A Responsabilidade Civil no Contencioso Administrativo
Até á entrada em vigor da reforma
do Contencioso Administrativo, o que acontecia era que tanto os Tribunais
Judiciais como os Tribunais Administrativos se consideravam incompetentes para
decidir e mostravam duvidas quanto ao direito aplicável “pelos danos causados no
exercício do desempenho da atividade de gestão pública, a Administração
responde segundo o Direito Administrativo perante os Tribunais Administrativos”.1
Várias críticas foram lançadas a
este sistema, não era possível realizar a distinção entre as operações materiais
da administração pública e as atuações informais e técnicas2, com
base na ideia de gestão pública ou de gestão privada. Todavia, hoje em dia,
todas as atuações administrativas surgem normalmente unificadas em razão da
matéria de função administrativa e não em função da regra de exercício do
poder, o que não acontecia anteriormente, por exemplo, a atuação de um médico
realizada no âmbito do serviço público seria distinta da atuação de um médico no
âmbito do serviço privado em função da
sua natureza. “Havendo hoje um tratamento legislativo e jurisdicional unitário,
nomeadamente para efeitos de responsabilidade extracontratual, é a dimensão da
satisfação de necessidades coletivas através de formas públicas e privadas, sem
que faça sentido introduzir aqui distinções artificiais”3
Este sistema tinha ainda como pressuposto
uma ideia autoritária de Administração que atuava através do ato
administrativo. Outro argumento que aponta ainda para a irracionalidade do
sistema, foi o facto de a jurisprudência, quando obrigada a encontrar
orientações para resolver casos concretos acabava por desistir da procura de
características diferenciadoras entre atos de gestão pública e atos de gestão
privada.
Pelo referido até este ponto,
podemos perceber que este era um sistema que não estava preparado para certas
exigências que ao longo do tempo foram surgindo, nomeadamente no que diz
respeito á responsabilidade civil. Ora de acordo com o professor Vasco Pereira
da Silva “… o sistema que vigorou entre nós até 2004, era, em segundo lugar, um
sistema injusto, uma vez que a ausência de critérios lógicos seguros de
distinção entre gestão pública e gestão privada, gerava frequentes duvidas quanto
ao direito aplicável e quanto ao tribunal competente. Provocando conflitos de
jurisdição, com os consequentes problemas de morosidade e, mesmo, de denegação
de justiça, em termos suscetíveis de ser configurados como casos de lesão grave
e inadmissível do direito fundamental á proteção plena e efetiva dos
partivulares.”4
A reforma veio consagrar a unidade
jurisdicional, mas não resolveu todos os problemas existentes, manteve-se a
dualidade legislativa e o facto de o legislador só com o surgimento do DL
67/2007 de 31 de dezembro, estabelecer um novo regime de responsabilidade civil
pública.
O artigo 212º/3 da CRP e o artigo 1º/1
do ETAF, refletem o facto de o nosso ordenamento jurídico delimitar a
competência dos tribunais Administrativos e Fiscais em razão da natureza das
relações jurídicas, e de que as disposições relativas á responsabilidades civis
públicas devem ser interpretadas segundo esta lógica. Encontram-se previstas no
artigo 4º/1/g),h) e i) do ETAF do qual resulta um regime de unidade
jurisdicional que é “…uma orientação correta, sobretudo tendo em conta as
opções do artigo 212º/3 da Constituição da República Portuguesa… mas que necessita
de ser agora completada através de legislação substantiva “conforme””5.
O artigo 4º/1/g) ETAF, consagra a uniformização jurisdicional de todo o
contencioso da responsabilidade civil pública, que passa a ser da competência
dos Tribunais Administrativos6, o que significa considerar como administrativa
qualquer relação de responsabilidade civil pública para efeitos processuais, e
significa ainda que o legislador considerou as relações jurídicas
administrativas como o paradigma das relações públicas. O professor Vasco
Pereira da Silva ressalva que com este alargamento das competências
jurisdicionais dos Tribunais Administrativos era necessária uma adequada
resposta substantiva que ficou por realizar até á lei 67/2007 de 31 de Dezembro,
esta lei veio pressupor um regime comum de responsabilidade civil
extracontratual pública aplicável ao Estado e a qualquer entidade pública não
apenas no exercício da atividade administrativa, mas também no exercício de atividade
legislativa e judicial.
