O Regime da Modificação do Objeto do Processo
Em matéria processual, civilista ou administrativista, o
apuramento do objeto do processo reveste-se de especial importância, uma vez
que é através deste que somos capazes de assegurar a conexão da matéria
extraprocessual como a matéria processual, garantindo a existência de uma
relação jurídica substantiva que é discutida em juízo.
Assim, tal como no processo civil, a instância inicia-se
com a propositura da ação prevista no art. 78º CPTA, e tem como diretiva a
inalterabilidade da mesma, subjetiva (as mesmas partes) e objetivamente (o
mesmo pedido e causa de pedir), salvo disposições em contrário. No nosso
processo é a alteração/modificação objetiva que dá mais problemas[1],
uma vez que a modificação subjetiva só
tem relevância nos casos do art. 62º CPTA em que o Ministério Público se
sub-roga ao Autor nos casos de Ação Popular, ou em situações de Intervenção de
terceiros.
Na versão
anterior do CPTA a modificação do objecto era tratada e regulada no artigo 45.º,
tal como no atual CPTA 2015. Contudo a antiga redacção ainda estava presa à
dicotomia entre ação comum e especial, sendo que o regime da modificação
pertencia à ação administrativa comum, e abrangia o objeto da ação
administrativa especial por via de remissão para o antigo artigo 49º.
Atualmente, e de forma a simplificar e a tornar mais célere a resolução de
situações complexas, a modificação do objeto do processo insere-se numa única
Ação Administrativa[2], sendo o
regime aplicável quando outro especial, previsto nas disposições particulares,
não existir.
Passando à
leitura do artigo 45º CPTA, concluímos que o regime da Modificação do Objeto do
processo se trata de uma situação excepcional, na medida em que o Tribunal
poderá atender a essa modificação sempre que se verifiquem as condições
previstas neste artigo, nomeadamente quando da satisfação da pretensão do
Autor, mesmo que fundada, resulte de uma situação de impossibilidade absoluta,
ou que da condenação da entidade demandada iria resultar um prejuízo e
desequilíbrio para o interesse público.
Face a estas situações, o Tribunal, depois de reconhecer
por sentença a verificação de uma das situações elencadas na alínea a) e d) do
artigo 45º CPTA, convida as partes a acordarem um montante indemnizatório a ser
pago ao Autor pela Administração[3],
a qual pode incluir todos os danos resultantes da actuação ilegítima da
entidade demandada, isto é, quer os decorrentes da impossibilidade, quer os
decorrentes da própria ilegalidade da sua actuação.
Não havendo
acordo quanto ao montante a pagar, então aí entra a excepcionalidade da
modificação do objeto, podendo o Autor, no prazo de um mês (podendo haver
prorrogação do prazo para 60 dias), apresentar um novo articulado, ou mesmo
aumentar o pedido indemnizatório já deduzido a convite do juíz (pratica fonte
de algumas críticas ao paternalismo indevido).
Sinteticamente,
o pedido foi deduzido e está apenas em causa permitir que o autor possa pedir
mais, ou seja, aumente o quantum
indemnizatório [4]peticionado
em consequência da impossibilidade absoluta quanto a um dos pedidos deduzidos,
não cabendo ao órgão decisor alargar-se nas suas competências e atribuir mais
faculdades ao Autor do que aquelas que a legislação atribuí.
Tal
como referido anteriormente, esta possibilidade de deduzir os pedidos na mesma
ação, inclusive os indemnizatórios, aumenta a eficiência e eficácia da justiça
administrativa. Realidade que no antigo 45º/5 previa que autor apenas podia
peticionar uma parte dos danos, tendo a alternativa de instaurar uma outra
acção para peticionar todos os danos. Assim, com a nova redacção permite-se que
sejam apreciados num único processo os factos emergentes da responsabilidade
civil, em aumento da eficiência e eficácia da justiça administrativa art.
45º/3.
É claro então determinar que os pressupostos de
modificação do objeto do processo são três:
·
Reconhecimento do bem fundado da pretensão do Autor; -
requisito que já antes se entendia, embora não expressamente.
·
Impossibilidade absoluta da entidade demandada de cumprir
os deveres a que seria condenada; - clarifica-se que a impossibilidade em dar
satisfação aos interesses do autor será no todo ou em parte, mas sempre
absoluta mesmo que parcialmente;
·
Demonstração de excepcional prejuízo para o interesse
público caso o cumprimento da condenação se efectivasse.
