A
Modificação do Objeto do Processo – (In)justiça Face ao Particular?
Frederico Moreira Ventura Fernandes Sequeira
1. Considerações
Introdutórias
O tema sobre o qual nos debruçamos é
objeto de várias considerações a serem desenvolvidas infra pelo que tentaremos ser breves, nomeadamente iremos descortinar
em que consiste esta modificação da instância; a conexão que tem no âmbito dos
processos urgentes; a real e efetiva justiça entre ponderação de interesses –
particular versus interesse público –
a extensão do seu regime; a natureza desta indemnização; a visão da nossa
jurisprudência sobre o assunto.
Observando o art. 45º CPTA,
parece-nos de facto “mentiroso” se nos é permitida a expressão, isto é, não faz
jus ao que está efetivamente em causa, aliás, tenho a ousadia de dizer até que
o nosso legislador disse menos do que queria efetivamente dizer ou, dito por
outra forma, disse o que lhe convinha. Passo a explicar: não está em causa a
clareza do preceito sub judice, percebe-se a sua ratio de dar primazia quando esteja em
causa a “existência de uma situação de
impossibilidade absoluta” e/ou “um
prejuízo excecional para o interesse público”, denotando-se a supremacia do
interesse público face ao interesse do particular. Contudo, “esconde” a
restante parte da verdade, é que o particular tem razão na sua pretensão, mas
mesmo assim, aos olhos da Administração Pública é considerado irrelevante uma
vez que entra em conflito com interesses superiores, daí que o legislador trate
a questão com bastante superficialidade. Para isso, basta observar-mos a alínea
a) do número 1 deste preceito em que em tal ocasião “o tribunal profere decisão na qual reconhece o bem fundado da
pretensão”, deixando na sombra o facto de que o que está em causa é a efetiva
e constatável irrelevância e desconsideração da razão do particular, encontrando
a única solução de tentar amenizar a situação pela sua compensação dado que, o
que o interessado pretende e ambiciona jamais lhe será entregue, convidando
antes as partes a acordarem numa indemnização e, na falta de acordo, a fixar
tal indemnização a pedido do autor, sem prejuízo do mesmo optar por um pedido
autónomo de reparação dos danos – atente-se ao art. 45º/1, c) e d) ex vi nº 2 e
nº 3 todos do CPTA. Compreendemos mas não concordamos com o disposto, pelo que
acompanhamos de perto e na sua plenitude o pensamento de VASCO PEREIRA DA SILVA
quando nos alerta que o preceito em discussão é um verdadeiro “cheque em branco passado pelo legislador ao
juiz que [deveria de ser] inconstitucional
por violação do Principio da separação de poderes, do Principio do pedido e do
Principio da plenitude da tutela do particular[1]”, na medida em que se constata efetivamente uma
desproporcionalidade e, indo mais além, uma verdadeira injustiça e
desconsideração ao se atribuir um poder excessivo ao juiz e uma diminuição dos
direitos do particular.
Tendo em conta a prática
jurisprudencial sobre a qual faremos alusão infra[2], diga-se como ponto de
partida que, de facto, este preceito apresenta ambiguidades gritantes que
justificam a revisão da norma, entre as quais[3]: i) trata-se de um poder oficioso do juiz; ii) tendo o particular razão quanto ao fundo, a decisão de
improcedência significa a recusa do pedido com o fundamento invocado; iii) o facto do particular ter a
possibilidade de recurso se não concordar com a decisão do tribunal.
2.
O
art. 45º CPTA – Novos horizontes?
Como vimos, quando o tribunal verifique que
não pode condenar a Administração Pública pela prática de certos atos jurídicos
ou de certas operações materiais, que se tornou impossível ou causaria
excepcional prejuízo para o interesse público tirar as consequências da
sentença de anulação que foi chamado a proferir, emite sentença em que por um
lado recusa a emissão de sentença solicitada com esse fundamento e, por outro,
reconhece ao autor o direito à indemnização[4] a
que, por esse motivo tem direito, convidando as partes a acordarem no respetivo
montante, sendo precisamente aqui que se traduz a modificação (objetiva) da instância:
na substituição da pronúncia que o autor tinha solicitado, pela indemnização
que em eventual sede de execução da mesma, caso fosse proferida, sempre seria
de reconhecer como devida por estarmos ante aplicação do instituto das causas
legitimas de inexecução previsto no art. 163º CPTA. Neste condicionalismo, há
como que uma antecipação do julgamento a efetuar a respeito da causa legitima
de inexecução, cuja existência, de outro modo, seria apurada no âmbito de
eventual processo executivo da sentença a proferir, daí que a fixação de
indemnização vise substituir a satisfação do pedido originário, isto é, a convolação
do processo dirigido á emissão da decisão pretendida pelo autor num processo
dirigido à obtenção de um designado sucedâneo económico.
2.1. Quantum Pecuniário Indemnizatório
Deste modo, quando a lei concede ao autor a possibilidade
de requerer a fixação judicial de uma indemnização, está a pedir-lhe
efetivamente que a peça se este a pretender, tanto mais, e voltando um pouco
atrás, antes da efetiva reforma de 2015 (hoje revogado) o número 5 do art. 45º
CPTA conferia ao interessado a possibilidade de optar por deduzir um pedido
autónomo de reparação de este e de outros danos resultantes da atuação
ilegítima da Administração, mas exigindo-lhe, como em relação a qualquer outro
pedido formulado em juízo, que explicitasse os factos que lhe servem de suporte
e as normas que delimitam os seus contornos[5].