Outra importante introdução deste
preceito reside na atribuição da jurisdição administrativa independentemente da
natureza da atuação da administração, ou seja, definir se estamos no âmbito da
gestão pública ou da gestão privada, pondo-se termo a “um dos traumas” do
contencioso administrativo. Mantendo-se ainda algumas questões, de acordo com o
professor Vasco Pereira da Silva, “… não só não faz qualquer sentido
interpretar literalmente uma norma que concretiza uma cláusula geral que aponta
para um critério “aberto”, como é o da natureza das relações litigadas, para
além de, por sua vez, ir mesmo para além dela, alargando esse critério das
relações administrativas para as públicas, como também não é correto apelar a
um elemento histórico… perante um procedimento legislativo tão atribulado e tão
“heterogéneo” do ponto de vista da determinação da “vontade” legislativa,
sobretudo tendo em conta os trabalhos preparatórios não fornecem quaisquer
razões para a escolha da primeira ou da segunda.”7
Relativamente ao artigo 4º/1/h),
este atribui à jurisdição administrativa competência no caso de
responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários,
agentes e de mais servidores públicos. Atribuiu-se ainda competência para o
julgamento dos litígios no domínio da responsabilidade do estado e demais
pessoas coletivas de direito público através do artigo 4º/1/i), o que significa
alargar o regime da responsabilidade civil pública aos casos em que entidades
públicas colaboram com a Administração no exercício da função administrativa. Existe,
no entanto, uma divergência doutrinária relativa a esta alínea, a questão que
se coloca é saber se ela é ou não imediatamente aplicável. Mário Aroso de
Almeida e Diogo Freitas do Amaral entendem que “na ausência de disposições de
direito substantivo que prevejam a aplicação do regime especifico da
responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público a
entidades privadas, parece que o artigo 4º/1, do ETAF, permanecerá sem alcance
prático: os tribunais administrativos não serão competentes para apreciar a
responsabilidade de entidades públicas”.8 Já Vieira de Andrade entende
que “ em coerência com a alínea d), talvez se deva presumir a aplicabilidade do
regime substantivo de direito público, pelo menos relativamente à
responsabilidade por exercício de poderes públicos por concessionários…e por
entes privados de mão pública.”9 É esta ultima opinião que o
professor Vasco Pereira da Silva segue, “…tanto em razão do critério geral, e
aberto das relações jurídicas administrativas, como em função das normas que o concretizam,
a titulo meramente exemplificativo, quer no que respeita ao alargamento da
jurisdição administrativa aos litígios decorrentes da atuação dos particulares
que colaboram no exercício da função administrativa…”10
Podemos então concluir que a
intenção do legislador foi no sentido de alargamento do âmbito de jurisdição
administrativa e de uniformização do regime jurídico da responsabilidade civil
pública. Manteve-se, no entanto, a dualidade de regimes jurídicos dada á
ausência de um diploma regulador da responsabilidade civil pública, o que fazia
com que continuasse a ser necessário saber se se estava perante uma atuação de
gestão pública ou de gestão privada, para a determinação do regime jurídico.
Aponta-se ainda no sentido da
inadequação das regras do direito privado da responsabilidade civil, que se
apresentam desadequadas para o tratamento de questões que são essenciais do
ponto de vista jurídico-político.
Surge finalmente, o novo regime de
responsabilidade civil público, previsto pela lei nº 67/2007 de 31 de Dezembro11.
Este regime aplica-se a danos resultantes do exercício da função legislativa jurisdicional
e Administrativa, artigo 1º/1. De acordo com o Professor Vasco Pereira da
Silva, esta lei apresenta efeitos
secundários consideráveis, uma vez que é responsável por todo o atraso no
surgimento do diploma e acaba por se desviar da discussão face á
responsabilidade civil pública. Procedeu-se a um alargamento da sua aplicação
que levou à ultrapassagem da dualidade existente no antigo regime entre a
gestão pública e a gestão privada, porém o legislador deveria ter sido mais
categórico na afirmação de um regime jurídico comum da responsabilidade civil
administrativa.
No
que diz respeito ao seu âmbito material, o novo regime aplica-se à
responsabilidade civil extracontratual decorrente de atos das funções
administrativas, legislativas e judicial de acordo com o disposto no artigo
1º/1, salvaguarda ainda de acordo com o artigo 2º os regimes especiais de
responsabilidade civil por danos decorrentes da função administrativa, como o
caso de responsabilidade por danos.
No
âmbito subjetivo, embora se faça referência ao Estado e demais pessoas coletivas,
o legislador quando introduziu a LRCEE alargou o âmbito de aplicação subjetiva
às pessoas coletivas de direito privado que atuem no domínio de poder público (artº.
1/2).
A
responsabilidade Civil administrativa pode então ser classificada quanto ao
título de imputação do prejuízo, quanto à natureza da posição jurídica subjetiva
violada e quanto ao ramo do direito pela qual é regulada. Relativamente á
responsabilidade extracontratual delitual, atendendo ao
artigo 7º da Lei 67/2007, que refere a responsabilidade exclusiva do Estado e
demais pessoas coletivas de direito público, este tipo de responsabilidade
assenta em duas justificações, uma atende a um ponto de vista objetivo e outro subjetivo,
deste ponto de vista a administração pública encontra-se vinculada aos direitos
fundamentais (artº 18/1 CRP) e também ao princípio do respeito pelas posições
jurídicas subjetivas dos particulares (art.º 266/1 CRP). Do ponto de vista
objetivo temos o princípio da legalidade.
