terça-feira, 11 de dezembro de 2018

O Regime da Modificação do Objeto do Processo - RUI TOMAZ


O Regime da Modificação do Objeto do Processo

Em matéria processual, civilista ou administrativista, o apuramento do objeto do processo reveste-se de especial importância, uma vez que é através deste que somos capazes de assegurar a conexão da matéria extraprocessual como a matéria processual, garantindo a existência de uma relação jurídica substantiva que é discutida em juízo.

Assim, tal como no processo civil, a instância inicia-se com a propositura da ação prevista no art. 78º CPTA, e tem como diretiva a inalterabilidade da mesma, subjetiva (as mesmas partes) e objetivamente (o mesmo pedido e causa de pedir), salvo disposições em contrário. No nosso processo é a alteração/modificação objetiva que dá mais problemas[1], uma vez que  a modificação subjetiva só tem relevância nos casos do art. 62º CPTA em que o Ministério Público se sub-roga ao Autor nos casos de Ação Popular, ou em situações de Intervenção de terceiros.

Na versão anterior do CPTA a modificação do objecto era tratada e regulada no artigo 45.º, tal como no atual CPTA 2015. Contudo a antiga redacção ainda estava presa à dicotomia entre ação comum e especial, sendo que o regime da modificação pertencia à ação administrativa comum, e abrangia o objeto da ação administrativa especial por via de remissão para o antigo artigo 49º. Atualmente, e de forma a simplificar e a tornar mais célere a resolução de situações complexas, a modificação do objeto do processo insere-se numa única Ação Administrativa[2], sendo o regime aplicável quando outro especial, previsto nas disposições particulares, não existir.



Passando à leitura do artigo 45º CPTA, concluímos que o regime da Modificação do Objeto do processo se trata de uma situação excepcional, na medida em que o Tribunal poderá atender a essa modificação sempre que se verifiquem as condições previstas neste artigo, nomeadamente quando da satisfação da pretensão do Autor, mesmo que fundada, resulte de uma situação de impossibilidade absoluta, ou que da condenação da entidade demandada iria resultar um prejuízo e desequilíbrio para o interesse público.

Face a estas situações, o Tribunal, depois de reconhecer por sentença a verificação de uma das situações elencadas na alínea a) e d) do artigo 45º CPTA, convida as partes a acordarem um montante indemnizatório a ser pago ao Autor pela Administração[3], a qual pode incluir todos os danos resultantes da actuação ilegítima da entidade demandada, isto é, quer os decorrentes da impossibilidade, quer os decorrentes da própria ilegalidade da sua actuação.
Não havendo acordo quanto ao montante a pagar, então aí entra a excepcionalidade da modificação do objeto, podendo o Autor, no prazo de um mês (podendo haver prorrogação do prazo para 60 dias), apresentar um novo articulado, ou mesmo aumentar o pedido indemnizatório já deduzido a convite do juíz (pratica fonte de algumas críticas ao paternalismo indevido).
Sinteticamente, o pedido foi deduzido e está apenas em causa permitir que o autor possa pedir mais, ou seja, aumente o quantum indemnizatório [4]peticionado em consequência da impossibilidade absoluta quanto a um dos pedidos deduzidos, não cabendo ao órgão decisor alargar-se nas suas competências e atribuir mais faculdades ao Autor do que aquelas que a legislação atribuí.

Tal como referido anteriormente, esta possibilidade de deduzir os pedidos na mesma ação, inclusive os indemnizatórios, aumenta a eficiência e eficácia da justiça administrativa. Realidade que no antigo 45º/5 previa que autor apenas podia peticionar uma parte dos danos, tendo a alternativa de instaurar uma outra acção para peticionar todos os danos. Assim, com a nova redacção permite-se que sejam apreciados num único processo os factos emergentes da responsabilidade civil, em aumento da eficiência e eficácia da justiça administrativa art. 45º/3.

É claro então determinar que os pressupostos de modificação do objeto do processo são três:
·         Reconhecimento do bem fundado da pretensão do Autor; - requisito que já antes se entendia, embora não expressamente.
·         Impossibilidade absoluta da entidade demandada de cumprir os deveres a que seria condenada; - clarifica-se que a impossibilidade em dar satisfação aos interesses do autor será no todo ou em parte, mas sempre absoluta mesmo que parcialmente;
·         Demonstração de excepcional prejuízo para o interesse público caso o cumprimento da condenação se efectivasse.