Importa salientar, ainda, que a imposição deste concreto dever ao tribunal,
aliado, se quisermos, aos princípios da pro
actione e da tutela jurisdicional
efetiva, princípios que obrigam a que a interpretação da legalidade processual
seja feita no sentido mais favorável à pronúncia de mérito em detrimento da
pronúncia de forma, significa que o juiz de uma ação administrativa comum,
colocado perante a emergência de situação que torne impossível satisfazer a
eventual procedência da pretensão deduzida pelo respetivo autor, deverá ser
muito cauteloso - e criterioso, diga-se - sempre que se trate de extrair, como
consequência processual dessa situação, a extinção da instância por inutilidade
superveniente da lide, pois um dos fins visados pelo art. 45º CPTA foi,
precisamente, o de evitar a prolação deste tipo de decisões formais. Tal
significa que a teleologia inerente ao preceito, bem como a sua real utilidade,
impõem que nos casos em que a impossibilidade absoluta de dar satisfação aos
interesses do autor configure uma situação de inutilidade superveniente da respetiva
lide, a extinção da instância, com este fundamento, só poderá ser declarada se
o autor a requerer ou a ela aderir, exercendo deste modo ainda que de forma
precoce, a faculdade de opção prevista no número 2 da mesma norma.
Ainda neste campo do quantum indemnizatório, há que distinguir a indemnização devida
pela inexecução – que excluía o apuramento do montante indemnizatório
correspondente à efetiva perda sofrida pelo particular em resultado da prática
do ato anulado – da indemnização devida em função dos danos causados pela
prática do mesmo por se tratar de indemnizações autónomas e diferenciadas
dotadas de pressupostos próprios a ressarcir em processos diferentes[6].
No primeiro caso, tal indemnização seria calculada no processo de execução
através de meios sumários e expeditos, no segundo, esse cálculo iria
realizar-se por via da propositura de uma ação visando a obtenção de uma
indemnização compensatória ou da formulação de um pedido nos termos do número 5
do art. 45º do CPTA anterior, isto é, por via de um processo declarativo
especial, se bem que esteja por explicar se este decorreria da modificação do objeto
do inicial processo de execução ou se importaria a propositura de uma nova e
independente ação judicial.
Não obstante o referido, a jurisprudência não
fixa (nem fixou) apenas um único entendimento singular. Tomemos em conta o Ac.
do Pleno[7] de
25 de Março de 2010, que depois de afirmar que não podendo os lesados ser
colocados na situação que por direito lhes pertencia, haveria que indemnizá-los
– tal qual a nossa menção supra -
sendo assim, a questão que se punha “já
não era a de saber se os prejudicados
têm direito a indemnização, mas sim saber qual o meio processual adequado para a
efetivar, designadamente, se podem usufruir do meio mais célere e
processualmente económico previsto no art. 45.º ou se têm de fazer uso de uma ação
autónoma”, tendo ponderado que face ao disposto no preceito, em ações de
indemnização em que seja formulado um pedido de reconstituição natural que se
demonstre impossível ou provocar excepcional prejuízo para o interesse público,
o tribunal julgará improcedente o pedido de reconstituição natural. Todavia, na
sequência dessa improcedência, o tribunal não pode deixar de converter o pedido
de indemnização através de reconstituição natural em pedido de indemnização em
dinheiro, pois “a indemnização é fixada
em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare
integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor” – fazendo
menção ao art. 566º/2 CC. Pelo que, mesmo que o interessado peça em ação
de indemnização a restituição natural, e não tenha formulado um pedido
sucedâneo de indemnização em dinheiro, não é aceitável que no contencioso
administrativo, ao contrário do que sucede nos processos cíveis, a
impossibilidade ou a excepcional onerosidade da reconstituição apenas permitam
ao tribunal atribuir ao interessado uma indemnização pelo facto de não haver
lugar a essa restauração, ficando de fora a indemnização derivada da atuação
que provocou os prejuízos, podendo esta ser legitima ou ilegítima nos casos em
que há lugar a indemnização por factos lícitos. Nesta
medida, a interpretação razoável do preceito em ações comuns de indemnização
por responsabilidade civil extracontratual, é a de que o pedido que se julga
improcedente é o de reconstituição natural (apenas esse), sendo o convite às
partes efetuado para acordarem o montante da indemnização respeitante à
globalidade da indemnização, abrangendo tanto os danos indemnizáveis que se
demonstrarem derivados da atuação (lícita ou ilícita) que é fundamento da ação,
como uma compensação pela privação do direito à execução por via de reconstituição
natural que, no âmbito do contencioso administrativo, também se considera
justificar uma indemnização.
De facto, seria uma solução manifestamente
irrazoável e incompatível com os interesses em jogo o facto do interessado que
propôs uma ação de indemnização para efetivar a responsabilidade civil
extracontratual, solicitando a reconstituição natural, tivesse de propor outra ação[8] do
mesmo tipo para obter o seu sucedâneo em dinheiro. Atente-se neste sentido, o
Ac.[9] STA
de 17 de Março de 2010, numa situação em que, ao envolver a utilidade pública de um prédio do recorrente,
este solicitava “a remoção imediata das
situações constituídas por atos consequentes do ato anulado, nomeadamente a
posse administrativa do imóvel em causa” e a “reparação de todos os lucros emergentes e lucros cessantes suportados
pelo ora exequente”, tendo o tribunal conhecido desses pedidos sem pôr em
causa a propriedade do meio processual utilizado, o que significa que reconheceu que o processo executivo era o local
próprio para efetivar o pedido indemnizatório que abrangesse todos os danos
provocados pelo ato anulado. (ênfase acrescentada nossas)
Do mesmo modo, mas no âmbito de pedidos
cumulativos (sendo invocado o art. 47º CPTA, hoje revogado mas útil para esta
compreensão), veja-se o Ac.[10]
de 15 de Fevereiro de 2007, ao considerar que a preocupação do legislador em
interligar o processo de declaração de ilegalidade do ato administrativo, e da
sua consequente anulação, com o processo destinado a reconstituir a chamada
situação atual hipotética foi ao ponto de admitir a possibilidade de se cumular
aquele pedido anulatório com “o pedido de
condenação da Administração à reparação dos danos resultantes da atuação ou
omissão administrativa ilegal”, e acrescentando que a não formulação desses
pedidos cumulativos não precludia “a
possibilidade de as mesmas pretensões serem acionadas no âmbito do processo de
execução de sentença de anulação” – aludindo para o número 3 do mesmo art
47º[11].