Da junção entre ambos resulta a proibição de provocação ilegal de danos na esfera jurídica dos particulares ou, como sucedâneo, a sua reintegração mediante indemnização.
Da junção entre ambos resulta a proibição de provocação ilegal de danos na esfera jurídica dos particulares ou, como sucedâneo, a sua reintegração mediante indemnização.
Já a
responsabilidade pelo risco encontra-se regulada no artigo 11º da Lei 67/2007.
O seu nº1 diz-nos que:
“ O Estado e as demais
pessoas coletivas de direito público respondem pelos danos decorrentes de atividades,
coisas ou serviços administrativos especialmente perigosos, salvo quando, nos
termos gerais, se prove que houve força maior ou concorrência de culpa do
lesado, podendo o tribunal, neste último caso, tendo em conta todas as
circunstâncias, reduzir ou excluir a indemnização.(...)”
Existe uma
crise doutrinária quanto ao fundamento da imputação pelo risco, surgindo três
teorias, a teoria da criação do risco, a teoria do risco-proveito e a teoria do
risco de autoridade. Para a primeira teoria, a responsabilidade funda-se na
exigência de que quem cria um risco responda pelas suas consequências. A
segunda teoria refere que a responsabilidade se funda na exigência de que quem
retira partido de uma atividade responde pelos riscos provenientes da sua
prática. Por fim, a teoria do risco de autoridade afirma que a responsabilidade
recai na esfera jurídica de quem tem sob o seu controlo uma coisa ou uma atividade.
A formulação do artigo parece pressupor esta última teoria. Deste modo, será da responsabilidade das pessoas coletivas administrativas os danos causados pelas atividades, coisas ou serviços administrativos especialmente perigosos.
A formulação do artigo parece pressupor esta última teoria. Deste modo, será da responsabilidade das pessoas coletivas administrativas os danos causados pelas atividades, coisas ou serviços administrativos especialmente perigosos.
A
responsabilidade administrativa por facto lícito encontra-se prevista no artigo
16º da Lei 67/2007. Este tipo de responsabilidade pode ocorrer
pelo sacrifício de bens pessoais e por danos causados em estado de necessidade,
ou pela
não reconstituição da situação atual hipotética, evidenciada nos artigos 45º, 49º, 102º/5, 166º e 178º CPTA. Esta modalidade reporta-se ao direito de reconstituição na esfera jurídica do particular da situação que existiria se a conduta administrativa não tivesse acontecido, por ser impossível ou manifestamente inconveniente, impondo-se, no entanto, o dever de indemnizar.
não reconstituição da situação atual hipotética, evidenciada nos artigos 45º, 49º, 102º/5, 166º e 178º CPTA. Esta modalidade reporta-se ao direito de reconstituição na esfera jurídica do particular da situação que existiria se a conduta administrativa não tivesse acontecido, por ser impossível ou manifestamente inconveniente, impondo-se, no entanto, o dever de indemnizar.
Relativamente
ao ramo de direito pelo qual a responsabilidade é regulada, o ETAF submete aos
tribunais administrativos toda a responsabilidade civil administrativa
extracontratual, aplicando o disposto no artº. 4/1 al. g), h) e i) do referido
estatuto.
1-De acordo com o Professor Freitas do Amaral,” Direito
Administrativo”, Volume II, página 485;
2- (que são os factos geradores de maior parte das situações
de responsabilidade civil);
3- De acordo com o Professor Vasco Pereira de silva, “O
contencioso Administrativo no divã da Psicanálise”, 2ªedição, Almedina, Página 521.
4- De acordo com o Professor Vasco Pereira de silva, “O
contencioso Administrativo no divã da Psicanálise”, 2ªedição, Almedina, Página
523;
5- De acordo com o Professor Vasco Pereira de silva, “O
contencioso Administrativo no divã da Psicanálise”, 2ªedição, Almedina, Página
525;
6- De acordo com o Professor Vasco Pereira de silva, “O
contencioso Administrativo no divã da Psicanálise”, 2ªedição, Almedina, Página
526;
7- De acordo com o Professor Vasco Pereira de silva, “O
contencioso Administrativo no divã da Psicanálise”, 2ªedição, Almedina, Página
527 e 528;
8- MÁRIO, Aroso de Andrade/ DIOGO Freitas do Amaral,
“grandes linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, pág. 38 e 39;
9- VIERA, de Andrade, “A Justiça Administrativa”, página 125;
10- De acordo com o Professor Vasco Pereira de silva, “O
contencioso Administrativo no divã da Psicanálise”, 2ªedição, Almedina, Página 537;
Bibliografia
·
AMARAL, Diogo Freitas do,” Direito Administrativo”,
Volume II;
·
ANDRADE, Mário, Aroso de / AMARAL, Diogo Freitas do,
“grandes linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”;
·
PEREIRA; Vasco Pereira da, “O contencioso
Administrativo no divã da Psicanálise”, 2ªedição, Almedina;
·
VIERA, de Andrade, “A Justiça Administrativa”;
Carolina Rosa
Nº 28239
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