Interesse direto e pessoal
1 – Introdução.
A legitimidade ativa é um dos pressupostos
necessários para que o tribunal profira uma decisão de mérito[1].
Assim, o Código do processo dos tribunais administrativo (CPTA) refere no artigo
9º a norma geral quanto à legitimidade ativa, mas esta regra não se manifesta
da mesma maneira em toda a extensão do CPTA. Desta forma, neste trabalho irá analisar-se
a questão da legitimidade ativa especificamente no âmbito da impugnação de
atos, artigo 55º /1 alínea a) e os requisitos que nesta situação são exigidos
especialmente em relação á regra geral e de que forma ela se repercute na
aferição da legitimidade ativa.
2 – Critério geral de legitimidade
O artigo 9º CPTA estabelece o regime geral da
legitimidade activa, no âmbito do contencioso administrativo[2].
Neste artigo, constam os dois modelos típicos[3]
de legitimidade activa, sendo o primeiro referente à pertinência da relação
jurídica para as ações de função subjetiva, que consta no nº1 do mencionado
artigo e o segundo modelo que se pauta pela defesa de interesses difusos no que
se refere à ação popular[4].
No presente trabalho, apenas se abordará com mais enfoque o primeiro modelo,
devido à pertinência do mesmo para o tema em questão.
Desta forma, o artigo 9º, nº1 refere o critério
para determinar a existência de legitimidade activa se prende com a forma de
apresentação e configuração que o autor atribui à (pretensa) relação jurídica,
não se considerando, assim, a real constituição da relação jurídica material[5].
Contudo esta indicação geral é colmatada com a primeira parte do nº1, onde é
feita remissão para outros regimes em que de acordo com as suas
características, a legitimidade ativa ganha contornos especiais, tal como
acontece no artigo 55º CPTA[6].
3 – Artigo 55º nº1 alínea a) – regra “especial”
3.1 – o que se entende por “interesse”
O conceito de “interesse” tem vindo a ser bastante
debatido, visto que é essencial para a aferir se o sujeito tem ou não
legitimidade para impugnar o ato.
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA[7]
considera que o artigo 55º engloba diferentes tipos de interesses, tais como o
interesse individual, o interesse público, o interesse difuso e o interesse
colectivo. No âmbito deste tema, importa dar enfase ao interesse individual que
é aquele pelo qual se pauta a alínea a). Assim, o interesse individual
caracteriza-se, nas palavras deste autor, por ser “(…) o direito ou o interesse específico do individuo caracterizado na
lei como um interesse pessoal e direto(…)”. [8]
Consequentemente,
denota-se que no âmbito da legitimidade para impugnar um ato administrativo,
para este autor, o critério não se prende somente com a titularidade de uma
relação (ou pretensa relação) jurídica administrativa, mas inclui um mero
interesse processual que deve existir.
JOSÉ DUARTE COIMBRA considera
que o interesse pode manifestar-se de várias maneiras ou ainda ter diversos
contornos. Desta forma, este autor considera que ter interesse significa ter
uma “razão para querer”, devido ao facto de que o conceito tem de se basear em
bases jurídicas, pois um sujeito só pode afirmar que tem interesse quando está
de alguma forma relacionado com o objeto processual e com razões jurídicas que
o sustentem. Resumidamente, terá interesse quem vir a sua esfera jurídica de
alguma forma afetada pelo ato administrativo legal. Ainda assim, o interesse
caracteriza-se por traduzir “uma ideia de utilidade de acesso ao processo e de
adequação do meio processual escolhido”[9].
Contudo, o autor acrescenta ainda que “a mera titularidade do direito não
bastaria para justificar esse acesso”. Consequentemente, VASCO PEREIRA DA SILVA
partilha o seu entendimento com este autor acerca desta questão.
Com esta linha de
raciocínio, o autor acaba por concluir que a legitimidade ativa é uma posição
jurídica subjetiva, sendo que segundo o mesmo “só isto se coaduna com: i) uma noção operativa de interesse; ii) o
carácter jurídico-relacional do conceito de legitimidade”[10].