Daí que “a reparação de todos os danos
resultantes da prática de um ato administrativo judicialmente anulado terá de
ser feita através do referido processo de execução e que é a este, e só a este,
que o interessado tem de recorrer na falta de cumprimento espontâneo do julgado
por parte da Administração”. Hoje, em termos de cumulação, o número 4 do
art. 45º CPTA admite que, caso o autor tivesse cumulado um pedido dirigido a
obter a reparação dos danos causados pela atuação ilegítima do demandado, a
convolação do pedido principal decorrente da aplicação do seu número 1 permitia-lhe
ampliar o pedido desde o inicio, deduzido de modo a que nele se inclua o
montante de indemnização adicional que lhe passou a ser devido pelo facto de se
ter visto privado da pronúncia jurisdicional referente ao pedido principal a
que teria direito.
Nota
importante, é que não nos podemos esquecer que o quantum indemnizatório que está aqui em causa corresponde ao que é
devido nos termos do art. 166º CPTA no âmbito do processo executivo por causa
legitima de inexecução[12],
mas já retomaremos este ponto. Por outro lado, quando a pretensão se dirija à
restituição de bens ou restituição natural de situações preexistentes[13], a
indemnização corresponde ao valor dos bens ou ao equivalente pecuniário da
situação que já não pode ser reintegrada, - por exemplo, um automóvel
apreendido ou uma casa demolida[14] –
sem incluir os eventuais danos resultantes do interessado ter tido necessidade
de utilizado um outro automóvel ou recorrido a transportes públicos[15],
sendo que o número 3 do art. 45º CPTA tem precisamente em vista a reparação de
danos que vão para além dos diretamente associados ao facto da inexecução.
Dado
que nos encontramos a cindir o preceito nas suas minúcias, fazemos nova alusão,
desta vez à alínea c) do número 1 do art. 45º CPTA, retomando a ligação ao art.
166º CPTA. O direito à indemnização aí previsto[16]
não depende do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual
das entidades públicas e, designadamente, da demonstração de que a causa
legitima de inexecução é imputável à entidade demandada. Nos termos do art. 166º/1
e 178º/1 ambos do CPTA, a referência à indemnização devida deve ser lida no
sentido de que, quando exista causa legitima de inexecução, a responsabilidade
pelo prejuízo resultante da mesma é, sem margem para dúvidas, objetiva. Pelo
contrário, a Administração Pública apenas responderá nos termos do regime da responsabilidade
civil extracontratual das entidades públicas pelos danos que a sua atuação
ilegítima possa ter causado e que sempre ficariam por reparar mesmo que não
ocorresse o circunstancialismo presente no número 1 a que já aludimos um par de
vezes, e neste âmbito, a expressão “pode
requerer” presente no número 2 transparece a ideia de que o interessado
pode optar (rectius, preferir) por propor
uma ação autónoma com o mesmo objeto, implicando, ipso facto, a extinção da instância no processo, daí que para MÁRIO
AROSO DE ALMEIDA “se o autor não vier ao
processo requerer a fixação judicial da indemnização devida dentro do prazo de
um mês, a extinção do processo que daí decorre não o impede de propor ação
autónoma com esse [mesmo] objeto[17]”, o que tendemos a subscrever por um
argumento de maioria de razão. No âmbito da cumulação de pedidos, como de igual
modo já fizemos alusão, ainda que a ação venha a improceder por falta de
preenchimento dos pressupostos deste tipo de responsabilidade por parte de
entidades públicas, no que diz respeito ao pedido do ressarcimento dos
eventuais prejuízos derivados da atuação ilegal a que se dirige o pedido que vinha
cumulado na ação, nem por isso deixará de proceder o pedido dirigido à fixação
do montante indemnizatório que ao autor passou a ser objetivamente devido nos
termos da alínea c) a partir do momento em que se viu privado da possibilidade
de obter a sentença condenatória ou anulatória que teria dado provimento ao
pedido principal que tinha deduzido.
Importante aludir, por último, que a
possibilidade de modificação objetiva por via da convolação num processo de
indemnização apenas opera nas ações de função de tutela subjetiva em que o
autor possa invocar a lesão de um interesse pessoal que seja capaz de, por sua
vez, ser avaliado pecuniariamente, ficando por isso excluídos os processos no
âmbito da ação pública ou da ação popular em que esteja em causa a defesa do
interesse geral da legalidade como é constatável em ações propostas pelas
pessoas (singulares e coletivas) presentes nos art. 55º/1, b) e e) e nº2 ex vi
68º/1, b) e e) todos do CPTA. Todavia, como bem reconhecem MÁRIO AROSO DE
ALMEIDA e CARLOS CADILHA, nada parece obstar que “a conversão em indemnização possa ter lugar no quadro da ação popular
na medida em que o art. 22º da Lei nº 83/95, de 31 Agosto [que regula o exercício
do direito de ação popular], prevê um
regime de fixação de indemnização por danos causados que admite poder ser uma
indenização fixada globalmente quando se trate de interesses de titulares não
individualmente identificados ou uma indemnização a fixar nos termos gerais de
Responsabilidade Civil quando se trate de titulares de interesses identificados[18]”.
3. A
Ponte face aos Processos da Ação Administrativa Urgente, maxime, o Contencioso Pré-Contratual
A
lei estende expressamente a este processo urgente - embora a sua inserção
sistemática difira[19] - uma vez preenchidos
todos os pressupostos do art. 45º e 45º-A[20] CPTA, designadamente em
caso de impossibilidade absoluta de satisfação dos interesses do autor -
tome-se como exemplo a situação da obra adjudicada em concurso já ter sido,
entretanto, concluída ou o contrato de fornecimento já ter sido, entretanto, cumprido[21].
