Afonso de Freitas Dantas
O
presente texto intenta versar sobre a questão de “interesse pessoal e direto”
na impugnação de um acto administrativo. Contudo, atendendo àquilo que desejamos
analisar, cabe realizar alguma notas introdutórias sobre o regime geral da
legitimidade no Processo Administrativo.
A
legitimidade das partes, enquadrada nos artigos 9.º e 10.º do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), é o pressuposto processual que
atende à admissibilidade dos sujeitos de direito, enquanto parte da relação materialmente
controvertida, que visem participar ou intervir em cada processo submetido a
tribunal.
A
legitimidade activa, elencada no art. 9.º, importa que o autor “alegue ser
parte na relação jurídica (material ou substancial) controvertida, isto é, em
função da titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido”.
Tratou-se de uma solução imposta pela revisão do Código de Processo Civil (CPC)
de Dezembro de 1995, pondo fim à divergência doutrinária entre um entendimento
objetivista ou subjetivista sobre o art. 30.º, no qual se estabeleceu que a
titularidade do direito seria aquela invocada pelos sujeitos nas suas alegações.[1] Contudo, o regime do
artigo 9.º é de natureza supletiva, sendo afastado por regimes de natureza
especial como o dos artigos 55.º, 57.º, 68.º, 73.º e 77.º-A, estando delimitado
a acções que se aproximem do modelo de processo civil, os quais têm pouca
expressividade estatística em sede de contencioso administrativo.[2]
Contrariamente
ao artigo previamente mencionado, o art. 10.º desdobra-se em duas partes, sendo
que a primeira parte mantém a mesma natureza da relação material controvertida
já previamente abordada,[3] enquanto que a segunda
parte possibilita, em alternativa que acção seja interposta aos
contrainteressados[4],
dispensando assim o “critério da pré-existência de uma relação jurídica entre
as partes na acção”.[5]
Apesar
da nossa abordagem inicial referente à legitimidade no âmbito geral, o
propósito desta análise intenta restringir-se ao conceito de “interesse direto
e pessoal”, presente no art. 55.º/n.º 1/al. a)
do CPTA, sobre a legitimidade para a impugnação do acto administrativo.
Sendo
um regime de natureza especial, como referimos anteriormente, apropria-se a
pormenorização sobre o que é um “acto impugnável”. Articulando com o conceito
de acto administrativo (art. 148.º do
CPA), ou seja, de “uma decisão reguladora de autoridade, própria de poder
administrativo”[6],
o acto impugnável será uma decisão que vise a produção de efeitos jurídicos
externos numa situação individual e concreta, isto no exercício de poderes
jurídico-administrativos (art. 51.º/n.º 1). VASCO PEREIRA DA SILVA acrescenta
um entendimento, constatando que serão igualmente impugnáveis «todos os actos
administrativos que, em razão da sua “situação”, sejam susceptíveis (…) de
afectar imediatamente posições subjectivas de particulares», consagrando-o
enquanto direito fundamental ao abrigo do artigo 268.º, n.º 4 da Constituição
da República Portuguesa (CRP).[7]
Exposto
isto, abordaremos agora o conceito de “interesse pessoal e direto” consagrado
no artigo 55.º/n.º 1/ al. a),
consoante posições doutrinárias e jurisprudenciais disponíveis.