Desta forma, terá legitimidade quem se sentir diretamente afetado pelo ato
impugnado. Pelo contrário, MARIO AROSO DE ALMEIDA, considera que quem tem
legitimidade será quem retira vantagens ou benefícios, tomando assim uma posição
objetiva. VASCO PEREIRA DA SILVA defende esta mesma posição.
Porém, a posição
subjetivista restringe o conjunto de sujeitos que poderão ter legitimidade para
impugnar o ato, deixando de parte aqueles que mesmo não têm um direito ou
interesse legalmente protegido preterido.
3.2 – O que se entende por direto e pessoal:
Para MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, o interesse pessoal caracteriza-se por ser uma “utilidade, beneficio ou vantagem, de natureza patrimonial ou meramente
moral, que poderá advir da anulação do ato impugnado e que não tem de
corresponder à titularidade de um direito subjetivo ou interesse legalmente
protegido, mas também pode resultar da simples invocação de um mero interesse
de facto”[11].
Assim, por outras palavras, diz-se que o interesse é pessoal quando seja
possível retirar um benefício concreto para a própria esfera pessoal. Esse
interesse deixa de ser pessoal assim que se verifique que pertence à
colectividade ou a uma comunidade, tornando-se assim um interesse difuso[12].
Desta forma, tal como refere o autor, o STA, no seu
acórdão de 1 de Abril de 2004 (processo nº 1614/03), referiu exactamente que
aquele que consegue retirar da anulação do ato um beneficio especifico para a
sua esfera jurídica é quem tem de facto legitimidade activa[13],
ainda que a disposição que se considera estar a ser violada não tenha como
objetivo a proteção de um bem jurídico próprio. Assim, o autor considera que aqueles que beneficiam de uma situação
e facto ou da tolerância do poder público são aqueles que têm legitimidade activa[14].
Quanto ao interesse
direto, MARIO AROSO DE ALMEIDA considera que nesta situação se “(…) pressupõe qe o demandante tem um interesse
direto e efectivo na anulação ou declaração de nulidade do ato administrativo
(…)”, o que leva a que sejam excluídos do conceito os interesses que possam
atingir a esfera jurídica do interessado de forma indirecta ou hipotética e,
consequentemente, a legitimidade activa de quem os invoque.
Consequentemente, é possível dizer que um ato pode
ser impugnável, nem que seja pelo MP, mas nem todos os interessados têm
legitimidade para o impugnar [15].
O autor refere igualmente que a jurisprudência tem
vindo a alterar a sua rigidez quanto ao conceito de “interesse direto” no caso
da impugnação de atos procedimentais.
Desta forma, o Professor conclui que a exigência do
interesse direito está mais estritamente relacionada com a situação em que seja
necessário descobrir quando é que existe uma efetiva necessidade de tutela
judiciaria, ou seja, um interesse de facto ou processual. Considera ainda que
seja talvez por esta razão que a jurisprudência tem vindo a evoluir,
afastando-se do critério rígido tradicional que se prende com o argumento de
que as situações que seriam indiretamente lesivas ainda eram uma mera ameaça de
lesão[16].
Ainda assim, a jurisprudência tem vindo a
considerar que o carácter pessoal do interesse está relacionado com a vantagem
que o autor retira da invalidação do ato e que essa vantagem tenha repercussão
imediata (Interesse direto), através de lesões efetivas e não hipotéticas, na
sua esfera jurídica[17].
Exige-se, consequentemente, que “haja uma indispensável e efetiva ligação entre
o autor e o interesse cuja proteção reclama”. Assim, a parte só seria legitima
se estes requisitos estivessem preenchidos. Pode assim concluir-se, que a posição
que tem vindo a ser seguida é a dos autores MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e DIOGO
FREITAS DO AMARAL.
Para MARCELLO CAETANO, o interesse teria de se
caracterizar como direto prendendo-se este com o facto de que a impugnação do
ato administrativo e a consequente anulação ou nulidade do mesmo tenha como
consequência a eliminação de prejuízos existentes na esfera jurídica do autor
que decorriam imediatamente do ato que foi impugnado. Em segundo lugar, este
autor considerava que o interesse teria de ser pessoal sendo que esta situação
aconteceria quando o prejuízo decorria expressamente na esfera jurídica do
autor. Aqui o foco de atenção estaria direcionado para a esfera jurídica do
autor, enquanto que no caso da definição de interesse direto a tónica coloca-se
no prejuízo que afeta a o autor de forma direta. Estes dois critérios
complementam-se entre si. Por fim, este autor acrescenta que o interesse
deveria ser legitimo, ou seja, cuja utilidade não fosse contraria à ordem
jurídica[18].
