sábado, 8 de dezembro de 2018


A Responsabilidade Civil no Contencioso Administrativo



Até á entrada em vigor da reforma do Contencioso Administrativo, o que acontecia era que tanto os Tribunais Judiciais como os Tribunais Administrativos se consideravam incompetentes para decidir e mostravam duvidas quanto ao direito aplicável “pelos danos causados no exercício do desempenho da atividade de gestão pública, a Administração responde segundo o Direito Administrativo perante os Tribunais Administrativos”.1

Várias críticas foram lançadas a este sistema, não era possível realizar a distinção entre as operações materiais da administração pública e as atuações informais e técnicas2, com base na ideia de gestão pública ou de gestão privada. Todavia, hoje em dia, todas as atuações administrativas surgem normalmente unificadas em razão da matéria de função administrativa e não em função da regra de exercício do poder, o que não acontecia anteriormente, por exemplo, a atuação de um médico realizada no âmbito do serviço público seria distinta da atuação de um médico no âmbito do  serviço privado em função da sua natureza. “Havendo hoje um tratamento legislativo e jurisdicional unitário, nomeadamente para efeitos de responsabilidade extracontratual, é a dimensão da satisfação de necessidades coletivas através de formas públicas e privadas, sem que faça sentido introduzir aqui distinções artificiais”3

Este sistema tinha ainda como pressuposto uma ideia autoritária de Administração que atuava através do ato administrativo. Outro argumento que aponta ainda para a irracionalidade do sistema, foi o facto de a jurisprudência, quando obrigada a encontrar orientações para resolver casos concretos acabava por desistir da procura de características diferenciadoras entre atos de gestão pública e atos de gestão privada.

Pelo referido até este ponto, podemos perceber que este era um sistema que não estava preparado para certas exigências que ao longo do tempo foram surgindo, nomeadamente no que diz respeito á responsabilidade civil. Ora de acordo com o professor Vasco Pereira da Silva “… o sistema que vigorou entre nós até 2004, era, em segundo lugar, um sistema injusto, uma vez que a ausência de critérios lógicos seguros de distinção entre gestão pública e gestão privada, gerava frequentes duvidas quanto ao direito aplicável e quanto ao tribunal competente. Provocando conflitos de jurisdição, com os consequentes problemas de morosidade e, mesmo, de denegação de justiça, em termos suscetíveis de ser configurados como casos de lesão grave e inadmissível do direito fundamental á proteção plena e efetiva dos partivulares.”4

A reforma veio consagrar a unidade jurisdicional, mas não resolveu todos os problemas existentes, manteve-se a dualidade legislativa e o facto de o legislador só com o surgimento do DL 67/2007 de 31 de dezembro, estabelecer um novo regime de responsabilidade civil pública.

O artigo 212º/3 da CRP e o artigo 1º/1 do ETAF, refletem o facto de o nosso ordenamento jurídico delimitar a competência dos tribunais Administrativos e Fiscais em razão da natureza das relações jurídicas, e de que as disposições relativas á responsabilidades civis públicas devem ser interpretadas segundo esta lógica. Encontram-se previstas no artigo 4º/1/g),h) e i) do ETAF do qual resulta um regime de unidade jurisdicional que é “…uma orientação correta, sobretudo tendo em conta as opções do artigo 212º/3 da Constituição da República Portuguesa… mas que necessita de ser agora completada através de legislação substantiva “conforme””5. O artigo 4º/1/g) ETAF, consagra a uniformização jurisdicional de todo o contencioso da responsabilidade civil pública, que passa a ser da competência dos Tribunais Administrativos6, o que significa considerar como administrativa qualquer relação de responsabilidade civil pública para efeitos processuais, e significa ainda que o legislador considerou as relações jurídicas administrativas como o paradigma das relações públicas. O professor Vasco Pereira da Silva ressalva que com este alargamento das competências jurisdicionais dos Tribunais Administrativos era necessária uma adequada resposta substantiva que ficou por realizar até á lei 67/2007 de 31 de Dezembro, esta lei veio pressupor um regime comum de responsabilidade civil extracontratual pública aplicável ao Estado e a qualquer entidade pública não apenas no exercício da atividade administrativa, mas também no exercício de atividade legislativa e judicial.

