domingo, 9 de dezembro de 2018

A Modificação do Objeto do Processo – (In)justiça Face ao Particular?


A Modificação do Objeto do Processo – (In)justiça Face ao Particular?


Frederico Moreira Ventura Fernandes Sequeira


1.      Considerações Introdutórias
O tema sobre o qual nos debruçamos é objeto de várias considerações a serem desenvolvidas infra pelo que tentaremos ser breves, nomeadamente iremos descortinar em que consiste esta modificação da instância; a conexão que tem no âmbito dos processos urgentes; a real e efetiva justiça entre ponderação de interesses – particular versus interesse público – a extensão do seu regime; a natureza desta indemnização; a visão da nossa jurisprudência sobre o assunto.
             Observando o art. 45º CPTA, parece-nos de facto “mentiroso” se nos é permitida a expressão, isto é, não faz jus ao que está efetivamente em causa, aliás, tenho a ousadia de dizer até que o nosso legislador disse menos do que queria efetivamente dizer ou, dito por outra forma, disse o que lhe convinha. Passo a explicar: não está em causa a clareza do preceito sub judice, percebe-se a sua ratio de dar primazia quando esteja em causa a “existência de uma situação de impossibilidade absoluta” e/ou “um prejuízo excecional para o interesse público”, denotando-se a supremacia do interesse público face ao interesse do particular. Contudo, “esconde” a restante parte da verdade, é que o particular tem razão na sua pretensão, mas mesmo assim, aos olhos da Administração Pública é considerado irrelevante uma vez que entra em conflito com interesses superiores, daí que o legislador trate a questão com bastante superficialidade. Para isso, basta observar-mos a alínea a) do número 1 deste preceito em que em tal ocasião “o tribunal profere decisão na qual reconhece o bem fundado da pretensão”, deixando na sombra o facto de que o que está em causa é a efetiva e constatável irrelevância e desconsideração da razão do particular, encontrando a única solução de tentar amenizar a situação pela sua compensação dado que, o que o interessado pretende e ambiciona jamais lhe será entregue, convidando antes as partes a acordarem numa indemnização e, na falta de acordo, a fixar tal indemnização a pedido do autor, sem prejuízo do mesmo optar por um pedido autónomo de reparação dos danos – atente-se ao art. 45º/1, c) e d) ex vi nº 2 e nº 3 todos do CPTA. Compreendemos mas não concordamos com o disposto, pelo que acompanhamos de perto e na sua plenitude o pensamento de VASCO PEREIRA DA SILVA quando nos alerta que o preceito em discussão é um verdadeiro “cheque em branco passado pelo legislador ao juiz que [deveria de ser] inconstitucional por violação do Principio da separação de poderes, do Principio do pedido e do Principio da plenitude da tutela do particular[1], na medida em que se constata efetivamente uma desproporcionalidade e, indo mais além, uma verdadeira injustiça e desconsideração ao se atribuir um poder excessivo ao juiz e uma diminuição dos direitos do particular.
             Tendo em conta a prática jurisprudencial sobre a qual faremos alusão infra[2], diga-se como ponto de partida que, de facto, este preceito apresenta ambiguidades gritantes que justificam a revisão da norma, entre as quais[3]: i) trata-se de um poder oficioso do juiz; ii) tendo o particular razão quanto ao fundo, a decisão de improcedência significa a recusa do pedido com o fundamento invocado; iii) o facto do particular ter a possibilidade de recurso se não concordar com a decisão do tribunal.

2.      O art. 45º CPTA – Novos horizontes?
Como vimos, quando o tribunal verifique que não pode condenar a Administração Pública pela prática de certos atos jurídicos ou de certas operações materiais, que se tornou impossível ou causaria excepcional prejuízo para o interesse público tirar as consequências da sentença de anulação que foi chamado a proferir, emite sentença em que por um lado recusa a emissão de sentença solicitada com esse fundamento e, por outro, reconhece ao autor o direito à indemnização[4] a que, por esse motivo tem direito, convidando as partes a acordarem no respetivo montante, sendo precisamente aqui que se traduz a modificação (objetiva) da instância: na substituição da pronúncia que o autor tinha solicitado, pela indemnização que em eventual sede de execução da mesma, caso fosse proferida, sempre seria de reconhecer como devida por estarmos ante aplicação do instituto das causas legitimas de inexecução previsto no art. 163º CPTA. Neste condicionalismo, há como que uma antecipação do julgamento a efetuar a respeito da causa legitima de inexecução, cuja existência, de outro modo, seria apurada no âmbito de eventual processo executivo da sentença a proferir, daí que a fixação de indemnização vise substituir a satisfação do pedido originário, isto é, a convolação do processo dirigido á emissão da decisão pretendida pelo autor num processo dirigido à obtenção de um designado sucedâneo económico.