Um outro problema que surge na redacção do novo art. 45º, nomeadamente nos nº 3 e 4, é a referência a actuação ilegítima. Ora a legitimidade ou ilegitimidade reporta-se a questões de oportunidade ou de mérito estando assim excluídos do controlo jurisdicional. Não é essa a intenção do legislador por apoio ao art. 3º/1 que determina que “os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação” derivadas da legitimidade ou ilegitimidade. A redacção não deveria ser tão delicada mas sim reportar-se a ilegalidade sendo que estamos perante danos decorrentes da atuação desconforme por parte da Administração, que originam a pretensão indemnizatória[5].


Por seu turno, o artigo 45.º-A, uma extensão de regime do artigo 45.º, é uma outra novidade que veio alargar as possibilidades de modificação do objecto do processo. Este é um preceito que se reporta ao regime pré-contratual, e por esse motivo está diretamente ligado ao art. 102º nº2 que a legítima, e remissão direta no conteúdo dos nº 6 e 7 do mesmo artigo. Estas disposições determinam que há lugar a modificação do objeto do processo quando se preencham os respetivos pressupostos.
Esta organização sistemática é mais uma vez o reflexo a unicidade [6]que se procurou com a nova Ação Administrativa, uma vez que este 45º -A em bom rigor pertence à secção do contencioso administrativo pré-contratual, contudo o legislador preferiu incorporar tudo numa só norma e criar outra complementar que remete para o 102º.

Esta alteração vai ao encontro com o princípio do aproveitamento do contrato e com o novo CPA. Por seu turno, os ns.º 2 e 3 do art.º 45.º-A do CPTA estendem a regulação do 45º e consagram o regime processual associado não só ao pedido de impugnação com base na invalidade no n.º 1 desse artigo[7], como também às situações em que existe uma alteração superveniente do quadro normativo que impede a condenação à prática do acto devido, que culmine na impossibilidade em dar satisfação aos interesses do autor.

Sintetizando, podemos afirmar que este artigo 45º-A se reporta a duas situações:
·         Quanto ao pedido de impugnação com base em invalidade disposto no 45º/1. 45º/1-A
·         Situações em que existe uma alteração do plano normativo e que seja impossível a condenação à prática do ato devido. 45º/2-A

Concluímos assim com um reforço à ideia transmitida anteriormente, de que com estes aditamentos, modificações e revogações, o CPTA de 2015, nomeadamente que diz respeito à modificação do objeto, veio alargar a tutela e plenitude jurisdicional dos interessados e efetivar o acesso à Justiça, através de mecanismos mais simples e céleres, que prevêem e abrigam uma vasta selecção de relações jurídicas.





REFERÊNCIAS INTERNET:
BIBLIOGRAFIA
Ana Celeste Carvalho, O Novo regime da ação admn., Uma visão tridimensional: CPC, CPTA e CPTA revisto
Diogo Freitas do Amaral, “A execução das sentenças dos Tribunais Administrativos”, Almedina, Coimbra.
José Viera de Andrade, “A Justiça Administrativa: Lições”, 16ª Edição, Almedina, Coimbra, 2017.
Mário Aroso de Almeida/Carlos Fernandes Cadilha“Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª Edição, Almedina, Coimbra, 2017.
Mário Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, 2017.

Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divâ da Psicanálise, Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo

Vasco Pereira Da Silva, “Todo o contencioso administrativo se tornou de plena jurisdição”, in Cadernos de Justiça administrativa, n.º 34.
Wladimir Brito, Lições de Dto Processual Administrativo
Sofia David, in As modificações da instância e a convolação processual no Código de Processo nos Tribunais Administrativos revisto, Notas, 2016


[1] Wladimir Brito, Lições de Dto Processual Administrativo, pag. 189, 3ª Edição, Petrony
[2] Ana Celeste Carvalho, O Novo regime da ação admn., Uma visão tridimensional: CPC, CPTA e CPTA revisto, pag. 7
[3] Wladimir Brito, Lições de Dto Processual Administrativo, pag. 189, 3ª Edição, Petrony
[4] Ana Celeste Carvalho, O Novo regime da ação admn., Uma visão tridimensional: CPC, CPTA e CPTA revisto, pag. 9
[5] Ana Celeste Carvalho, O Novo regime da ação admn., Uma visão tridimensional: CPC, CPTA e CPTA revisto, pag. 10
[6] Sofia David, in As modificações da instância e a convolação processual no Código de Processo nos Tribunais Administrativos revisto, Notas, 2016, pag. 19
[7] Sofia David, in As modificações da instância e a convolação processual no Código de Processo nos Tribunais Administrativos revisto, Notas, 2016, pág. 20

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