Condenação à prática de
acto devido – A primeira lei de Newton no Contencioso Administrativo
No âmbito do estudo dos pressupostos processuais em razão
do objecto do processo, surge a condenação à prática do acto devido, prevista
nos artigos 66º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos
(CPTA). Dentro desta temática, nos termos do art.67º/1/a, estão incluídas as
situações de silêncio da Administração perante apresentação de um requerimento
que constitua a Administração no dever de decidir. Este, juntamente com a
tomada de decisões desfavoráveis ao interessado, constitui “o tipo mais
frequente em que pode ser deduzido o pedido de condenação a prática de acto
administrativo”[1].
O art. 13º do Código do Procedimento Administrativo impõe à
Administração, pelo princípio da decisão, o dever de se pronunciar sobre todos
os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados[2].
Permanecendo omissa a entidade requerida, há lugar à condenação à prática do
acto devido[3].
Contudo, o interessado apenas pode interpor a acção de condenação uma vez
decorrido o prazo previsto no art. 69º/1. Estas disposições não se aplicam nos
casos de deferimento tácito, ou seja, quando resulta de disposição legal que o
silêncio da Administração tem valor de confirmação da pretensão do requerente. É
de referir que o professor Vasco Pereira da Silva[4],
contrariamente a Mário Aroso de Almeida[5],
defende que também há lugar à condenação à prática do acto devido em caso de
deferimento tácito, visto estar, de qualquer forma, em causa a ausência de uma
actuação que era devida por pate da Administração.
Nesta análise da condenação à prática do acto devido surge,
muitas vezes, tanto na doutrina como na jurisprudência, a referência ao termo
“inércia da Administração”[6].
Para isto importa esclarecer, o que é a inércia da Administração? A referência
à inércia, como apontado no título do presente trabalho, é uma referência à
primeira lei de Newton sobre o movimento. Esta diz-nos que um objecto em
movimento tende a permanecer em movimento, ou que um objecto parado tende a
ficar parado, a não ser que seja sobre ele aplicada uma força[7].
Ora, que aplicação pode ter esta noção quando se fala de uma omissão por parte
da Administração Pública? Podemos fazer o paralelismo nesta medida: o objecto
que está parado e que, tendencialmente, permanecerá parado, é a Administração,
perante o requerimento que lhe foi apresentado; a força exterior que poderá
mudar esta tendência é acção de condenação à prática do acto devido, ou seja,
esta acção “obriga” a Administração a mudar o seu comportamento de modo a
iniciar movimento (a prática do acto que era devido).
O art. 67º/1/a vem revogar, como nos diz o autor Mário
Aroso de Almeida[8],
o art. 109º CPA. Este último artigo “abria a porta” ao indeferimento tácito, no
qual a Administração podia não cumprir o dever de decisão a que a obriga o art.
13º CPA. Esta figura vinha criar a necessidade de se constituir uma “ficção
legal”, que consistia na necessidade de se ficcionar a existência de um acto de
indeferimento, mesmo que não fosse o caso, para o interessado poder lançar mão
do meio de tutela então disponível, o recurso contencioso[9]. A
introdução da inércia legal prevista no art. 67º/1/a veio esvaziar a necessidade
desta ficção legal, bastando a omissão de actuação da Administração, para o
interessado lança mão do meio de tutela disponível, agora, a decisão
jurisdicional de condenação à prática de acto devido.
Dentro desta temática é pertinente analisar o acórdão do
Supremo Tribunal Administrativo (STA), processo nº 075/17, de 11 de
Novembro. Este é relativo a um recurso para o STA da decisão do Tribunal
Central Administrativo Norte (TCA-Norte) em revogar a pronúncia absolutória da
instância emitida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Mirandela, na
acção administrativa especial interposta pela Associação 2000 de Apoio ao
Desenvolvimento, com vista a obter a condenação do ora recorrente, O Instituto
de Emprego e Formação Profissional, IP (lEFP) à prática de acto devido.
