Diogo
de Brito Fonseca, aluno 28559, subturma 8
Notas
introdutórias
Na letra do CPA avulta,
no n.º1 do artigo 9.º, o princípio da decisão. Segundo este, os órgãos
administrativos têm, nos termos regulados pelo Código (ou seja, agindo
procedimentalmente de acordo com o modelo funcional nele estabelecido), de se
pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam
apresentados pelos particulares, quer estes o façam na defesa de interesses
individualizados, quer a título de participação cívica.[1]
A introdução da
condenação à prática de ato legalmente devido, como MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/
RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, constituiu uma verdadeira inovação no ordenamento
jurídico português, já que o facto de ter instituído um processo de plena
jurisdição permite superar as naturais deficiências do clássico recurso
contencioso de anulação em face de posições jurídicas de “conteúdo pretensivo
ou dinâmico” dos interessados.
Um método alternativo de
tutela dos particulares contra a inércia da administração em face de um pedido
de autorização do exercício de um direito é o deferimento tácito em que a lei atribui a constituição de um efeito
jurídico-administrativo permissivo à conduta omissiva por ela tipificada. [2]
A doutrina maioritária
defende que o regime do pedido de condenação à prática de ato devido visa
apenas as situações de silêncio da Administração em que, na legislação
anterior, se formava ato de indeferimento tácito. JOÃO TIAGO SILVEIRA[3], colocando o seu cunho
nesta questão, afirma primeiro que o deferimento tácito é uma figura do
procedimento administrativo – constituindo precisamente um mecanismo destinado
a evitar a necessidade de fazer valer uma pretensão junto dos tribunais perante
o silêncio administrativo – e não uma figura do contencioso administrativo,
pelo que o autor não vê possibilidade do novo Contencioso Administrativo ter
pretendido revogá-lo.
Diferentemente, o
indeferimento tácito era um instituto de direito processual que visava, até ao
CPTA, permitir o recurso contencioso de anulação na sequência de uma situação
de inércia da Administração, através da criação de uma simulação de existência
de ato. Assim sendo, faz todo o sentido que o pedido de condenação à prática de
ato devido, ao surgir como um instrumento de reação jurisdicional perante o
silêncio administrativo, vise substituí-lo, sendo absurdo para SILVEIRA,
estender esta intenção ao deferimento tácito, enquanto figura de direito
substantivo que é[4],
posição na qual me revejo.
Coloca-se, então, a
questão de saber qual a via de reação face a um ato de deferimento tácito.
Via
de reação face ao deferimento tácito
Alguns autores sustentam
que a via de reação perante um ato de deferimento tácito será o pedido de
impugnação de ato administrativo, da ação administrativa especial, e não a
condenação à prática de atos administrativos (artigo 67.º/1., al. a) do CPTA),
cujo objeto se circunscreve às situações em que, até à entrada em vigor do
CPTA, havia lugar à formação de atos de indeferimento tácito.[5]
Afirma-se que nos casos
de deferimento tácito não há lugar à propositura de uma ação de condenação à
prática de ato ilegalmente omitido, pelo simples motivo de que a produção desse
ato já resultou da lei, no sentido de que uma eventual ação de condenação à
prática de ato devido, nos casos mencionados, enfermaria de impossibilidade de
objeto, uma vez que o ato já existe, como SÉRVULO CORREIA o afirma. Mais se
afirma que a via de reação contra atos de deferimento tácito só pode passar
pelo pedido de impugnação de ato administrativo, dado que o regime do
deferimento tácito é o do ato expresso, substituindo o ato tácito obtido, para
todos os efeitos, o ato administrativo de sentido positivo que foi omitido,
como se esse ato existisse[6].