Nesta
vertente de conexão ou compatibilização entre ambos os preceitos, a ratio da sua existência, rectius, a sua finalidade principal
assenta na antecipação do juízo sobre a existência de causas legítimas de
inexecução da sentença que venha a ser proferida, trazendo logo à colação o
problema da indemnização devida proveniente da precedente inexecução legítima
da sentença. A par do art. 45º CPTA, o preceito em análise proporciona ao
autor, por via de um ágil mecanismo localizado no âmbito do próprio processo, a
reparação dos danos que ele próprio possa ter sofrido por ter sido ilegalmente
preterido quando se torne evidente que já não é possível dar satisfação
integral ao seu interesse primário[22].
Com efeito, o tribunal limita-se, deste modo, a antecipar um juízo sobre a
existência de uma situação que, de outro modo, seria, de per si, geradora de causa legítima de inexecução da eventual
sentença de outro tipo que viesse a proferir, mas contrariamente àquele
preceito, “a faculdade conferida ao juiz
circunscreve-se, no âmbito do contencioso pré-contratual, à impossibilidade
absoluta de execução do julgado anulatório[23]”. Não obstante, perante uma situação
abrangida pelo art. 102º CPTA (nomeadamente o seu número 6), há que constatar que
este remete para o art.º 45 em termos do modus
faciendi das operações necessárias à determinação do montante do cálculo da
indemnização. Com estes preceitos visou-se, por isso, inserir uma fase
executiva, procurando antecipar o juízo sobre a existência de causa legítima de
inexecução de uma sentença evitando que o processo termine com uma decisão
meramente formal de declaração de impossibilidade da lide. Chegados a este
ponto, há que aferir dos pressupostos[24]
para que a modificação da instância decorrente de determinadas circunstâncias opere
começando pela formulação de dois juízos: primariamente, de que se parte do
pressuposto de que ocorre uma impossibilidade objetiva de satisfazer a pretensão
do autor, depois, a constatação de que a satisfação dos interesses do autor só
é viável se os fundamentos - factuais e jurídicos - invocados se mostrarem
procedentes, o que impõe a necessidade de uma prévia análise dos mesmos da qual
resulta, como consequência inultrapassável evidenciada pelos objetivos e razão
de ser do preceito[25], que
a pretensão enunciada na ação tem que ser viável no plano jurídico, ou seja,
tem que ser de procedência. Apenas essa sequência permite o passo seguinte, o
da modificação objetiva da instância, realidade, aliás, suficientemente sublinhada
e mais clarificada pelo art. 45º/1, o que, desde logo, deixa perceber que é
necessário proceder-se à análise da situação e concluir pela condenação. Apenas
de seguida é que nos planos lógico-cronológico (chamemos-lhe assim), será
possível dar o passo subsequente, ou seja, o de convidar as partes a acordarem,
no prazo de 20 dias, no montante da indemnização a que o autor tem direito,
seguindo-se os trâmites previstos no número 3 e 4 do preceito em análise,
preceito este que, ao estabelecer que o tribunal deverá ordenar as diligências
instrutórias que considere necessárias, transparece o entendimento que as
partes, podendo fazê-lo, não estão obrigadas a apresentar a prova desses
factos. Daí que, enquanto que na fase inicial de alegação dos factos e razões
jurídicas vigora o princípio do dispositivo - que confere às partes a
composição do processo - e o princípio da igualdade das partes, na fase
subsequente – de produção de prova - rege o princípio da oficiosidade, que
impõe ao juiz o dever de agir independentemente da vontade das partes.
Por
último, gostaria de fazer alusão ao ponto[26]
que deixámos para concretização póstuma, pelo que chegou o momento, ainda que
breve. Tendo em mente o Ac. STA[27] datado
de 7 de Outubro de 2009, pode fazer-se referência ao que está efetivamente em
causa ao mencionar acerca do caso na altura sub
judice: “como se viu pelo relato
antecedente em ação atinente a contencioso pré-contratual, reconheceu-se o
cometimento de nulidade que afetava o procedimento [por negociação com
vista a adjudicação de fornecimento de serviços de imagiologia] e, abstendo-se o tribunal de proferir
sentença, na sequência de convite feito pelo TAF ao abrigo do disposto nos
artigos 45º/1 e 102º/6 CPTA, e uma vez frustrado o acordo, não foi acolhida a pretensão da Autora que reclamava indemnização por
lucros cessantes, sendo afirmado que apenas lhe assistia o direito aos danos traduzidos
em encargos tidos com a apresentação da sua proposta, posição esta sufragada
pelo acórdão recorrido, [continuando o Ac.], é que, segundo o decidido, a ter sido a nulidade reconhecida em tempo,
a mesma apenas implicaria que o contrato não poderia ter sido celebrado com a
adjudicatária, mas não necessariamente com a Autora, pelo que se convidou esta
a reformular o seu requerimento, decisão esta impugnada por autor e réu. Ora,
como se ponderou no acórdão recorrido e com o que se concorda, no âmbito do art.
102º/6 e 45° CPTA, o pedido formulado pela recorrente não é o que deriva como
prejuízo da antecipada impossibilidade de satisfação dos seus interesses,
designadamente da repristinação da situação que existiria se não tivesse sido
praticado o ato ilegal, mas, antes, os
que derivam do facto de lhe dever ter sido adjudicado um determinado contrato”. (ênfase acrescentadas nossas)
3.1. Quantum Indemnizatório em Causa
No que concerne à indemnização no âmbito da
responsabilidade pré-contratual, o lesado tem direito a ser indemnizado apenas
pelos danos negativos[28] (o
denominado “dano da confiança”), isto é, pelos danos que não teria se não tivesse
celebrado o contrato, não se incluindo na medida do dano ressarcível o lucro
esperado com o cumprimento do contrato. Nesta linha, e apoiando-nos no “princípio da flexibilidade do objeto do
processo[29]”, a ideia principal deste preceito é a
de antecipar o juízo sobre a existência de causas legítimas de inexecução da
sentença que venha a ser proferida, permitindo assim evitar, em casos
evidentemente excecionais, a prolação de decisões judiciais insuscetíveis de se
materializarem em sede executiva, trazendo, logo para este âmbito, isto é, para
a ação declarativa, o problema da indemnização devida pela “inexecução
legítima” da sentença.