Das
questões em apreço neste acórdão, é de dar relevo àquele que vem disposta no
art. 67º/2 CPTA. Tal como nos diz Aroso de Almeida[10] e a jurisprudência do
STA, “a decisão do recurso hierárquico tacitamente indeferido nos termos do
art° 175° n° 3 do CPA, que tem como objecto o acto primário consubstanciado na
decisão do "subalterno" e já consolidado na ordem jurídica, por
caducidade da respectiva acção administrativa (art°s 58°, n° 2, al. b) e 59°,
nº 4 do CPTA), e, ainda, porque pressupõe uma reapreciação do mesmo, não pode
ser objecto de uma acção especifica dirigida à condenação do órgão superior a
emitir acto que decida o recurso hierárquico, sob pena de colidir com os
princípios da segurança e confiança jurídicas.”[11] O tribunal acaba por
decidir dar razão, neste ponto, ao requerente, não sem antes analisar a questão
de que prazo deveria ter sido cumprido, aquando da propositura da acção. Há
duas hipóteses, a de estarmos perante a inércia da entidade responsável pela
prática do acto, sendo necessário, para que o interessado se faça valer do seu
direito de interpor uma acção de condenação à prática do acto devido, tendo,
deste modo, pelo art. 69º/1, a autora 1 ano para o fazer, ou então ser este um
caso de indeferimento, ao qual é aplicado o prazo do art. 69º/2, tendo a autora
3 meses para o fazer. À data da acção estava ainda em vigor o anterior CPA que,
no seu art. 175º/3 previa o indeferimento tácito de recursos hierárquicos. A
noção de que o art. 69º/1 veio revogar tacitamente este artigo não parece ser
de acolher, uma vez que este caso de falta de resposta não se trata de mera
inércia ou omissão, mas parece mais recair na previsão do art. 69º/2, não há
aqui que falar de revogação da lei que à data vigorava.
Em
suma, a decisão do STA parece ser a mais correcta, na medida em que, tal como
nos diz Aroso de Almeida[12], dá por revogado o art.
109º do anterior CPA, mas não deixa de aplicar o art. 175º do mesmo diploma,
visto não haver evidencias que evidenciem a revogação deste ultimo, ele cabe na
previsão do nº2 do art.69º.
Em
suma, há a reter a noção consensual na doutrina e na jurisprudência de que em
caso de omissão (não sendo apenas em caso de prática de actos prejudicais, mas
bastando a mera inércia) por parte da Administração (genericamente, o órgão
competente para determinado acto), cabe ao interessado recorrer, pelos meios
para tal competentes e dentro dos prazos legais, à condenação à prática do acto
devido, isto é, exercer sobre a Administração uma força que a obrigue à prática
do acto inicialmente devido.
Joana Luís Gonçalves
Nº 28204, subturma 8
Bibliografia:
·
AROSO DE ALMEIDA, Mário, Manual de Processo
Administrativo, Almedina, 2017
·
VIEIRA DE ANDRADE, José, A Justiça
Administrativa, Almedina, 2017
·
PEREIRA DA SILVA, Vasco O Contencioso
Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina, 2009
·
https://www.grc.nasa.gov/www/k-12/airplane/newton1g.html
·
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e478c96325e4656e8025812b003c79e4?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1
[1] Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de
Processo Administrativo, Almedina, 2017, p.311 e ss
[3] Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de
Processo Administrativo, Almedina, 2017, p.314
[4] Cfr VASCO PEREIRA DA SILVA, O
Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, Almedina, 2009, p.
[5] Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de
Processo Administrativo, Almedina, 2017, p. 316
[6] Mário Aroso de Almeida, entre outros, e
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 075/2017 de 11 de Novembro
[7] https://www.grc.nasa.gov/www/k-12/airplane/newton1g.html
[8] Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de
Processo Administrativo, Almedina, 2017, p.316
[9] Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de
Processo Administrativo, Almedina, 2017, p. 316
[11] Acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo, 075/2017 de 11 de Novembro
[12] Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de
Processo Administrativo, Almedina, 2017, p. 316
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