O
Ministério Público no Contencioso Administrativo – Recursos Jurisdicionais e a
Legalidade Processual
Nos termos do artigo 51, do Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais (ETAF) estabelece que a função do Ministério Público
é representar o Estado, defender a legalidade democrática e promover a
realização do interesse público.
Seja como autor, na medida em que cabe ao Ministério
Público, no âmbito da representação do Estado, a propositura das ações nos
tribunais administrativos, nomeadamente nos termos do artigo 9º/2, do Código do
Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), quando os valores e interesses
constitucionais estão em causa – saúde pública, ordenamento do território,
qualidade de vida, entre outros – ou num
papel de defesa quando seja o Estado o destinatário das ações propostas nos
tribunais administrativas, ao abrigo do artigo 11º/2, CPTA.
Mas a intervenção do Ministério Público no contencioso
administrativo não se restringe à primeira instância, uma vez que nos casos de
recursos jurisdicionais (e não administrativos) pode fazer-se ouvir quando no
litígio esteja em causa a violação de disposições ou princípios constitucionais
ou legais, e em que o próprio Ministério Público não seja parte, nos termos do
artigo 141º/1 e 146º/1, CPTA.
Há ainda uma outra realidade onde se verifica a
presença do Ministério Público nas ações a decorrer nos tribunais
administrativos e está prevista no artigo 85, CPTA. Não se trata de uma posição
ativa no processo, mas sim de uma entidade que o tribunal deverá tomar em
consideração, mediante o parecer emitido pelo Ministério Público.
Relativamente ao regime do anterior CPTA, e segundo o
professor Mário Aroso de Almeida, a intervenção do Ministério Público à luz do
regime atual é hoje mais reduzida, uma vez que anteriormente a ação deste órgão
se fazia sentir através da “emissão de um visto inicial e visto final, em que o
Ministério Público tinha, inclusivamente, a possibilidade de suscitar questões
de índole processual que pudessem obstar à apreciação do mérito da causa por
parte do tribunal”. [1]
Atualmente o Ministério Público, ao abrigo do artigo 85º,
CPTA, pode pronunciar-se sobre o mérito da causa, em questões de defesa dos
direitos fundamentais dos cidadãos e do interesse pública, de acordo com o nº2.
Este preceito faz ainda uma extensão das matérias em litígio que possibilitam a
intervenção do Ministério Público, através de remissão para o artigo 9º/2, CPTA
- valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o
ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o
património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias
locais.
No Acórdão nº 0960/17, o Ministério Público foi
notificado nos termos do artigo 146º, CPTA. Ora, analisando o artigo 146º,
verificamos que os requisitos para a sua aplicação são a inexistência do
Ministério Público no lugar do autor ou do réu e ainda, a pronúncia terá de
incidir sobre o mérito do recurso, os
direitos fundamentais dos cidadãos, dos interesses públicos e dos valores e
bens a que faz referência o artigo 9º/2, CPTA. A pronúncia do Ministério
Público, tal como se disse, não será em relação a aspetos processuais, mas
apenas sobre questões de direito substantivo.
Aquilo que se encontra previsto no artigo 146º, CPTA é
um poder de avaliação sobre o mérito do recurso (diferente do artigo 85º, CPTA
que prevê a intervenção do Ministério Público através da pronúncia sobre o
mérito da causa.
No acórdão referido, a decisão recorrida consiste na
situação em que o Ministério Público suscitou a inadmissibilidade do recurso
interposta por uma das partes, e o Tribunal a quo decidiu, considerando o
parecer emitido, que o “a notificação que lhe foi feita, nos termos do artigo
146º/1, CPTA, foi apenas para, querendo, se pronunciar sobre o mérito do
recurso, não abrangendo o poder de se pronunciar sobre a legalidade processual”.
O tribunal inferior – o Tribunal Central Administrativo do Sul –, no
entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, não apreciou corretamente a
questão suscitada no parecer do Ministério Público, considerando que “a questão
da (in)admissibilidade teria de preceder a apreciação do mérito do recurso.
A discussão no âmbito do Supremo Tribunal Administrativo
é saber se pronúncia do Ministério Público (notificado nos termos do artigo 146º/1,
CPTA), poderá abranger questões de legalidade processual e que, tomando em consideração
a regularidade das peças processuais, existência de exceções ou outros aspetos
que coloquem em causa o prosseguimento da ação, possam vincular o tribunal àquilo
que consta do parecer.
O
acórdão em apreço cita um outro (Acórdão do STA – Processo 01354/12): “Não lhe é permitido, pois, intervir
no âmbito deste preceito, na defesa da mera legalidade processual (a não ser
quando ela seja o próprio objeto do recurso), que por si só não constitui
direito fundamental ou interesse público especialmente relevante
[neste sentido ver José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa
(Lições), Almedina, 8ª edição, página 455; e AC TCAS de 18.11.04, Rº342/04].
Pelo que, não deixa de
ser questão de mérito o conhecimento de questão processual que seja objeto do
recurso, isto é, o MP não pode suscitar uma questão de legalidade processual
(como é o caso da nulidade em questão nos presentes autos) mas já poderá
pronunciar-se sobre a mesma se for o objeto do recurso e entender que o
justifica a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, em interesses públicos
especialmente relevantes ou valores ou bens referidos no nº 2 do artigo 9º do
CPTA (saúde pública, ambiente, urbanismo, ordenamento do território, qualidade
de vida, património cultural e bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias
locais), ao abrigo dos artigos 85º nº2 e 146º, nº 1, do CPTA.”
Deste modo, o Ministério Público está legitimado pela
lei – artigo 146º/1, CPTA – para emitir parecer, em sede de recurso jurisdicional,
que incida sobre o mérito jurisdicional interposto por terceiros, nos casos em
que estejam em causa os direitos e interesses constitucionais, valores ou bens
referidos no artigo 9º/2, do CPTA.
As questões relativas à legalidade processual estão
fora do âmbito da pronúncia do Ministério Público. Essas questões são de
conhecimento oficioso do tribunal, estabelecendo a fronteira entre a ação do Ministério
Público e do Tribunal, admitindo que, em certos casos, poderá ser difícil de
traçar. Não podemos esquecer que o parecer do Ministério Público, quer nos
casos de recurso quer nos casos previstos no artigo 85, CPTA, não têm caráter
vinculativo relativamente ao Tribunal, podendo este órgão decidir em sentido
contrário ao que foi recomendado e esclarecido pelo Ministério Público.
O Ministério Público continua a representar o interesse
público e a salvaguarda dos direitos e interesses do Estado, mas a decisão final
caberá ao Tribunal, um dos órgãos de soberania.
Tiago Coluna (26241) - Subturma 8 - 4º Ano - Contencioso Administrativo e Tributário
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