Outra importante introdução deste preceito reside na atribuição da jurisdição administrativa independentemente da natureza da atuação da administração, ou seja, definir se estamos no âmbito da gestão pública ou da gestão privada, pondo-se termo a “um dos traumas” do contencioso administrativo. Mantendo-se ainda algumas questões, de acordo com o professor Vasco Pereira da Silva, “… não só não faz qualquer sentido interpretar literalmente uma norma que concretiza uma cláusula geral que aponta para um critério “aberto”, como é o da natureza das relações litigadas, para além de, por sua vez, ir mesmo para além dela, alargando esse critério das relações administrativas para as públicas, como também não é correto apelar a um elemento histórico… perante um procedimento legislativo tão atribulado e tão “heterogéneo” do ponto de vista da determinação da “vontade” legislativa, sobretudo tendo em conta os trabalhos preparatórios não fornecem quaisquer razões para a escolha da primeira ou da segunda.”7

Relativamente ao artigo 4º/1/h), este atribui à jurisdição administrativa competência no caso de responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e de mais servidores públicos. Atribuiu-se ainda competência para o julgamento dos litígios no domínio da responsabilidade do estado e demais pessoas coletivas de direito público através do artigo 4º/1/i), o que significa alargar o regime da responsabilidade civil pública aos casos em que entidades públicas colaboram com a Administração no exercício da função administrativa. Existe, no entanto, uma divergência doutrinária relativa a esta alínea, a questão que se coloca é saber se ela é ou não imediatamente aplicável. Mário Aroso de Almeida e Diogo Freitas do Amaral entendem que “na ausência de disposições de direito substantivo que prevejam a aplicação do regime especifico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público a entidades privadas, parece que o artigo 4º/1, do ETAF, permanecerá sem alcance prático: os tribunais administrativos não serão competentes para apreciar a responsabilidade de entidades públicas”.8 Já Vieira de Andrade entende que “ em coerência com a alínea d), talvez se deva presumir a aplicabilidade do regime substantivo de direito público, pelo menos relativamente à responsabilidade por exercício de poderes públicos por concessionários…e por entes privados de mão pública.”9 É esta ultima opinião que o professor Vasco Pereira da Silva segue, “…tanto em razão do critério geral, e aberto das relações jurídicas administrativas, como em função das normas que o concretizam, a titulo meramente exemplificativo, quer no que respeita ao alargamento da jurisdição administrativa aos litígios decorrentes da atuação dos particulares que colaboram no exercício da função administrativa…”10

Podemos então concluir que a intenção do legislador foi no sentido de alargamento do âmbito de jurisdição administrativa e de uniformização do regime jurídico da responsabilidade civil pública. Manteve-se, no entanto, a dualidade de regimes jurídicos dada á ausência de um diploma regulador da responsabilidade civil pública, o que fazia com que continuasse a ser necessário saber se se estava perante uma atuação de gestão pública ou de gestão privada, para a determinação do regime jurídico.

Aponta-se ainda no sentido da inadequação das regras do direito privado da responsabilidade civil, que se apresentam desadequadas para o tratamento de questões que são essenciais do ponto de vista jurídico-político.

Surge finalmente, o novo regime de responsabilidade civil público, previsto pela lei nº 67/2007 de 31 de Dezembro11. Este regime aplica-se a danos resultantes do exercício da função legislativa jurisdicional e Administrativa, artigo 1º/1. De acordo com o Professor Vasco Pereira da Silva, esta lei apresenta efeitos secundários consideráveis, uma vez que é responsável por todo o atraso no surgimento do diploma e acaba por se desviar da discussão face á responsabilidade civil pública. Procedeu-se a um alargamento da sua aplicação que levou à ultrapassagem da dualidade existente no antigo regime entre a gestão pública e a gestão privada, porém o legislador deveria ter sido mais categórico na afirmação de um regime jurídico comum da responsabilidade civil administrativa.

No que diz respeito ao seu âmbito material, o novo regime aplica-se à responsabilidade civil extracontratual decorrente de atos das funções administrativas, legislativas e judicial de acordo com o disposto no artigo 1º/1, salvaguarda ainda de acordo com o artigo 2º os regimes especiais de responsabilidade civil por danos decorrentes da função administrativa, como o caso de responsabilidade por danos.

No âmbito subjetivo, embora se faça referência ao Estado e demais pessoas coletivas, o legislador quando introduziu a LRCEE alargou o âmbito de aplicação subjetiva às pessoas coletivas de direito privado que atuem no domínio de poder público (artº. 1/2).