2.1.  Quantum Pecuniário Indemnizatório
Deste modo, quando a lei concede ao autor a possibilidade de requerer a fixação judicial de uma indemnização, está a pedir-lhe efetivamente que a peça se este a pretender, tanto mais, e voltando um pouco atrás, antes da efetiva reforma de 2015 (hoje revogado) o número 5 do art. 45º CPTA conferia ao interessado a possibilidade de optar por deduzir um pedido autónomo de reparação de este e de outros danos resultantes da atuação ilegítima da Administração, mas exigindo-lhe, como em relação a qualquer outro pedido formulado em juízo, que explicitasse os factos que lhe servem de suporte e as normas que delimitam os seus contornos[5]. Importa salientar, ainda, que a imposição deste concreto dever ao tribunal, aliado, se quisermos, aos princípios da pro actione e da tutela jurisdicional efetiva, princípios que obrigam a que a interpretação da legalidade processual seja feita no sentido mais favorável à pronúncia de mérito em detrimento da pronúncia de forma, significa que o juiz de uma ação administrativa comum, colocado perante a emergência de situação que torne impossível satisfazer a eventual procedência da pretensão deduzida pelo respetivo autor, deverá ser muito cauteloso - e criterioso, diga-se - sempre que se trate de extrair, como consequência processual dessa situação, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, pois um dos fins visados pelo art. 45º CPTA foi, precisamente, o de evitar a prolação deste tipo de decisões formais. Tal significa que a teleologia inerente ao preceito, bem como a sua real utilidade, impõem que nos casos em que a impossibilidade absoluta de dar satisfação aos interesses do autor configure uma situação de inutilidade superveniente da respetiva lide, a extinção da instância, com este fundamento, só poderá ser declarada se o autor a requerer ou a ela aderir, exercendo deste modo ainda que de forma precoce, a faculdade de opção prevista no número 2 da mesma norma.
Ainda neste campo do quantum indemnizatório, há que distinguir a indemnização devida pela inexecução – que excluía o apuramento do montante indemnizatório correspondente à efetiva perda sofrida pelo particular em resultado da prática do ato anulado – da indemnização devida em função dos danos causados pela prática do mesmo por se tratar de indemnizações autónomas e diferenciadas dotadas de pressupostos próprios a ressarcir em processos diferentes[6]. No primeiro caso, tal indemnização seria calculada no processo de execução através de meios sumários e expeditos, no segundo, esse cálculo iria realizar-se por via da propositura de uma ação visando a obtenção de uma indemnização compensatória ou da formulação de um pedido nos termos do número 5 do art. 45º do CPTA anterior, isto é, por via de um processo declarativo especial, se bem que esteja por explicar se este decorreria da modificação do objeto do inicial processo de execução ou se importaria a propositura de uma nova e independente ação judicial.
Não obstante o referido, a jurisprudência não fixa (nem fixou) apenas um único entendimento singular. Tomemos em conta o Ac. do Pleno[7] de 25 de Março de 2010, que depois de afirmar que não podendo os lesados ser colocados na situação que por direito lhes pertencia, haveria que indemnizá-los – tal qual a nossa menção supra - sendo assim, a questão que se punha “já não era a de saber se os prejudicados têm direito a indemnização, mas sim saber qual o meio processual adequado para a efetivar, designadamente, se podem usufruir do meio mais célere e processualmente económico previsto no art. 45.º ou se têm de fazer uso de uma ação autónoma”, tendo ponderado que face ao disposto no preceito, em ações de indemnização em que seja formulado um pedido de reconstituição natural que se demonstre impossível ou provocar excepcional prejuízo para o interesse público, o tribunal julgará improcedente o pedido de reconstituição natural. Todavia, na sequência dessa improcedência, o tribunal não pode deixar de converter o pedido de indemnização através de reconstituição natural em pedido de indemnização em dinheiro, pois “a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor” – fazendo menção ao art. 566º/2 CC. Pelo que, mesmo que o interessado peça em ação de indemnização a restituição natural, e não tenha formulado um pedido sucedâneo de indemnização em dinheiro, não é aceitável que no contencioso administrativo, ao contrário do que sucede nos processos cíveis, a impossibilidade ou a excepcional onerosidade da reconstituição apenas permitam ao tribunal atribuir ao interessado uma indemnização pelo facto de não haver lugar a essa restauração, ficando de fora a indemnização derivada da atuação que provocou os prejuízos, podendo esta ser legitima ou ilegítima nos casos em que há lugar a indemnização por factos lícitos. Nesta medida, a interpretação razoável do preceito em ações comuns de indemnização por responsabilidade civil extracontratual, é a de que o pedido que se julga improcedente é o de reconstituição natural (apenas esse), sendo o convite às partes efetuado para acordarem o montante da indemnização respeitante à globalidade da indemnização, abrangendo tanto os danos indemnizáveis que se demonstrarem derivados da atuação (lícita ou ilícita) que é fundamento da ação, como uma compensação pela privação do direito à execução por via de reconstituição natural que, no âmbito do contencioso administrativo, também se considera justificar uma indemnização.
De facto, seria uma solução manifestamente irrazoável e incompatível com os interesses em jogo o facto do interessado que propôs uma ação de indemnização para efetivar a responsabilidade civil extracontratual, solicitando a reconstituição natural, tivesse de propor outra ação[8] do mesmo tipo para obter o seu sucedâneo em dinheiro. Atente-se neste sentido, o Ac.[9] STA de 17 de Março de 2010, numa situação em que, ao envolver a  utilidade pública de um prédio do recorrente, este solicitava “a remoção imediata das situações constituídas por atos consequentes do ato anulado, nomeadamente a posse administrativa do imóvel em causa” e a “reparação de todos os lucros emergentes e lucros cessantes suportados pelo ora exequente”, tendo o tribunal conhecido desses pedidos sem pôr em causa a propriedade do meio processual utilizado, o que significa que reconheceu que o processo executivo era o local próprio para efetivar o pedido indemnizatório que abrangesse todos os danos provocados pelo ato anulado. (ênfase acrescentada nossas)
Do mesmo modo, mas no âmbito de pedidos cumulativos (sendo invocado o art. 47º CPTA, hoje revogado mas útil para esta compreensão), veja-se o Ac.[10] de 15 de Fevereiro de 2007, ao considerar que a preocupação do legislador em interligar o processo de declaração de ilegalidade do ato administrativo, e da sua consequente anulação, com o processo destinado a reconstituir a chamada situação atual hipotética foi ao ponto de admitir a possibilidade de se cumular aquele pedido anulatório com “o pedido de condenação da Administração à reparação dos danos resultantes da atuação ou omissão administrativa ilegal”, e  acrescentando que a não formulação desses pedidos cumulativos não precludia “a possibilidade de as mesmas pretensões serem acionadas no âmbito do processo de execução de sentença de anulação” – aludindo para o número 3 do mesmo art 47º[11]. Daí que “a reparação de todos os danos resultantes da prática de um ato administrativo judicialmente anulado terá de ser feita através do referido processo de execução e que é a este, e só a este, que o interessado tem de recorrer na falta de cumprimento espontâneo do julgado por parte da Administração”. Hoje, em termos de cumulação, o número 4 do art. 45º CPTA admite que, caso o autor tivesse cumulado um pedido dirigido a obter a reparação dos danos causados pela atuação ilegítima do demandado, a convolação do pedido principal decorrente da aplicação do seu número 1 permitia-lhe ampliar o pedido desde o inicio, deduzido de modo a que nele se inclua o montante de indemnização adicional que lhe passou a ser devido pelo facto de se ter visto privado da pronúncia jurisdicional referente ao pedido principal a que teria direito.