4.
Ónus
da Prova - Particularidades
De nota breve mas importante, ao aplicarmos o
art. 163º/3 in fine CPTA analogicamente, tal significa que recai sobre a
Administração Pública o ónus de alegar, ainda que no âmbito do processo
declarativo, os factos de que tenha conhecimento e tenham relevo, na medida em
que possam caracterizar a existência de uma possível causa legitima de inexecução[30]
da eventual sentença a proferir, sentença esta condenatória, estabelecendo-se
que, quando seja esse o caso, o processo possa continuar para o efeito da
fixação judicial da indemnização devida por impossibilidade de cumprimento por
parte da Administração Pública dos deveres que sobre ela recaiam. Em caso de non liquet
probatório sobre os pressupostos da impossibilidade ou excepcional prejuízo
para o interesse público, deve o tribunal declarar como inexistente qualquer
facto impeditivo do direito invocado pelo autor[31].
5.
A Extensão
do Regime
Tal qual o nome indica, nos termos do art.
45º-A CPTA[32] verifica-se
uma extensão do regime previsto no preceito precedente, id est, podemos constatar duas situações típicas referentes a
pedidos dirigidos à invalidação de contratos: i) O contrato impugnado já se encontra celebrado e executado na
íntegra, daí que a Administração não possa praticar os atos e operações
materiais necessários de modo a repor o procedimento pré-contratual no estado
em que estaria se a infração cometida e sancionada pelo tribunal não tivesse ocorrido,
uma vez que o objeto visado por tal procedimento pré-contratual já se encontra
plenamente consumado; ii) O efeito
anulatório do contrato é afastado pelo juiz no âmbito do processo ao abrigo do art.
283º/4 Código dos Contratos Públicos (doravante CCP) sendo esta a disposição
que se deve entender que a alínea b) do número 1 deste preceito tem em vista quando
se refere ao “disposto na lei substantiva”,
sendo a hipótese prevista no preceito paralela há que se encontra prevista
nas alíneas a) e b) do número 1 deste preceito para situações de “excecional interesse publico”. A este
respeito tenha-se em conta que o art. 283º/4 CCP tem sido interpretado pela
doutrina[33] como
uma verdadeira válvula de escape (ou de salvaguarda) do sistema, isto é, apenas
sendo “ativada” em circunstâncias muito excecionais, em situações em que seja
possível antecipar que as consequências da destruição dos efeitos do contrato
seriam particularmente lesivas para os interesses que, estando envolvidos na
sua execução, sejam dignos de tutela jurídica. Deste modo, não basta que se
conclua que a invalidação deste negócio jurídico causaria à entidade
adjudicante prejuízos de ordem económica[34] pois
tais prejuízos estão sempre inevitavelmente associados a qualquer decisão de
invalidação de um contrato, daí que seja importante proceder-se à ponderação de
todas as circunstâncias relevantes[35]: “o estado de execução do contrato, o facto de
este ser ou não composto por prestações que podem ser técnica ou temporalmente
separadas ou mesmo a posição jurídica subjetiva do co-contratante da Administração
face à ilegalidade praticada[36]”, de modo a verificar se os prejuízos
que resultariam da aplicação da sanção de invalidade consequente prevista na
ordem pública, devem ou não considerar-se excessivos ou desproporcionais. Suscita-se
ainda a questão de saber qual o enquadramento a dar, neste contexto, às
situações que ocorrem quando no âmbito de relações pré-contratuais um
interessado na celebração de um contrato impugna o ato de adjudicação, mas na
pendencia da ação, se verifica já não ser possível ver satisfeito o seu
interesse uma vez que o contrato foi entretanto celebrado e executado,
resultando hoje claro do disposto da alínea a) deste preceito (art. 45º-A) que
tais situações se enquadram na previsão do art. 45º. Todavia, é de fazer menção
à posição contrária ao disposto preconizada por VERA EIRÓ[37]
ao adotar um entendimento (demasiado) restritivo do âmbito da indemnização
prevista nos art. 45º, 166º e 178º, efetuando uma interpretação[38] sui generis
entre duas categorias de danos que decorrem do facto de já não ser possível
obter a reconstituição da situação em conformidade com o quadro normativo
aplicável.
Para melhor compreendermos o número 3 do
preceito sub judice – e, ipso facto, compreendermos o número
precedente que se encontra correlacionado – tomemos em consideração “o caso da superveniência de um PDM que
qualifique como zona verde a área a que se refere o pedido do autor, dirigido á
obtenção de uma licença de construção. Aqui, quando seja de reconhecer em
função das concretas circunstâncias do caso que a licença teria sido atribuída
em termos de se poder afirmar que só através
de uma expropriação do plano [e, ipso
facto], mediante o pagamento da justa indemnização, o superveniente Plano
Municipal poderia fazer caducar a licença, há lugar á aplicação do regime do art. 45º[39]”. Ora neste prisma, em vez da
condenação requerida, o tribunal deve emitir uma sentença que, num primeiro
momento, reconheça que o pedido condenatório deduzido pelo autor era fundado
mas deixou de poder proceder devido à superveniência de uma alteração do quadro
normativo com alcance expropriativo do correspondente direito e que, por conseguinte,
reconheça ao autor o direito a ser indemnizado pelo facto de ter sido privado
do seu direito, convidando as partes a acordarem no montante da indemnização.