VASCO PEREIRA DA SILVA[7] afasta-se do entendimento
acima explanado por considerar que o deferimento tácito não é um ato
administrativo, sustentando a diferença entre a produção de efeitos decorrentes
de uma “ficção legal”, em caso de comportamento omissivo por parte da
Administração, e a atuação intencional da Administração, materializada num
procedimento destinado á emissão de um ato administrativo. Contudo, o auto
reconhece como obstáculo, independentemente de se admitir ou não que da omissão
administrativa que conduz ao deferimento tácito resulta um ato administrativo,
“o facto de estar em causa uma ficção legal com efeitos positivos que, o mesmo
é dizer, (em princípio) favorável ao particular[8]. Ainda assim, o autor não
desconsidera a admissibilidade de pedidos de condenação, em plena ação
administrativa especial, pelo menos em duas situações, como assim o aponta:
a)
O deferimento tácito não corresponder
integralmente às pretensões do particular;
b)
No âmbito de uma relação jurídica multilateral,
em face de qualquer outro sujeito que se vê confrontado com uma omissão
geradora de efeitos desfavoráveis, que lhes deve permitir a utilização da via
do pedido de condenação.[9]
Penso que é questionável
a configuração de situações de deferimento tácito parcialmente desfavorável às
pretensões do particular requerente. Nos casos de deferimento tácito, por
ficção legal, o resultado da omissão ilegal da Administração equivale a um
“autorizo”, “aprovo”. Querendo com isto dizer que a pretensão do particular é
atendida integralmente, ou seja, o legislador, através da criação deste
“expediente”, por mero decurso de prazo, concede um descondicionamento total do
exercício do direito do particular sem limitações ou parcelas. Outro resultado
não se configura imaginável, pois se não se pronunciou de todo, como conceber
que a Administração só aceitou uma parte da pretensão integral do particular?
Nos casos de deferimento tácito podemos afirmar que a “Administração cala, logo
consente na íntegra”[10].
Sendo um regime bastante
discutido na doutrina, naturalmente que terá críticas “fatais” e “assassinas”
perante a sua existência.
Críticas
do instituto do deferimento tácito
Bastantes autores têm
colocado em evidência as fraquezas desta figura, desde logo, o ato de
deferimento tácito é acusado comummente de potenciar uma permissão legal para a
adoção de atos ilegais, pondo em causa o próprio ordenamento jurídico.[11] Com o efeito, o risco de
ocorrência de ilegalidades é superior nos casos de deferimento tácito, dada a ausência
de apreciação da legalidade da pretensão do particular pelo órgão decisor,
pegando como exemplo o autor, JOÃO TIAGO SILVEIRA, a previsão do deferimento
tácito no domínio do pedido de autorização de operações urbanísticas, no Regime
Jurídico da Urbanização e Edificação.
Este instituto é acusado
de ser também potenciador de vícios no funcionamento da Administração. A
obtenção de decisões favoráveis ilegais ocorre com a conivência das autoridades
administrativas, sem que estas respondam efetivamente por isso, sem que sejam
objeto de qualquer sanção.[12] O que acabará por
significar que o deferimento tácito acaba por potenciar vícios na atividade
administrativa, uma vez que o silêncio da Administração tende, mal, a
transformar-se num elemento quase natural do procedimento administrativo.
Podemos invocar até a
potenciação dos casos de corrupção. Pensemos nas situações em que o titular do
órgão decisor é seduzido pelo particular requerente a decidir favoravelmente,
sendo fortemente “apelativo perder-se” no silêncio, ao invés de se pronunciar
através de ato expresso favorável. Exemplo dado por SÓNIA AFONSO VASQUES[13] é espelho nítido destas
situações, onde a omissão pode ser justificada pela desculpa da complexidade da
questão ou da escassez de recursos humanos.
Com o dito, seria mais
adequado que toda a “decisão” resultante de um silêncio” positivo fosse
acompanhada de uma ação inspetiva efetiva sobre a atuação da Administração que
explanasse os seus motivos, porquanto ela implica uma infração legal. Defendo a
mesma solução quando esteja em causa o silêncio negativo, por configurar, na
mesma medida, uma infração legal, como ANTÓNIO CÂNDIDO DE OLIVEIRA[14], defende. Porém, a
eficácia destas ações estaria dependente do estabelecimento de um regime disciplinar
severo, como forma de combate à demissão por parte da Administração do dever
legal de decidir.