             Nota importante, é que não nos podemos esquecer que o quantum indemnizatório que está aqui em causa corresponde ao que é devido nos termos do art. 166º CPTA no âmbito do processo executivo por causa legitima de inexecução[12], mas já retomaremos este ponto. Por outro lado, quando a pretensão se dirija à restituição de bens ou restituição natural de situações preexistentes[13], a indemnização corresponde ao valor dos bens ou ao equivalente pecuniário da situação que já não pode ser reintegrada, - por exemplo, um automóvel apreendido ou uma casa demolida[14] – sem incluir os eventuais danos resultantes do interessado ter tido necessidade de utilizado um outro automóvel ou recorrido a transportes públicos[15], sendo que o número 3 do art. 45º CPTA tem precisamente em vista a reparação de danos que vão para além dos diretamente associados ao facto da inexecução.
             Dado que nos encontramos a cindir o preceito nas suas minúcias, fazemos nova alusão, desta vez à alínea c) do número 1 do art. 45º CPTA, retomando a ligação ao art. 166º CPTA. O direito à indemnização aí previsto[16] não depende do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas e, designadamente, da demonstração de que a causa legitima de inexecução é imputável à entidade demandada. Nos termos do art. 166º/1 e 178º/1 ambos do CPTA, a referência à indemnização devida deve ser lida no sentido de que, quando exista causa legitima de inexecução, a responsabilidade pelo prejuízo resultante da mesma é, sem margem para dúvidas, objetiva. Pelo contrário, a Administração Pública apenas responderá nos termos do regime da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas pelos danos que a sua atuação ilegítima possa ter causado e que sempre ficariam por reparar mesmo que não ocorresse o circunstancialismo presente no número 1 a que já aludimos um par de vezes, e neste âmbito, a expressão “pode requerer” presente no número 2 transparece a ideia de que o interessado pode optar (rectius, preferir) por propor uma ação autónoma com o mesmo objeto, implicando, ipso facto, a extinção da instância no processo, daí que para MÁRIO AROSO DE ALMEIDA “se o autor não vier ao processo requerer a fixação judicial da indemnização devida dentro do prazo de um mês, a extinção do processo que daí decorre não o impede de propor ação autónoma com esse [mesmo] objeto[17]”, o que tendemos a subscrever por um argumento de maioria de razão. No âmbito da cumulação de pedidos, como de igual modo já fizemos alusão, ainda que a ação venha a improceder por falta de preenchimento dos pressupostos deste tipo de responsabilidade por parte de entidades públicas, no que diz respeito ao pedido do ressarcimento dos eventuais prejuízos derivados da atuação ilegal a que se dirige o pedido que vinha cumulado na ação, nem por isso deixará de proceder o pedido dirigido à fixação do montante indemnizatório que ao autor passou a ser objetivamente devido nos termos da alínea c) a partir do momento em que se viu privado da possibilidade de obter a sentença condenatória ou anulatória que teria dado provimento ao pedido principal que tinha deduzido.
Importante aludir, por último, que a possibilidade de modificação objetiva por via da convolação num processo de indemnização apenas opera nas ações de função de tutela subjetiva em que o autor possa invocar a lesão de um interesse pessoal que seja capaz de, por sua vez, ser avaliado pecuniariamente, ficando por isso excluídos os processos no âmbito da ação pública ou da ação popular em que esteja em causa a defesa do interesse geral da legalidade como é constatável em ações propostas pelas pessoas (singulares e coletivas) presentes nos art. 55º/1, b) e e) e nº2 ex vi 68º/1, b) e e) todos do CPTA. Todavia, como bem reconhecem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, nada parece obstar que “a conversão em indemnização possa ter lugar no quadro da ação popular na medida em que o art. 22º da Lei nº 83/95, de 31 Agosto [que regula o exercício do direito de ação popular], prevê um regime de fixação de indemnização por danos causados que admite poder ser uma indenização fixada globalmente quando se trate de interesses de titulares não individualmente identificados ou uma indemnização a fixar nos termos gerais de Responsabilidade Civil quando se trate de titulares de interesses identificados[18].