5.1. Quantum Indemnizatório em Causa
Tendo em mente a distinção entre a
indemnização devida pelo facto da inexecução e a eventual indemnização pelos
danos causados pelo ato ilegal, a Jurisprudência[40]
tem entendido que, no tipo de situação sub
judice, a indemnização pelo facto da
inexecução não pode corresponder nem ao interesse contratual negativo, nem ao
positivo, devendo antes limitar-se a ressarcir o interessado pela perda de
oportunidade de obter um resultado favorável no concurso pelo que tem de ser
fixada segundo critérios de equidade. Daqui, conclui-se que, quer a indemnização
pelo interesse contratual positivo, quer pelo negativo, ao abrigo de contratos
que se encontrem sujeitos a um procedimento de direito público, não pode ser atribuída
ao abrigo do art. 45º, sendo antes objeto de uma ação autónoma de indemnização
fundada no instituto da responsabilidade civil pré-contratual na qual caberá
apurar o efetivo prejuízo economicamente verificável sofrido em resultado da
prática daquele ato, daí que, apenas neste última sede poderia designadamente
haver lugar à efetiva atribuição de uma indemnização por perda de chance[41]
atendendo ao grau de probabilidade de êxito do interessado no concurso[42]/[43].
Não obstante, há que ter em conta que o julgamento por equidade apenas tem
aplicação quando “não seja de todo
possível determinar a probabilidade de êxito no concurso, designadamente quando
a decisão ilegal que impediu o requerente de nele participar tenha sido prévia à
própria apresentação das propostas ou quando, por inobservância do procedimento
que seria aplicável, os potenciais concorrentes nem sequer puderam formular as
suas propostas, ou ainda quando o critério de avaliação das propostas não se
baseie no preço mais baixo, mas no da proposta economicamente mais vantajosa e
sejam usados fatores que exijam um juízo da parte da Administração não
substituível ainda que com recurso a prova pericial, pelo tribunal[44]”.
6.
Nota
Final
Por fim e sem nos querermos alongar em
demasia, por tudo o que acabámos de expor supra,
não nos deixamos de indagar acerca da real e efetiva ponderação de interesses
mediante a situação em apreço, id est,
até que ponto é que não estaremos perante uma desvirtuação da tutela
jurisdicional efetiva do particular, direito constitucionalmente tutelado no art.
268º/4 CRP[45]. De
novo, compreendemos a intenção do legislador, mas será suficiente, rectius, será justa tal solução? E se
efetivamente o particular estiver à espera que determinada situação “jogue” a
seu favor por legitimo direito seu e tal não se venha a demonstrar? E se para o
particular este quantum
indemnizatório, rectius, esta
compensação for totalmente irrelevante para ele, sendo que o que pretende alcançar
é efetivamente o direito que lhe assiste ao invés de ver a sua pretensão
satisfeita por outra via? Como podemos observar, existem muitas indagações a
serem desenvolvidas e muitas respostas a serem dadas neste campo, daí que o
tema não me parece, de todo, claro nem devidamente
transparente, pelo que se apela a um desenvolvimento e concretizações mais elucidadoras
e de real justiça por parte da Doutrina e Jurisprudência que se adequem aos
tempos contemporâneos.
Concluo com uma frase de Ulpianus, que já no seu tempo nos relembrava e que por vezes nos
parece esquecido: “Honeste Vivere,
Alterum Non Laedere, Suum Cuique
Tribuere”, isto é, viver honestamente, não ofender o próximo e dar a cada um o que é seu por direito.
(ênfase acrescentada nossas)
[1] Silva, Vasco
Pereira da, in “Todo o contencioso
administrativo se tornou de plena jurisdição”, in CJA, nº 34, Julho/Agosto de 2002, pp. 30-31.
[2] A este respeito,
remetemos mais precisamente para o ponto concernente ao da compatibilidade com
o processo urgente do Contencioso Pré-Contratual, ponto §3.
[3] Aqui seguimos de
perto Andrade, José Carlos Vieira de, in
“A Justiça Administrativa – Lições”, 13º edição, 2014, pp. 288 – 290.
[4] Para um exemplo
prático claro da situação em causa, atente-se ao Ac. TCA (Norte), datado de 6
de Dezembro de 2007, (RELATOR: JOSÉ AUGUSTO ARAÚJO VELOSO), no qual “verificando-se, assim, a existência de uma
situação de impossibilidade absoluta de satisfação do interesse peticionado
pelos autores e ora recorrentes, estes vieram, nos termos e ao abrigo do
disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 45º do CPTA, requerer que o tribunal
procedesse à fixação judicial da indemnização a que consideram ter direito por
força do disposto no DL nº48051 de 21.11.67, uma vez que a prática do ato
administrativo que os autores e ora recorrentes pretendiam que a ré se
abstivesse de emitir e a consequente construção do nó entre a EN15 e a autoestrada
A11/IP9 e da respetiva praça da portagem com base no traçado da solução base do
respetivo projeto de execução, causaram aos autores e ora recorrentes avultados
prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, resultantes das lesões dos seus
direitos fundamentais acima descritos”.
[5] Poderemos aferir
tal conclusão, utilizando como lugar paralelo, o aresto do STA em Ac. datado de
29 de Novembro de 2006, processo nº 0843/06 (RELATOR: RUI BOTELHO).
[6] A este respeito e
na mesma linha, prevê o STA, em Ac. datado de 14 de Abril de 2016, processo nº
01448/15, (RELATOR: COSTA REIS).
[7] Processo nº 0913/08
(RELATOR: JORGE DE SOUSA).
[8] Mas de facto, os
tribunais vão variando da aferição da efetiva existência de um novo pedido ou
não, pelo que não é assim tão claro. Neste sentido, atente-se ao sumário do Ac.