Para JOSÉ DUARTE COIMBRA, os qualificativos
“pessoal e legitimo” não têm qualquer relevância quanto à aferição do critério
que se deve aplicar quando se procura precisar o que significa a expressão
“interesse direto e pessoal”, pois o interesse só pelas suas características já
representa uma posição jurídica subjetiva que terá de ser legitima e decorre da
lei, sem ser necessária a sua referência expressa[19].
Assim, após concluir que estes requisitos nada acrescentam ao conceito de
interesse. Desta forma, o autor conclui que o caracter direto do interesse é
aquele que deve ser de facto analisado. Assim, o autor conclui que o interesse
direto deve ser entendido como sendo um interesse imediato entre a impugnação
do ato e “os benefícios dela decorrentes”, mas ainda como sendo um interesse
atual e efetivo em impugnar o ato[20].
4 – Conclusão
Após a
análise do regime da legitimidade ativa necessária para impugnar um ato jurídico
e das várias posições que se apresentam, é possível retirar variadas
conclusões.
Assim, a
posição que parece mais adequada é aquela que abrange não só quem veja o seu
direito ou interesse legalmente protegido, mas também quem veja a sua esfera jurídica
lesada, pois este meio possibilita a quem não teria nenhuma forma de ver a sua
esfera jurídica protegida, tenha com esta deposição possibilidade de ver os
seus danos reparados ou obstáculos eliminados. Esta seria a única forma de ter
essa oportunidade.
Poderá
arguir-se contra esta posição o facto de esta deixar uma grande margem de
discricionariedade e não se pautar rigorosamente pelos critérios jurídicos.
Contudo, esta discricionariedade implica que o tribunal possa julgar caso a
caso e analisar se de facto, de acordo com a situação, se o autor deve ou não
ser tutelado. Ainda assim, esta atuação não seria totalmente discricionária,
visto que terá de estar sempre vinculada aos princípios presentes na ordem
jurídica. Além disso, a relevância do facto de haver uma forma de impugnar o
ato parece suplantar a situação em que alguém não poderá eliminar algo que lhe
cause prejuízo ou obstáculo, pois será mais gravoso não ter tutela alguma.
5 - Bibliografia
JOSÉ DUARTE COIMBRA, “A
«legitimidade» do Interesse na Legitimidade Activa de Particulares para
impugnação de actos administrativos”, 2012/2013
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, “Comentário ao Código de Processo nos
Tribunais Administrativos”, 4ª edição, 2017
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “Manual de
processo administrativo”, 3ª edição, 2017
[1] MÁRIO AROSO DE
ALMEIDA, “Manual de processo
administrativo”, 3ª edição, 2017
[2] MÁRIO AROSO DE
ALMEIDA/CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, “Comentário
ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, 2017.
[3]
Idem
[4] Idem
[5] Idem
[6] Idem
[7] MÁRIO AROSO DE
ALMEIDA/CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, “Comentário
ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, 2017.
[8]
Idem
[9] JOSÉ DUARTE COIMBRA,
“A «legitimidade» do Interesse na Legitimidade Activa de Particulares para
impugnação de actos administrativos”, 2012/2013
[10] MÁRIO AROSO DE
ALMEIDA/CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, “Comentário
ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, 2017.
[11]
Idem
[12] Idem
[13] Idem, nota de rodapé nº 436.
[14] Idem
[15]
Idem
[16]
Idem
[17] Acordão STA, processo
nº01054/08, de 29 de outubro de 2009; Acórdão do
Tribunal Central Administrativo Norte, processo nº00122/09.2BEMDL, de 10 de
junho de 2010
[18]JOSÉ DUARTE COIMBRA,
“A «legitimidade» do Interesse na Legitimidade Activa de Particulares para
impugnação de actos administrativos”, 2012/2013
[19] Idem
[20]
idem