3.      A Ponte face aos Processos da Ação Administrativa Urgente, maxime, o Contencioso Pré-Contratual
A lei estende expressamente a este processo urgente - embora a sua inserção sistemática difira[19] - uma vez preenchidos todos os pressupostos do art. 45º e 45º-A[20] CPTA, designadamente em caso de impossibilidade absoluta de satisfação dos interesses do autor - tome-se como exemplo a situação da obra adjudicada em concurso já ter sido, entretanto, concluída ou o contrato de fornecimento já ter sido, entretanto, cumprido[21].
             Nesta vertente de conexão ou compatibilização entre ambos os preceitos, a ratio da sua existência, rectius, a sua finalidade principal assenta na antecipação do juízo sobre a existência de causas legítimas de inexecução da sentença que venha a ser proferida, trazendo logo à colação o problema da indemnização devida proveniente da precedente inexecução legítima da sentença. A par do art. 45º CPTA, o preceito em análise proporciona ao autor, por via de um ágil mecanismo localizado no âmbito do próprio processo, a reparação dos danos que ele próprio possa ter sofrido por ter sido ilegalmente preterido quando se torne evidente que já não é possível dar satisfação integral ao seu interesse primário[22]. Com efeito, o tribunal limita-se, deste modo, a antecipar um juízo sobre a existência de uma situação que, de outro modo, seria, de per si, geradora de causa legítima de inexecução da eventual sentença de outro tipo que viesse a proferir, mas contrariamente àquele preceito, “a faculdade conferida ao juiz circunscreve-se, no âmbito do contencioso pré-contratual, à impossibilidade absoluta de execução do julgado anulatório[23]. Não obstante, perante uma situação abrangida pelo art. 102º CPTA (nomeadamente o seu número 6), há que constatar que este remete para o art.º 45 em termos do modus faciendi das operações necessárias à determinação do montante do cálculo da indemnização. Com estes preceitos visou-se, por isso, inserir uma fase executiva, procurando antecipar o juízo sobre a existência de causa legítima de inexecução de uma sentença evitando que o processo termine com uma decisão meramente formal de declaração de impossibilidade da lide. Chegados a este ponto, há que aferir dos pressupostos[24] para que a modificação da instância decorrente de determinadas circunstâncias opere começando pela formulação de dois juízos: primariamente, de que se parte do pressuposto de que ocorre uma impossibilidade objetiva de satisfazer a pretensão do autor, depois, a constatação de que a satisfação dos interesses do autor só é viável se os fundamentos - factuais e jurídicos - invocados se mostrarem procedentes, o que impõe a necessidade de uma prévia análise dos mesmos da qual resulta, como consequência inultrapassável evidenciada pelos objetivos e razão de ser do preceito[25], que a pretensão enunciada na ação tem que ser viável no plano jurídico, ou seja, tem que ser de procedência. Apenas essa sequência permite o passo seguinte, o da modificação objetiva da instância, realidade, aliás, suficientemente sublinhada e mais clarificada pelo art. 45º/1, o que, desde logo, deixa perceber que é necessário proceder-se à análise da situação e concluir pela condenação. Apenas de seguida é que nos planos lógico-cronológico (chamemos-lhe assim), será possível dar o passo subsequente, ou seja, o de convidar as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização a que o autor tem direito, seguindo-se os trâmites previstos no número 3 e 4 do preceito em análise, preceito este que, ao estabelecer que o tribunal deverá ordenar as diligências instrutórias que considere necessárias, transparece o entendimento que as partes, podendo fazê-lo, não estão obrigadas a apresentar a prova desses factos. Daí que, enquanto que na fase inicial de alegação dos factos e razões jurídicas vigora o princípio do dispositivo - que confere às partes a composição do processo - e o princípio da igualdade das partes, na fase subsequente – de produção de prova - rege o princípio da oficiosidade, que impõe ao juiz o dever de agir independentemente da vontade das partes.
             Por último, gostaria de fazer alusão ao ponto[26] que deixámos para concretização póstuma, pelo que chegou o momento, ainda que breve. Tendo em mente o Ac. STA[27] datado de 7 de Outubro de 2009, pode fazer-se referência ao que está efetivamente em causa ao mencionar acerca do caso na altura sub judice: “como se viu pelo relato antecedente em ação atinente a contencioso pré-contratual, reconheceu-se o cometimento de nulidade que afetava o procedimento [por negociação com vista a adjudicação de fornecimento de serviços de imagiologia] e, abstendo-se o tribunal de proferir sentença, na sequência de convite feito pelo TAF ao abrigo do disposto nos artigos 45º/1 e 102º/6 CPTA, e uma vez frustrado o acordo, não foi acolhida a pretensão da Autora que reclamava indemnização por lucros cessantes, sendo afirmado que apenas lhe assistia o direito aos danos traduzidos em encargos tidos com a apresentação da sua proposta, posição esta sufragada pelo acórdão recorrido, [continuando o Ac.], é que, segundo o decidido, a ter sido a nulidade reconhecida em tempo, a mesma apenas implicaria que o contrato não poderia ter sido celebrado com a adjudicatária, mas não necessariamente com a Autora, pelo que se convidou esta a reformular o seu requerimento, decisão esta impugnada por autor e réu. Ora, como se ponderou no acórdão recorrido e com o que se concorda, no âmbito do art. 102º/6 e 45° CPTA, o pedido formulado pela recorrente não é o que deriva como prejuízo da antecipada impossibilidade de satisfação dos seus interesses, designadamente da repristinação da situação que existiria se não tivesse sido praticado o ato ilegal, mas, antes, os que derivam do facto de lhe dever ter sido adjudicado um determinado contrato”. (ênfase acrescentadas nossas)

3.1.  Quantum Indemnizatório em Causa
No que concerne à indemnização no âmbito da responsabilidade pré-contratual, o lesado tem direito a ser indemnizado apenas pelos danos negativos[28] (o denominado “dano da confiança”), isto é, pelos danos que não teria se não tivesse celebrado o contrato, não se incluindo na medida do dano ressarcível o lucro esperado com o cumprimento do contrato. Nesta linha, e apoiando-nos no “princípio da flexibilidade do objeto do processo[29], a ideia principal deste preceito é a de antecipar o juízo sobre a existência de causas legítimas de inexecução da sentença que venha a ser proferida, permitindo assim evitar, em casos evidentemente excecionais, a prolação de decisões judiciais insuscetíveis de se materializarem em sede executiva, trazendo, logo para este âmbito, isto é, para a ação declarativa, o problema da indemnização devida pela “inexecução legítima” da sentença.