Conclusão:
Posição adotada
É inegável que o
deferimento tácito contra a passividade da Administração desempenha uma função
primordialmente garantística do particular, permitindo-lhe a imediata
satisfação da pretensão formulada.
No passado o risco da
formação de deferimento tácito inválido era preferível do ponto de vista do
particular e suportável do ponto de vista do interesse público e de terceiros,
o que difere na atualidade em que o ordenamento jurídico português passa a
contemplar um instrumento processual que tem em vista superar o défice de
proteção jurídica que deriva do silêncio administrativo. Como refere CARLOS
FERNANDES CADILHA, “o silêncio positivo não é hoje, pois, uma absoluta
exigência do direito”.
Contudo, admitir a
possibilidade de reação contenciosa em todos os casos em que a Administração
decide por uma conduta omissiva ilegal, pode albergar uma “avalanche” de
processos inúteis nos tribunais, traduzindo-se num verdadeiro bloqueio do
sistema judicial.[15]
Preservar o instituto do
deferimento tácito no atual estado de desenvolvimento do Contencioso
Administrativo, permitindo a sua coexistência com a regra da ausência de
atribuição de valor jurídico ao silêncio e com possibilidade, neste caso, de
reação contenciosa através do pedido de condenação à prática de ato devido, só
nos parece admissível quando o poder administrativo seja estritamente vinculado
quanto ao sentido da decisão. Nestes casos, reconheço não ser justificável
obrigar o particular a recorrer aos tribunais para fazer valer a sua pretensão
material, através de uma ação condenatória, com toda a morosidade e custos
inerentes.
Penso que, embora a
extinção da figura do deferimento tácito não seja a mais razoável, esta deveria
deixar de assentar em cláusulas gerais, remetendo-se exclusivamente para leis
especiais a tipificação das situações de deferimento tácito e a fixação de
prazos para a sua formação adequados à natureza de cada situação concreta.
Bibliografia
CADILHA,
Carlos Alberto Fernandes, O silêncio administrativo, in Cadernos de justiça administrativa, n.º 28, Julho/Agosto 2001
CORREIA,
José Manuel Sérvulo, o Incumprimento do
dever de decidir, in Estudos
Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Professor Doutor António de Sousa Franco,
Lisboa, Volume II, 2006
OLIVEIRA,
ANTÓNIO CÂNDIDO, O “silêncio” e a “última palavra da Administração Pública”, in Cadernos de Justiça Administrativa,
n.º19, (Janeiro/Fevereiro 2000)
SILVA,
Vasco Pereira da, o Contencioso no Divã
da Psicanálise Ensaio sobre as Ações no Novo Processo Administrativo,
Coimbra, Almedina, 2005
SILVEIRA,
João Tiago, O Deferimento Tácito – Esboço do Regime Jurídico do Acto Tácito
Positivo na Sequência de pedido do Particular, Coimbra, Coimbra Editora,
2004
VASQUES,
Sónia Afonso, Duas Implicações do CPTA:
no silêncio da administração e no recurso hierárquico necessário, Curso de
Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Relatório do Seminário de Direito
Administrativo – B Professor Doutor José Manuel Sérvulo Correia, Lisboa,
2005/2006
[5] MÁRIO AROSO DE
ALMEIDA, O Novo Regime do Processo nos
Tribunais Administrativos, Almedina, Lisboa, 2007, págs. 205 e segs; VIEIRA
DE ANDRADE, A justiça administrativa
(Lições), Almedina, Coimbra, 2005, pág. 226
[7] VASCO PEREIRA DA
SILVA, O contencioso…, cit., págs. 366 e 367
[11] MARCOS PUENTE
GOMEZ, La inactividad de la
administración, Pamplona, Aranzadi 2002, págs. 134 e 135
[12] ANTÓNIO CÂNDIDO DE
OLIVEIRA, O “silêncio” e a “última palavra…, cit., pág. 21
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