STA datado de 29 de Novembro de 2006, processo nº 0843/06 (RELATOR: RUI
BOTELHO):
“IX -
O (novo) pedido do autor, resultante
da modificação da instância, o pedido de indemnização de todos os danos
sofridos, tem que se sustentar em factos - pois só ele os conhece - e razões
jurídicas que lhe possam conferir credibilidade e que se apresentam como uma ampliação
da causa de pedir que acrescerá à causa de pedir inicial”. (ênfase acrescentada nossa)
De igual modo importante para aferir
da natureza desta indemnização, tenha-se em conta o ponto seguinte do seu
sumário:
“XI
- Esta indemnização tem uma finalidade meramente reparadora, sem quaisquer
intuitos sancionatórios, é o próprio n.º 4 que o sublinha (aliás, indemnizar
visa compensar e relaciona-se com factos próprios do lesado, enquanto sancionar
visa punir e prende-se com factos exclusivos do infrator”.
[9] Processo nº 045899A,
(RELATOR: ADÉRITO SANTOS).
[10] Processo nº 01067/06,
(RELATOR: COSTA REIS).
[11] Hoje revogado como
já fizemos lembrar, mas importante para a extração de conclusões.
[12] Como bem aponta
Almeida, Mário Aroso de, e Cadilha, Carlos Alberto Fernandes, in “Comentário ao Código de Processo nos
Tribunais Administrativos”, 4ª edição, 2017, p. 288.
[13] Como foi referido supra.
[14] Exemplos dados por
Almeida, Mário Aroso de, e Cadilha, Carlos Alberto Fernandes, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais
Administrativos”, 4ª edição, 2017, pp. 290-291.
[15] Almeida, Mário
Aroso de, in “Impossibilidade de
satisfazer a pretensão do autor e indemnização devida: aproximação ao tema”,
in CJA nº83, pp. 7-9.
[16] Não querendo
suscitar dúvidas, referimo-nos à alínea c) do preceito referenciado.
[18] Mário Aroso de, e
Cadilha, Carlos Alberto Fernandes, in
“Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª
edição, 2017, p. 290.
[19] Ao passo que o
preceito principal se insere no âmbito da ação administrativa comum (art. 45º
CPTA), o preceito remissivo encontra-se presente no âmbito dos processos urgentes
(art. 102º/6 CPTA).
[20] Já faremos infra, breve menção à denominada,
extensão de regime.
[21] Como referem
elucidamente Almeida, Mário Aroso de, e Cadilha, Carlos Alberto Fernandes, in “Comentário ao Código de Processo nos
Tribunais Administrativos”, 4ª edição, 2017, p. 292 e de igual modo,
Oliveira, Mário Esteves de, e Oliveira, Rodrigo Esteves de, in "Código de Processo nos Tribunais
Administrativos", Volume I, 2006, p. 301:“Com estes preceitos visou-se enxertar uma fase executiva num processo
declarativo, procurando antecipar o juízo sobre a existência de causa legítima
de inexecução de uma sentença, evitando que o processo termine com uma decisão
meramente formal de declaração de impossibilidade da lide”.
[22] Exemplo desta
ligação tão intrínseca entre ambos os preceitos que saiu ainda de forma mais
reforçada pela reforma de 2015, aludimos para o Ac. STA datado de 29 de
Novembro de 2006, processo nº 0843/06 (RELATOR: RUI BOTELHO): “Portanto, também não faz qualquer sentido,
funcionando justamente na direção contrária, a alegação da recorrente (…) de
resto, irrelevante no contexto do presente recurso, onde refere que nas ações
comuns não está em causa, diretamente, o interesse público, ao passo que nas
ações de contencioso pré-contratual tal interesse público está diretamente
ameaçado, pela ação de alguém que não quer que o contrato administrativo seja
outorgado. De todo o modo, no caso em apreço, o único motivo invocado foi a
"impossibilidade" e não o excecional prejuízo para o interesse
público”.
[23] Almeida, Mário
Aroso de, e Cadilha, Carlos Alberto Fernandes, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª
edição, 2017, p. 293
[24] Entendemos que o
dito interesse público e/ou prejuízo excecional não são pressupostos, mas
antes, a constatação da supremacia e limite das pretensões dos particulares.
[25] A modificação do
objeto da instância.
[26] Referimo-nos à
nota de rodapé 2.
[27] Processo nº 0823/08
(RELATOR: JOÃO BELCHIOR).
[28] Na terminologia de
Amaral, Diogo Freitas do, e Aroso, Mário Aroso de, in “Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, 3ª
Edição Revista e Atualizada, 2004, p. 102.
[29] Como preveem Oliveira,
Mário Esteves de, e Oliveira, Rodrigo Esteves de, in "Código de Processo nos Tribunais Administrativos", Volume
I, 2006, p. 303.
[30] Para mais
desenvolvimentos sobre o assunto, ver Amaral, Diogo Freitas do, in “Execução das Sentenças dos Tribunais
Administrativos”, Almedina, 1997, pp. 136-147 e Almeida, Mário Aroso de, in “Anulação de Actos Administrativos e
Relações Jurídicas Emergentes”, Almedina, 2002, pp. 778-793.
[31] Assim o exige a
prática jurisprudencial, atente-se o disposto no Ac. TCA (Sul) de 22 de
Novembro de 2018, processo nº 1313/12.4BESNT (RELATOR: PEDRO MARCHÃO MARQUES): “um ‘non liquet’ em matéria de prova
resolve-se a favor do arguido por aplicação dos princípios da presunção de
inocência do arguido e do ‘in dubio pro reo’ devendo a prova coligida assentar
em factos que permitam um juízo de certeza, isto é, numa convicção segura, para
além de toda a dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que lhe são
imputados”. No mesmo sentido, Ac. TCA (Norte), de 31 de Janeiro de 2014,
processo nº 00433/11.7BEAVR (RELATOR: CARLOS LUÍS MEDEIROS DE CARVALHO): “O arguido não tem de provar que é inocente
da acusação que lhe é imputada dado o ónus da prova dos factos constitutivos da
infração impender sobre o titular do poder disciplinar, sendo que um non liquet
em matéria de prova terá de ser resolvido em favor do arguido por efeito da
aplicação dos princípios da presunção de inocência do arguido e do in dubio pro
reo”.