4.      Ónus da Prova - Particularidades
De nota breve mas importante, ao aplicarmos o art. 163º/3 in fine CPTA analogicamente, tal significa que recai sobre a Administração Pública o ónus de alegar, ainda que no âmbito do processo declarativo, os factos de que tenha conhecimento e tenham relevo, na medida em que possam caracterizar a existência de uma possível causa legitima de inexecução[30] da eventual sentença a proferir, sentença esta condenatória, estabelecendo-se que, quando seja esse o caso, o processo possa continuar para o efeito da fixação judicial da indemnização devida por impossibilidade de cumprimento por parte da Administração Pública dos deveres que sobre ela recaiam. Em caso de non liquet probatório sobre os pressupostos da impossibilidade ou excepcional prejuízo para o interesse público, deve o tribunal declarar como inexistente qualquer facto impeditivo do direito invocado pelo autor[31].
            
5.      A Extensão do Regime
Tal qual o nome indica, nos termos do art. 45º-A CPTA[32] verifica-se uma extensão do regime previsto no preceito precedente, id est, podemos constatar duas situações típicas referentes a pedidos dirigidos à invalidação de contratos: i) O contrato impugnado já se encontra celebrado e executado na íntegra, daí que a Administração não possa praticar os atos e operações materiais necessários de modo a repor o procedimento pré-contratual no estado em que estaria se a infração cometida e sancionada pelo tribunal não tivesse ocorrido, uma vez que o objeto visado por tal procedimento pré-contratual já se encontra plenamente consumado; ii) O efeito anulatório do contrato é afastado pelo juiz no âmbito do processo ao abrigo do art. 283º/4 Código dos Contratos Públicos (doravante CCP) sendo esta a disposição que se deve entender que a alínea b) do número 1 deste preceito tem em vista quando se refere ao “disposto na lei substantiva”, sendo a hipótese prevista no preceito paralela há que se encontra prevista nas alíneas a) e b) do número 1 deste preceito para situações de “excecional interesse publico”. A este respeito tenha-se em conta que o art. 283º/4 CCP tem sido interpretado pela doutrina[33] como uma verdadeira válvula de escape (ou de salvaguarda) do sistema, isto é, apenas sendo “ativada” em circunstâncias muito excecionais, em situações em que seja possível antecipar que as consequências da destruição dos efeitos do contrato seriam particularmente lesivas para os interesses que, estando envolvidos na sua execução, sejam dignos de tutela jurídica. Deste modo, não basta que se conclua que a invalidação deste negócio jurídico causaria à entidade adjudicante prejuízos de ordem económica[34] pois tais prejuízos estão sempre inevitavelmente associados a qualquer decisão de invalidação de um contrato, daí que seja importante proceder-se à ponderação de todas as circunstâncias relevantes[35]: “o estado de execução do contrato, o facto de este ser ou não composto por prestações que podem ser técnica ou temporalmente separadas ou mesmo a posição jurídica subjetiva do co-contratante da Administração face à ilegalidade praticada[36], de modo a verificar se os prejuízos que resultariam da aplicação da sanção de invalidade consequente prevista na ordem pública, devem ou não considerar-se excessivos ou desproporcionais. Suscita-se ainda a questão de saber qual o enquadramento a dar, neste contexto, às situações que ocorrem quando no âmbito de relações pré-contratuais um interessado na celebração de um contrato impugna o ato de adjudicação, mas na pendencia da ação, se verifica já não ser possível ver satisfeito o seu interesse uma vez que o contrato foi entretanto celebrado e executado, resultando hoje claro do disposto da alínea a) deste preceito (art. 45º-A) que tais situações se enquadram na previsão do art. 45º. Todavia, é de fazer menção à posição contrária ao disposto preconizada por VERA EIRÓ[37] ao adotar um entendimento (demasiado) restritivo do âmbito da indemnização prevista nos art. 45º, 166º e 178º, efetuando uma interpretação[38] sui generis entre duas categorias de danos que decorrem do facto de já não ser possível obter a reconstituição da situação em conformidade com o quadro normativo aplicável.
Para melhor compreendermos o número 3 do preceito sub judice – e, ipso facto, compreendermos o número precedente que se encontra correlacionado – tomemos em consideração “o caso da superveniência de um PDM que qualifique como zona verde a área a que se refere o pedido do autor, dirigido á obtenção de uma licença de construção. Aqui, quando seja de reconhecer em função das concretas circunstâncias do caso que a licença teria sido atribuída em termos de se poder afirmar que só através  de uma expropriação do plano [e, ipso facto], mediante o pagamento da justa indemnização, o superveniente Plano Municipal poderia fazer caducar a licença, há lugar  á aplicação do regime do art. 45º[39]. Ora neste prisma, em vez da condenação requerida, o tribunal deve emitir uma sentença que, num primeiro momento, reconheça que o pedido condenatório deduzido pelo autor era fundado mas deixou de poder proceder devido à superveniência de uma alteração do quadro normativo com alcance expropriativo do correspondente direito e que, por conseguinte, reconheça ao autor o direito a ser indemnizado pelo facto de ter sido privado do seu direito, convidando as partes a acordarem no montante da indemnização.