A responsabilidade Civil administrativa pode então ser classificada quanto ao título de imputação do prejuízo, quanto à natureza da posição jurídica subjetiva violada e quanto ao ramo do direito pela qual é regulada. Relativamente á responsabilidade extracontratual delitual, atendendo ao artigo 7º da Lei 67/2007, que refere a responsabilidade exclusiva do Estado e demais pessoas coletivas de direito público, este tipo de responsabilidade assenta em duas justificações, uma atende a um ponto de vista objetivo e outro subjetivo, deste ponto de vista a administração pública encontra-se vinculada aos direitos fundamentais (artº 18/1 CRP) e também ao princípio do respeito pelas posições jurídicas subjetivas dos particulares (art.º 266/1 CRP). Do ponto de vista objetivo temos o princípio da legalidade.
Da junção entre ambos resulta a proibição de provocação ilegal de danos na esfera jurídica dos particulares ou, como sucedâneo, a sua reintegração mediante indemnização.

Já a responsabilidade pelo risco encontra-se regulada no artigo 11º da Lei 67/2007. O seu nº1 diz-nos que:



“ O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público respondem pelos danos decorrentes de atividades, coisas ou serviços administrativos especialmente perigosos, salvo quando, nos termos gerais, se prove que houve força maior ou concorrência de culpa do lesado, podendo o tribunal, neste último caso, tendo em conta todas as circunstâncias, reduzir ou excluir a indemnização.(...)”



Existe uma crise doutrinária quanto ao fundamento da imputação pelo risco, surgindo três teorias, a teoria da criação do risco, a teoria do risco-proveito e a teoria do risco de autoridade. Para a primeira teoria, a responsabilidade funda-se na exigência de que quem cria um risco responda pelas suas consequências. A segunda teoria refere que a responsabilidade se funda na exigência de que quem retira partido de uma atividade responde pelos riscos provenientes da sua prática. Por fim, a teoria do risco de autoridade afirma que a responsabilidade recai na esfera jurídica de quem tem sob o seu controlo uma coisa ou uma atividade.
A formulação do artigo parece pressupor esta última teoria. Deste modo, será da responsabilidade das pessoas coletivas administrativas os danos causados pelas atividades, coisas ou serviços administrativos especialmente perigosos.

A responsabilidade administrativa por facto lícito encontra-se prevista no artigo 16º da Lei 67/2007. Este tipo de responsabilidade pode ocorrer pelo sacrifício de bens pessoais e por danos causados em estado de necessidade, ou pela
não reconstituição da situação atual hipotética, evidenciada nos artigos 45º, 49º, 102º/5, 166º e 178º CPTA. Esta modalidade reporta-se ao direito de reconstituição na esfera jurídica do particular da situação que existiria se a conduta administrativa não tivesse acontecido, por ser impossível ou manifestamente inconveniente, impondo-se, no entanto, o dever de indemnizar.

Relativamente ao ramo de direito pelo qual a responsabilidade é regulada, o ETAF submete aos tribunais administrativos toda a responsabilidade civil administrativa extracontratual, aplicando o disposto no artº. 4/1 al. g), h) e i) do referido estatuto.

















1-De acordo com o Professor Freitas do Amaral,” Direito Administrativo”, Volume II, página 485;

2- (que são os factos geradores de maior parte das situações de responsabilidade civil);

3- De acordo com o Professor Vasco Pereira de silva, “O contencioso Administrativo no divã da Psicanálise”, 2ªedição, Almedina, Página 521.

4- De acordo com o Professor Vasco Pereira de silva, “O contencioso Administrativo no divã da Psicanálise”, 2ªedição, Almedina, Página 523;

5- De acordo com o Professor Vasco Pereira de silva, “O contencioso Administrativo no divã da Psicanálise”, 2ªedição, Almedina, Página 525;

6- De acordo com o Professor Vasco Pereira de silva, “O contencioso Administrativo no divã da Psicanálise”, 2ªedição, Almedina, Página 526;

7- De acordo com o Professor Vasco Pereira de silva, “O contencioso Administrativo no divã da Psicanálise”, 2ªedição, Almedina, Página 527 e 528;

8- MÁRIO, Aroso de Andrade/ DIOGO Freitas do Amaral, “grandes linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, pág. 38 e 39;

9- VIERA, de Andrade, “A Justiça Administrativa”, página 125;

10- De acordo com o Professor Vasco Pereira de silva, “O contencioso Administrativo no divã da Psicanálise”, 2ªedição, Almedina, Página 537;
























Bibliografia







·         AMARAL, Diogo Freitas do,” Direito Administrativo”, Volume II;

·         ANDRADE, Mário, Aroso de / AMARAL, Diogo Freitas do, “grandes linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”;

·         PEREIRA; Vasco Pereira da, “O contencioso Administrativo no divã da Psicanálise”, 2ªedição, Almedina;

·         VIERA, de Andrade, “A Justiça Administrativa”;

   

                                                                                                          Carolina Rosa
                                                                                                          Nº 28239

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