domingo, 9 de dezembro de 2018


Condenação à prática de acto devido – A primeira lei de Newton no Contencioso Administrativo  
No âmbito do estudo dos pressupostos processuais em razão do objecto do processo, surge a condenação à prática do acto devido, prevista nos artigos 66º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Dentro desta temática, nos termos do art.67º/1/a, estão incluídas as situações de silêncio da Administração perante apresentação de um requerimento que constitua a Administração no dever de decidir. Este, juntamente com a tomada de decisões desfavoráveis ao interessado, constitui “o tipo mais frequente em que pode ser deduzido o pedido de condenação a prática de acto administrativo”[1].
O art. 13º do Código do Procedimento Administrativo impõe à Administração, pelo princípio da decisão, o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados[2]. Permanecendo omissa a entidade requerida, há lugar à condenação à prática do acto devido[3]. Contudo, o interessado apenas pode interpor a acção de condenação uma vez decorrido o prazo previsto no art. 69º/1. Estas disposições não se aplicam nos casos de deferimento tácito, ou seja, quando resulta de disposição legal que o silêncio da Administração tem valor de confirmação da pretensão do requerente. É de referir que o professor Vasco Pereira da Silva[4], contrariamente a Mário Aroso de Almeida[5], defende que também há lugar à condenação à prática do acto devido em caso de deferimento tácito, visto estar, de qualquer forma, em causa a ausência de uma actuação que era devida por pate da Administração.
Nesta análise da condenação à prática do acto devido surge, muitas vezes, tanto na doutrina como na jurisprudência, a referência ao termo “inércia da Administração”[6]. Para isto importa esclarecer, o que é a inércia da Administração? A referência à inércia, como apontado no título do presente trabalho, é uma referência à primeira lei de Newton sobre o movimento. Esta diz-nos que um objecto em movimento tende a permanecer em movimento, ou que um objecto parado tende a ficar parado, a não ser que seja sobre ele aplicada uma força[7]. Ora, que aplicação pode ter esta noção quando se fala de uma omissão por parte da Administração Pública? Podemos fazer o paralelismo nesta medida: o objecto que está parado e que, tendencialmente, permanecerá parado, é a Administração, perante o requerimento que lhe foi apresentado; a força exterior que poderá mudar esta tendência é acção de condenação à prática do acto devido, ou seja, esta acção “obriga” a Administração a mudar o seu comportamento de modo a iniciar movimento (a prática do acto que era devido).
O art. 67º/1/a vem revogar, como nos diz o autor Mário Aroso de Almeida[8], o art. 109º CPA. Este último artigo “abria a porta” ao indeferimento tácito, no qual a Administração podia não cumprir o dever de decisão a que a obriga o art. 13º CPA. Esta figura vinha criar a necessidade de se constituir uma “ficção legal”, que consistia na necessidade de se ficcionar a existência de um acto de indeferimento, mesmo que não fosse o caso, para o interessado poder lançar mão do meio de tutela então disponível, o recurso contencioso[9]. A introdução da inércia legal prevista no art. 67º/1/a veio esvaziar a necessidade desta ficção legal, bastando a omissão de actuação da Administração, para o interessado lança mão do meio de tutela disponível, agora, a decisão jurisdicional de condenação à prática de acto devido.
Dentro desta temática é pertinente analisar o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), processo nº 075/17, de 11 de Novembro. Este é relativo a um recurso para o STA da decisão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCA-Norte) em revogar a pronúncia absolutória da instância emitida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Mirandela, na acção administrativa especial interposta pela Associação 2000 de Apoio ao Desenvolvimento, com vista a obter a condenação do ora recorrente, O Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP (lEFP) à prática de acto devido.
Das questões em apreço neste acórdão, é de dar relevo àquele que vem disposta no art. 67º/2 CPTA. Tal como nos diz Aroso de Almeida[10] e a jurisprudência do STA, “a decisão do recurso hierárquico tacitamente indeferido nos termos do art° 175° n° 3 do CPA, que tem como objecto o acto primário consubstanciado na decisão do "subalterno" e já consolidado na ordem jurídica, por caducidade da respectiva acção administrativa (art°s 58°, n° 2, al. b) e 59°, nº 4 do CPTA), e, ainda, porque pressupõe uma reapreciação do mesmo, não pode ser objecto de uma acção especifica dirigida à condenação do órgão superior a emitir acto que decida o recurso hierárquico, sob pena de colidir com os princípios da segurança e confiança jurídicas.”[11] O tribunal acaba por decidir dar razão, neste ponto, ao requerente, não sem antes analisar a questão de que prazo deveria ter sido cumprido, aquando da propositura da acção. Há duas hipóteses, a de estarmos perante a inércia da entidade responsável pela prática do acto, sendo necessário, para que o interessado se faça valer do seu direito de interpor uma acção de condenação à prática do acto devido, tendo, deste modo, pelo art. 69º/1, a autora 1 ano para o fazer, ou então ser este um caso de indeferimento, ao qual é aplicado o prazo do art. 69º/2, tendo a autora 3 meses para o fazer. À data da acção estava ainda em vigor o anterior CPA que, no seu art. 175º/3 previa o indeferimento tácito de recursos hierárquicos. A noção de que o art. 69º/1 veio revogar tacitamente este artigo não parece ser de acolher, uma vez que este caso de falta de resposta não se trata de mera inércia ou omissão, mas parece mais recair na previsão do art. 69º/2, não há aqui que falar de revogação da lei que à data vigorava.
Em suma, a decisão do STA parece ser a mais correcta, na medida em que, tal como nos diz Aroso de Almeida[12], dá por revogado o art. 109º do anterior CPA, mas não deixa de aplicar o art. 175º do mesmo diploma, visto não haver evidencias que evidenciem a revogação deste ultimo, ele cabe na previsão do nº2 do art.69º.
Em suma, há a reter a noção consensual na doutrina e na jurisprudência de que em caso de omissão (não sendo apenas em caso de prática de actos prejudicais, mas bastando a mera inércia) por parte da Administração (genericamente, o órgão competente para determinado acto), cabe ao interessado recorrer, pelos meios para tal competentes e dentro dos prazos legais, à condenação à prática do acto devido, isto é, exercer sobre a Administração uma força que a obrigue à prática do acto inicialmente devido.

Joana Luís Gonçalves
Nº 28204, subturma 8

Bibliografia:
·         AROSO DE ALMEIDA, Mário, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2017
·         VIEIRA DE ANDRADE, José, A Justiça Administrativa, Almedina, 2017
·         PEREIRA DA SILVA, Vasco O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina, 2009
·         https://www.grc.nasa.gov/www/k-12/airplane/newton1g.html

·         http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e478c96325e4656e8025812b003c79e4?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1




[1] Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2017, p.311 e ss
[2] Cfr VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, Almedina, 2017, p. 193
[3] Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2017, p.314
[4] Cfr VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina, 2009, p.
[5] Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2017, p. 316
[6] Mário Aroso de Almeida, entre outros, e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 075/2017 de 11 de Novembro
[7] https://www.grc.nasa.gov/www/k-12/airplane/newton1g.html
[8] Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2017, p.316
[9] Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2017, p. 316

[11] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 075/2017 de 11 de Novembro
[12] Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2017, p. 316

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