5.1.  Quantum Indemnizatório em Causa
Tendo em mente a distinção entre a indemnização devida pelo facto da inexecução e a eventual indemnização pelos danos causados pelo ato ilegal, a Jurisprudência[40] tem entendido que, no tipo de situação sub judice, a indemnização pelo facto da inexecução não pode corresponder nem ao interesse contratual negativo, nem ao positivo, devendo antes limitar-se a ressarcir o interessado pela perda de oportunidade de obter um resultado favorável no concurso pelo que tem de ser fixada segundo critérios de equidade. Daqui, conclui-se que, quer a indemnização pelo interesse contratual positivo, quer pelo negativo, ao abrigo de contratos que se encontrem sujeitos a um procedimento de direito público, não pode ser atribuída ao abrigo do art. 45º, sendo antes objeto de uma ação autónoma de indemnização fundada no instituto da responsabilidade civil pré-contratual na qual caberá apurar o efetivo prejuízo economicamente verificável sofrido em resultado da prática daquele ato, daí que, apenas neste última sede poderia designadamente haver lugar à efetiva atribuição de uma indemnização por perda de chance[41] atendendo ao grau de probabilidade de êxito do interessado no concurso[42]/[43]. Não obstante, há que ter em conta que o julgamento por equidade apenas tem aplicação quando “não seja de todo possível determinar a probabilidade de êxito no concurso, designadamente quando a decisão ilegal que impediu o requerente de nele participar tenha sido prévia à própria apresentação das propostas ou quando, por inobservância do procedimento que seria aplicável, os potenciais concorrentes nem sequer puderam formular as suas propostas, ou ainda quando o critério de avaliação das propostas não se baseie no preço mais baixo, mas no da proposta economicamente mais vantajosa e sejam usados fatores que exijam um juízo da parte da Administração não substituível ainda que com recurso a prova pericial, pelo tribunal[44]”.

6.      Nota Final
Por fim e sem nos querermos alongar em demasia, por tudo o que acabámos de expor supra, não nos deixamos de indagar acerca da real e efetiva ponderação de interesses mediante a situação em apreço, id est, até que ponto é que não estaremos perante uma desvirtuação da tutela jurisdicional efetiva do particular, direito constitucionalmente tutelado no art. 268º/4 CRP[45]. De novo, compreendemos a intenção do legislador, mas será suficiente, rectius, será justa tal solução? E se efetivamente o particular estiver à espera que determinada situação “jogue” a seu favor por legitimo direito seu e tal não se venha a demonstrar? E se para o particular este quantum indemnizatório, rectius, esta compensação for totalmente irrelevante para ele, sendo que o que pretende alcançar é efetivamente o direito que lhe assiste ao invés de ver a sua pretensão satisfeita por outra via? Como podemos observar, existem muitas indagações a serem desenvolvidas e muitas respostas a serem dadas neste campo, daí que o tema não me parece, de todo,  claro nem devidamente transparente, pelo que se apela a um desenvolvimento e concretizações mais elucidadoras e de real justiça por parte da Doutrina e Jurisprudência que se adequem aos tempos contemporâneos.        
Concluo com uma frase de Ulpianus, que já no seu tempo nos relembrava e que por vezes nos parece esquecido: “Honeste Vivere, Alterum Non Laedere, Suum Cuique Tribuere, isto é, viver honestamente, não ofender o próximo e dar a cada um o que é seu por direito. (ênfase acrescentada nossas)


[1] Silva, Vasco Pereira da, in “Todo o contencioso administrativo se tornou de plena jurisdição”, in CJA, nº 34, Julho/Agosto de 2002, pp. 30-31.
[2] A este respeito, remetemos mais precisamente para o ponto concernente ao da compatibilidade com o processo urgente do Contencioso Pré-Contratual, ponto §3.
[3] Aqui seguimos de perto Andrade, José Carlos Vieira de, in “A Justiça Administrativa – Lições”, 13º edição, 2014, pp. 288 – 290.
[4] Para um exemplo prático claro da situação em causa, atente-se ao Ac. TCA (Norte), datado de 6 de Dezembro de 2007, (RELATOR: JOSÉ AUGUSTO ARAÚJO VELOSO), no qual “verificando-se, assim, a existência de uma situação de impossibilidade absoluta de satisfação do interesse peticionado pelos autores e ora recorrentes, estes vieram, nos termos e ao abrigo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 45º do CPTA, requerer que o tribunal procedesse à fixação judicial da indemnização a que consideram ter direito por força do disposto no DL nº48051 de 21.11.67, uma vez que a prática do ato administrativo que os autores e ora recorrentes pretendiam que a ré se abstivesse de emitir e a consequente construção do nó entre a EN15 e a autoestrada A11/IP9 e da respetiva praça da portagem com base no traçado da solução base do respetivo projeto de execução, causaram aos autores e ora recorrentes avultados prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, resultantes das lesões dos seus direitos fundamentais acima descritos”.
[5] Poderemos aferir tal conclusão, utilizando como lugar paralelo, o aresto do STA em Ac. datado de 29 de Novembro de 2006, processo nº 0843/06 (RELATOR: RUI BOTELHO).
[6] A este respeito e na mesma linha, prevê o STA, em Ac. datado de 14 de Abril de 2016, processo nº 01448/15, (RELATOR: COSTA REIS).