[32] Como assinala Almeida,
Mário Aroso de, in “A renovação do ato anulado e causa legitima
de inexecução: revisitação do tema”, in
CJA nº 73, pp. 28 e 29, está em causa “um
ponto de grande importância no plano substantivo, uma vez que o preceito assume
que, quando o contrato já foi celebrado e executado, não é mais possível
retomar o procedimento pré-contratual para substituir o ato inválido de
adjudicação por outro que não reincida nas mesmas causas de invalidade, porque
o novo ato seria nulo por falta de objecto”. Tal circunstância determina a
constituição, na esfera jurídica do autor, do direito à indemnização devida
pelo facto de não ser possível obter a substituição do ato ilegal por outro que
não enferme das mesmas ilegalidades em que tinha incorrido o primeiro.
[33] Almeida, Mário
Aroso de, e Cadilha, Carlos Alberto Fernandes, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª
edição, 2017, p. 299.
[34] Por exemplo,
custos resultantes do lançamento de um novo procedimento ou os encargos
associados à anulação retroativa do contrato.
[35] Cadilha, Carlos e
Cadilha, António, in “O contencioso
pré-contratual e o regime de invalidade dos contratos públicos”, Almedina,
2013, pp. 274-282.
[36] Podendo, neste caso,
a boa ou má fé do co-contratante influenciar decisivamente a intensidade do
dano ao interesse público que se deve considerar exigível para afastar o efeito
anulatório.
[37] Eiró, Vera, in “Quanto vale uma sentença?”, in estudos comemorativos dos 10 anos da
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, volume II, p. 837.
[38] Almeida, Mário
Aroso de, e Cadilha, Carlos Alberto Fernandes, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª
edição, 2017, p. 298 – para os autores, estamos perante um traçar de “uma linha de fronteira que nos parece
artificiosa”.
[39] Exemplo
brilhantemente conseguido que nos demonstra a situação real da prática urbanístico-administrativa
protagonizado por Almeida, Mário Aroso de, e Cadilha, Carlos Alberto Fernandes,
in “Comentário ao Código de Processo nos
Tribunais Administrativos”, 4ª edição, 2017, p. 299.
[40] A este respeito,
veja-se o pioneiro Ac. STA datado de 29 Novembro 2005, processo nº 41321-A
(RELATOR: ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA) que criou uma espécie de “precedente” na
matéria: estávamos perante um caso no qual o ato de adjudicação tinha sido
contenciosamente anulado com fundamento em vicio de falta de fundamentação e, entretanto,
a ocorrência de causa legitima de inexecução impossibilitava que fosse reconstituída
a situação atual hipotética através da emissão de um novo ato que, expurgado do
vicio que afetou a decisão anterior, reavaliasse as propostas dos concorrentes.
Ora o tribunal ponderou que não estariam em causa lucros cessantes (isto é, os ganhos
que o interessado teria obtido se tivesse vencido o concurso), visto que tal
possibilidade pressupunha que houvesse lugar à execução da sentença anulatória
e o procedimento de concurso tivesse prosseguido; nem tão pouco aos danos
emergentes (ou seja, os custos com a elaboração e apresentação da proposta),
dado que o lesado não deixou de participar no concurso e discutir a validade da
decisão final nele proferida. Assim, concluiu que a indemnização a entregar ao
lesado seria a que corresponde à perda da situação jurídica cujo
restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado, tendo o
tribunal para o efeito baseado o cálculo indemnizatório num juízo de equidade.
[41] Sobre o instituto
da perda de chance no nosso ordenamento português veja-se Gomes, Júlio Vieira, in “Sobre o dano da perda de chance”,
Direito e Justiça, volume XIX (2005), tomo II, pp. 9-23. De igual modo, Pinto, Paulo
Mota, in “Interesse contratual negativo e
Interesse contratual positivo”, volume II pp. 1088-1103. Por fim, Ferreira,
Rui Cardona, in “A indemnização do Interesse
contratual positivo e a perda de chance na contratação pública”, Coimbra,
2011, pp. 225-253.
[42] Neste âmbito
veja-se os sumários dos Ac. STA 01541-A/03, de 2 de Junho de 2010 (RELATOR:
COSTA REIS) e Ac. TCA Norte, de 4 de Novembro de 2011, processo nº 213/06
(RELATOR: ANDRÉ VIEIRA), que caminham no mesmo sentido.
[43] Mas MÁRIO AROSO DE
ALMEIDA questiona e bem: “E nas hipóteses
em que o interessado consegue efetivamente demonstrar que era ele quem deveria
ter celebrado e executado o contrato? Parece evidente que, aqui, a indemnização
a atribuir ao abrigo do art. 45º, pelo facto de o interessado já não poder
obter a utilidade pretendida, deve reparar o dano que para ele resulta da
circunstância de já não poder ser escolhido como adjudicatário e, por
conseguinte, celebrar e executar o contrato, indemnizando-o pelo interesse
contratual positivo” – Almeida, Mário Aroso de, in “Ilegalidades pré-contratuais, impossibilidade de satisfazer a
pretensão do autor e indemnização devida”, in CJA nº 98, p. 151.
[44] Neste sentido,
veja-se Cadilha, Carlos e Cadilha, António in
“Responsabilidade pré-contratual de entidades públicas”, in revista do CEJ,
1º semestre de 2016, nº1, p. 275.
[45] Dispõe o preceito
que “é garantido aos administrados tutela
jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos,
incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a
impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da
sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos
e a adoção de medidas cautelares adequadas”. A meu ver a questão coloca-se
precisamente ao nível do dito reconhecimento desses direitos ou interesses na
medida em que, até que ponto será bastante.
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