Um outro problema que surge na redacção do novo art. 45º,
nomeadamente nos nº 3 e 4, é a referência a actuação
ilegítima. Ora a legitimidade ou ilegitimidade reporta-se a questões de
oportunidade ou de mérito estando
assim excluídos do controlo jurisdicional. Não é essa a intenção do legislador
por apoio ao art. 3º/1 que determina que “os
tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e
princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da
sua atuação” derivadas da legitimidade ou ilegitimidade. A redacção não
deveria ser tão delicada mas sim reportar-se a ilegalidade sendo que estamos
perante danos decorrentes da atuação desconforme por parte da Administração,
que originam a pretensão indemnizatória[5].
Por seu turno, o artigo 45.º-A, uma extensão de regime do
artigo 45.º, é uma outra novidade que veio alargar as possibilidades de
modificação do objecto do processo. Este é um preceito que se reporta ao regime
pré-contratual, e por esse motivo está diretamente ligado ao art. 102º nº2 que
a legítima, e remissão direta no conteúdo dos nº 6 e 7 do mesmo artigo. Estas
disposições determinam que há lugar a modificação do objeto do processo quando se preencham os respetivos
pressupostos.
Esta organização sistemática é mais uma vez o reflexo a
unicidade [6]que
se procurou com a nova Ação Administrativa, uma vez que este 45º -A em bom
rigor pertence à secção do contencioso administrativo pré-contratual, contudo o
legislador preferiu incorporar tudo numa só norma e criar outra complementar
que remete para o 102º.
Esta alteração vai
ao encontro com o princípio do aproveitamento do contrato e com o novo CPA. Por
seu turno, os ns.º 2 e 3 do art.º 45.º-A do CPTA estendem a regulação do 45º e
consagram o regime processual associado não só ao pedido de impugnação com base
na invalidade no n.º 1 desse artigo[7],
como também às situações em que existe uma alteração superveniente do quadro
normativo que impede a condenação à prática do acto devido, que culmine na
impossibilidade em dar satisfação aos interesses do autor.
Sintetizando, podemos afirmar que este artigo 45º-A se reporta a duas
situações:
·
Quanto ao pedido de
impugnação com base em invalidade disposto no 45º/1. 45º/1-A
·
Situações em que existe uma
alteração do plano normativo e que seja impossível a condenação à prática do
ato devido. 45º/2-A
Concluímos assim com um reforço à ideia transmitida anteriormente, de que
com estes aditamentos, modificações e revogações, o CPTA de 2015, nomeadamente
que diz respeito à modificação do objeto, veio alargar a tutela e plenitude
jurisdicional dos interessados e efetivar o acesso à Justiça, através de
mecanismos mais simples e céleres, que prevêem e abrigam uma vasta selecção de
relações jurídicas.
REFERÊNCIAS INTERNET:
BIBLIOGRAFIA
Ana Celeste
Carvalho, O Novo regime da ação admn., Uma visão tridimensional: CPC, CPTA e
CPTA revisto
Diogo Freitas
do Amaral, “A execução das sentenças dos Tribunais Administrativos”,
Almedina, Coimbra.
José Viera de Andrade, “A Justiça Administrativa: Lições”, 16ª Edição,
Almedina, Coimbra, 2017.
Mário Aroso de
Almeida/Carlos Fernandes Cadilha, “Comentário
ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª Edição,
Almedina, Coimbra, 2017.
Mário Aroso
de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”, 3ª Edição,
Almedina, Coimbra, 2017.
Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divâ da
Psicanálise, Ensaio sobre as
Acções no Novo Processo Administrativo
Vasco Pereira
Da Silva, “Todo o contencioso administrativo se tornou de plena
jurisdição”, in Cadernos de Justiça administrativa, n.º 34.
Wladimir Brito,
Lições de Dto Processual Administrativo
Sofia David, in As modificações da instância e a convolação processual no
Código de Processo nos Tribunais Administrativos revisto, Notas, 2016
[2] Ana Celeste Carvalho, O
Novo regime da ação admn., Uma visão tridimensional: CPC, CPTA e CPTA revisto,
pag. 7
[4] Ana Celeste Carvalho, O
Novo regime da ação admn., Uma visão tridimensional: CPC, CPTA e CPTA revisto,
pag. 9
[5] Ana Celeste Carvalho, O
Novo regime da ação admn., Uma visão tridimensional: CPC, CPTA e CPTA revisto,
pag. 10
[6] Sofia David,
in As modificações da instância e a convolação processual no Código de Processo
nos Tribunais Administrativos revisto, Notas, 2016, pag. 19
[7] Sofia David,
in As modificações da instância e a convolação processual no Código de Processo
nos Tribunais Administrativos revisto, Notas, 2016, pág. 20
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