[7] Processo nº 0913/08 (RELATOR: JORGE DE SOUSA).
[8] Mas de facto, os tribunais vão variando da aferição da efetiva existência de um novo pedido ou não, pelo que não é assim tão claro. Neste sentido, atente-se ao sumário do Ac. STA datado de 29 de Novembro de 2006, processo nº 0843/06 (RELATOR: RUI BOTELHO):
“IX - O (novo) pedido do autor, resultante da modificação da instância, o pedido de indemnização de todos os danos sofridos, tem que se sustentar em factos - pois só ele os conhece - e razões jurídicas que lhe possam conferir credibilidade e que se apresentam como uma ampliação da causa de pedir que acrescerá à causa de pedir inicial”. (ênfase acrescentada nossa)
De igual modo importante para aferir da natureza desta indemnização, tenha-se em conta o ponto seguinte do seu sumário:
XI - Esta indemnização tem uma finalidade meramente reparadora, sem quaisquer intuitos sancionatórios, é o próprio n.º 4 que o sublinha (aliás, indemnizar visa compensar e relaciona-se com factos próprios do lesado, enquanto sancionar visa punir e prende-se com factos exclusivos do infrator”.
[9] Processo nº 045899A, (RELATOR: ADÉRITO SANTOS).
[10] Processo nº 01067/06, (RELATOR: COSTA REIS).
[11] Hoje revogado como já fizemos lembrar, mas importante para a extração de conclusões.
[12] Como bem aponta Almeida, Mário Aroso de, e Cadilha, Carlos Alberto Fernandes, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, 2017, p. 288.
[13] Como foi referido supra.
[14] Exemplos dados por Almeida, Mário Aroso de, e Cadilha, Carlos Alberto Fernandes, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, 2017, pp. 290-291.
[15] Almeida, Mário Aroso de, in “Impossibilidade de satisfazer a pretensão do autor e indemnização devida: aproximação ao tema”, in CJA nº83, pp. 7-9.
[16] Não querendo suscitar dúvidas, referimo-nos à alínea c) do preceito referenciado.
[18] Mário Aroso de, e Cadilha, Carlos Alberto Fernandes, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, 2017, p. 290.
[19] Ao passo que o preceito principal se insere no âmbito da ação administrativa comum (art. 45º CPTA), o preceito remissivo encontra-se presente no âmbito dos processos urgentes (art. 102º/6 CPTA).
[20] Já faremos infra, breve menção à denominada, extensão de regime.
[21] Como referem elucidamente Almeida, Mário Aroso de, e Cadilha, Carlos Alberto Fernandes, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, 2017, p. 292 e de igual modo, Oliveira, Mário Esteves de, e Oliveira, Rodrigo Esteves de, in "Código de Processo nos Tribunais Administrativos", Volume I, 2006, p. 301:“Com estes preceitos visou-se enxertar uma fase executiva num processo declarativo, procurando antecipar o juízo sobre a existência de causa legítima de inexecução de uma sentença, evitando que o processo termine com uma decisão meramente formal de declaração de impossibilidade da lide”.
[22] Exemplo desta ligação tão intrínseca entre ambos os preceitos que saiu ainda de forma mais reforçada pela reforma de 2015, aludimos para o Ac. STA datado de 29 de Novembro de 2006, processo nº 0843/06 (RELATOR: RUI BOTELHO): “Portanto, também não faz qualquer sentido, funcionando justamente na direção contrária, a alegação da recorrente (…) de resto, irrelevante no contexto do presente recurso, onde refere que nas ações comuns não está em causa, diretamente, o interesse público, ao passo que nas ações de contencioso pré-contratual tal interesse público está diretamente ameaçado, pela ação de alguém que não quer que o contrato administrativo seja outorgado. De todo o modo, no caso em apreço, o único motivo invocado foi a "impossibilidade" e não o excecional prejuízo para o interesse público”.
[23] Almeida, Mário Aroso de, e Cadilha, Carlos Alberto Fernandes, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, 2017, p. 293
[24] Entendemos que o dito interesse público e/ou prejuízo excecional não são pressupostos, mas antes, a constatação da supremacia e limite das pretensões dos particulares.
[25] A modificação do objeto da instância.
[26] Referimo-nos à nota de rodapé 2.
[27] Processo nº 0823/08 (RELATOR: JOÃO BELCHIOR).
[28] Na terminologia de Amaral, Diogo Freitas do, e Aroso, Mário Aroso de, in “Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, 3ª Edição Revista e Atualizada, 2004, p. 102.
[29] Como preveem Oliveira, Mário Esteves de, e Oliveira, Rodrigo Esteves de, in "Código de Processo nos Tribunais Administrativos", Volume I, 2006, p. 303.
[30] Para mais desenvolvimentos sobre o assunto, ver Amaral, Diogo Freitas do, in “Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos”, Almedina, 1997, pp. 136-147 e Almeida, Mário Aroso de, in “Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes”, Almedina, 2002, pp. 778-793.
[31] Assim o exige a prática jurisprudencial, atente-se o disposto no Ac. TCA (Sul) de 22 de Novembro de 2018, processo nº 1313/12.4BESNT (RELATOR: PEDRO MARCHÃO MARQUES): “um ‘non liquet’ em matéria de prova resolve-se a favor do arguido por aplicação dos princípios da presunção de inocência do arguido e do ‘in dubio pro reo’ devendo a prova coligida assentar em factos que permitam um juízo de certeza, isto é, numa convicção segura, para além de toda a dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que lhe são imputados”. No mesmo sentido, Ac. TCA (Norte), de 31 de Janeiro de 2014, processo nº 00433/11.7BEAVR (RELATOR: CARLOS LUÍS MEDEIROS DE CARVALHO): “O arguido não tem de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada dado o ónus da prova dos factos constitutivos da infração impender sobre o titular do poder disciplinar, sendo que um non liquet em matéria de prova terá de ser resolvido em favor do arguido por efeito da aplicação dos princípios da presunção de inocência do arguido e do in dubio pro reo”.