MÁRIO
AROSO DE ALMEIDA considera que a utilização desta fórmula “aponta no sentido de
que a legitimidade individual para impugnar actos administrativos não tem de
basear-se na ofensa de um direito ou interesse legalmente protegido, mas se
basta com a circunstância de o acto estar a provocar, no momento em que é
impugnado, consequências desfavoráveis na esfera jurídica do autor”.[8]
Contudo,
faz a devida ressalva na análise do conceito, considerando que apenas o
carácter “pessoal” se trata de um verdadeiro pressuposto processual, isto
devido à consideração pessoal por parte
do Sr. Professor de que a utilidade que se retirará da eventual anulação, diga
apenas respeito à sua esfera jurídica. O carácter “direto”, contrariamente,
dirá apenas respeito ao interesse em agir, na altura concreta, por parte do
agente, isto é, se a parte precisa de uma tutela judiciária para o caso que
invoca.[9]
JOSÉ
CARLOS VIEIRA DE ANDRADE partilha de um entendimento diferente, consagrando
ambos os caracteres enquanto pressupostos processuais. Neste sentido, o “interesse
direto” que o autor pretende obter terá de ser, obrigatoriamente, um benefício
imediato[10]
dos efeitos da impugnação. O espetro “pessoal” do interesse é igual àquele que
previamente mencionámos face à posição de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, ainda que
acrescente que não é necessário invocar a titularidade de uma posição jurídica
subjetiva lesada, ou seja, “que a norma pretensamente violada pela
Administração não vise a proteção, em primeira ou sequer em segunda linha, de
um bem jurídico do autor”, mas que baste ser um mero interesse, devidamente
comprovado, em agir.[11]
VASCO
PEREIRA DA SILVA entende que se adopta, através da invocação de um “interesse
direto e pessoal”, uma “noção ampla de direito subjectivo, de acordo com a
doutrina da norma de proteção lida à luz dos direitos fundamentais”, ou seja,
que todos os indivíduos que os indivíduos poderão alegar interesse com base em
matérias difusas ou diretas, desde que comprovem em sede de contencioso
administrativo que preenchem ambos os pressupostos, tal como já viemos a
elencar previamente.[12]
MARIANA
GERALDO, numa análise ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (1.ª
Secção) de 01 de Junho de 2017, P. 1336/16, aborda se um fiador poderá impugnar
com fundamento no “interesse directo e pessoal”. Na sua análise, configura que
o “interesse pessoal” se baseia na capacidade de um indivíduo provar que a utilidade
concreta da impugnação irá ter efeitos na sua esfera jurídica,
independentemente de se encontrarem outras pessoas igualmente interessadas. O
critério definitivo, uma vez mais, é que os efeitos do acto impugnatório o
atinjam pessoalmente. Ao se pronunciar sobre a decisão final, menciona que o
fator determinante para a invalidade da posição invocada pela parte foi a
consideração por parte do «STA que “[o]s
efeitos e vantagens ou benefícios decorrentes dessa invalidação do ato para o
demandante devem repercutir-se de forma direta e imediata na respetiva esfera
jurídica, não sendo suficiente o benefício que se mostre meramente eventual ou
hipotético ou de natureza teórica”, ou seja, o Tribunal reforçou, uma vez mais,
o seu entendimento sobre a natureza do “interesse directo”, o qual MARIANA
GERALDO concorda.[13]
Concluída
a nossa análise, verificamos maior segurança jurídica no requerimento de ambos
os interesses serem considerados como pressupostos processuais, afirmando que a
legitimidade para impugnar um ato administrativo nos termos do artigo 55.º, n.º
1, alínea a) se consubstancia na
dupla verificação da (I) repercussão imediata de efeitos na esfera jurídica da
parte interessa (interesse direto) e (II) na verificação de efetivos benefícios
para a sua pessoa com a possível decisão favorável do ato impugnatório.
[3] “Cada ação deve ser proposta
contra a outra parte na relação material controvertida”
[4] “e, quando for caso disso, contra
as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor”
[5] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 3.ª
Edição, Almedina, 2017, (p. 246-247)
[6] JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa: Lições, 16.ª
Edição, Almedina, 2017, (p. 175)
[8] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 3.ª
Edição, Almedina, 2017, (p. 224)
[9] Idem, (p. 225-226)
[10] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA utiliza, no
manual previamente mencionado, os Acórdãos do Pleno do Supremo Tribunal
Administrativo de 22 de Junho de 1999, Rec. N.º 44568 e de 18 de Maio de 2000,
Rec. N.º 45894 como exemplos deste entendimento jurisprudencial
[11] JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa: Lições, 16.ª
Edição, Almedina, 2017, (p. 185)
[12] VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da
Psicanálise: Ensaio Sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, 2.ª
Edição (Reimpressão), Almedina, 2013, (p. 369-370)
[13] MARIANA GERALDO, “Legitimidade do
fiador para impugnar acto administrativo dirigido ao afiançado” in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 127,
Centro de Estudos Jurídicos do Minho, Janeiro-Fevereiro 2018, pp. 37-51 (p.
43-50)
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