[32] Como assinala Almeida, Mário Aroso de, in “A renovação do ato anulado e causa legitima de inexecução: revisitação do tema”, in CJA nº 73, pp. 28 e 29, está em causa “um ponto de grande importância no plano substantivo, uma vez que o preceito assume que, quando o contrato já foi celebrado e executado, não é mais possível retomar o procedimento pré-contratual para substituir o ato inválido de adjudicação por outro que não reincida nas mesmas causas de invalidade, porque o novo ato seria nulo por falta de objecto”. Tal circunstância determina a constituição, na esfera jurídica do autor, do direito à indemnização devida pelo facto de não ser possível obter a substituição do ato ilegal por outro que não enferme das mesmas ilegalidades em que tinha incorrido o primeiro.
[33] Almeida, Mário Aroso de, e Cadilha, Carlos Alberto Fernandes, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, 2017, p. 299.
[34] Por exemplo, custos resultantes do lançamento de um novo procedimento ou os encargos associados à anulação retroativa do contrato.
[35] Cadilha, Carlos e Cadilha, António, in “O contencioso pré-contratual e o regime de invalidade dos contratos públicos”, Almedina, 2013, pp. 274-282.
[36] Podendo, neste caso, a boa ou má fé do co-contratante influenciar decisivamente a intensidade do dano ao interesse público que se deve considerar exigível para afastar o efeito anulatório.
[37] Eiró, Vera, in “Quanto vale uma sentença?”, in estudos comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, volume II, p. 837.
[38] Almeida, Mário Aroso de, e Cadilha, Carlos Alberto Fernandes, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, 2017, p. 298 – para os autores, estamos perante um traçar de “uma linha de fronteira que nos parece artificiosa”.
[39] Exemplo brilhantemente conseguido que nos demonstra a situação real da prática urbanístico-administrativa protagonizado por Almeida, Mário Aroso de, e Cadilha, Carlos Alberto Fernandes, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, 2017, p. 299.
[40] A este respeito, veja-se o pioneiro Ac. STA datado de 29 Novembro 2005, processo nº 41321-A (RELATOR: ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA) que criou uma espécie de “precedente” na matéria: estávamos perante um caso no qual o ato de adjudicação tinha sido contenciosamente anulado com fundamento em vicio de falta de fundamentação e, entretanto, a ocorrência de causa legitima de inexecução impossibilitava que fosse reconstituída a situação atual hipotética através da emissão de um novo ato que, expurgado do vicio que afetou a decisão anterior, reavaliasse as propostas dos concorrentes. Ora o tribunal ponderou que não estariam em causa lucros cessantes (isto é, os ganhos que o interessado teria obtido se tivesse vencido o concurso), visto que tal possibilidade pressupunha que houvesse lugar à execução da sentença anulatória e o procedimento de concurso tivesse prosseguido; nem tão pouco aos danos emergentes (ou seja, os custos com a elaboração e apresentação da proposta), dado que o lesado não deixou de participar no concurso e discutir a validade da decisão final nele proferida. Assim, concluiu que a indemnização a entregar ao lesado seria a que corresponde à perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado, tendo o tribunal para o efeito baseado o cálculo indemnizatório num juízo de equidade.
[41] Sobre o instituto da perda de chance no nosso ordenamento português veja-se Gomes, Júlio Vieira, in “Sobre o dano da perda de chance”, Direito e Justiça, volume XIX (2005), tomo II, pp. 9-23. De igual modo, Pinto, Paulo Mota, in “Interesse contratual negativo e Interesse contratual positivo”, volume II pp. 1088-1103. Por fim, Ferreira, Rui Cardona, in “A indemnização do Interesse contratual positivo e a perda de chance na contratação pública”, Coimbra, 2011, pp. 225-253.
[42] Neste âmbito veja-se os sumários dos Ac. STA 01541-A/03, de 2 de Junho de 2010 (RELATOR: COSTA REIS) e Ac. TCA Norte, de 4 de Novembro de 2011, processo nº 213/06 (RELATOR: ANDRÉ VIEIRA), que caminham no mesmo sentido.
[43] Mas MÁRIO AROSO DE ALMEIDA questiona e bem: “E nas hipóteses em que o interessado consegue efetivamente demonstrar que era ele quem deveria ter celebrado e executado o contrato? Parece evidente que, aqui, a indemnização a atribuir ao abrigo do art. 45º, pelo facto de o interessado já não poder obter a utilidade pretendida, deve reparar o dano que para ele resulta da circunstância de já não poder ser escolhido como adjudicatário e, por conseguinte, celebrar e executar o contrato, indemnizando-o pelo interesse contratual positivo” – Almeida, Mário Aroso de, in “Ilegalidades pré-contratuais, impossibilidade de satisfazer a pretensão do autor e indemnização devida”, in CJA nº 98, p. 151.
[44] Neste sentido, veja-se Cadilha, Carlos e Cadilha, António in “Responsabilidade pré-contratual de entidades públicas”, in revista do CEJ, 1º semestre de 2016, nº1, p. 275.
[45] Dispõe o preceito que “é garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas”. A meu ver a questão coloca-se precisamente ao nível do dito reconhecimento desses direitos ou interesses na medida em que, até que ponto será bastante.

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